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Fichamento Mancuso - Acesso a justiça

Por:   •  20/6/2016  •  Bibliografia  •  3.558 Palavras (15 Páginas)  •  717 Visualizações

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FICHAMENTO

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT, 2011.

“A crise numérica dos processos judiciais e suas concausas”, título do segundo capítulo da obra, versa sobre os diversos fatores que, segundo o autor, embasam e retroalimentam a crise enfrentada no âmbito do Poder Judiciário. Em síntese, aponta-se que os fatores que atuam como as concausas da crise são a nomocracia; a cultura demandista; a judicialização da política e a politização da justiça; a inefetividade prática dos provimentos judiciais de natureza condenatória; a litigância habitual; a expansão da estrutura do Poder Judiciário; e a explosão da litigiosidade contida.

O autor afirma que, apesar de o Poder Judiciário já operar “no limite de sua capacidade” (p.51), inúmeras ações continuam a ser distribuídas. Tal situação pode ser atribuída, principalmente, aos seguintes fatores (p.53-4):

(a) desinformação ou oferta insuficiente quanto a outros meios, ditos alternativos, de auto e heterocomposição de litígios, gerando uma cultura da sentença, na expressão de Kazuo Watanabe; (b) exacerbada juridicização da vida em sociedade, para o que contribui a pródiga positivação de novos direitos e garantias, individuais e coletivos, a partir do texto constitucional, projetando ao interno da coletividade uma expectativa (utópica), de pronto atendimento a todo e qualquer interesse contrariado e insatisfeito; (c) ufanista e irrealista leitura do que contém no inciso XXXV do art. 5º da CF/1988 – usualmente tomado como sede do acesso à Justiça – enunciado que, embora se enderece ao legislador, foi sendo gradualmente superdimensionado (ao influxo de motes como ubiqüidade da justiça, universalidade da jurisdição), praticamente implicando em converter o que devera ser o direito de ação (específico e condicionado) num prodigalizado dever de ação!; (d) crescimento desmesurado da estrutura judiciária – oferta de mais do mesmo sob a óptica quantitativa – com a incessante criação de novos órgãos singulares e colegiados, e correspondentes recursos humanos e materiais, engendrando o atual gigantismo que, sobre exigir parcelas cada vez mais expressivas do orçamento público, induz a que esse aumento da oferta contribua para retroalimentar a demanda.

Em seguida, o autor anota que nomocracia é o mecanismo mais utilizado para buscar a solução para as concausas acima referidas. Porém, conclui que esta marcante tendência em promover alterações legislativas, notadamente no âmbito processual civil codificado e extravagante, não atua sobre as concausas determinantes do resultado “sobrecarga”. Ao revés, a cultura de nomocracia busca soluções imediatistas destinadas ao combate da conseqüência representada pela crise numérica dos processos, sem que haja real comprometimento e vontade política para desvendar e equacionar este efeito crítico. Neste sentido,

a nomocracia (tendência a responder aos problemas com novas normas) tem como deletério subproduto a fúria legislativa, a qual tem sido preferida à telocracia, pela qual um problema deve, primeiramente, ser devidamente diagnosticado, em ordem a surpreender sua causa próxima e remota, eventual ou necessária, conjuntural ou eficiente, para só depois, através de condutas, programas e estratégias, ser eficientemente combatido (p.52-3).

Acentua-se que a nomocracia produz a “fúria legislativa”, em grande parte responsável pela crise numérica do processo judicial, eis que

o vezo de responder às ocorrências da vida em sociedade com (novas) normas, ao invés de, antese superiormente, analisar cumpridamente os fatos, em ordem a adotar providências idôneas e eficazes, acaba por frustrar as expectativas, porque a norma, isoladamente, desacompanhada de condutas concretas e apropriadas, não consegue alterar ou corrigir substancialmente a situação preexistente, quando não é clara em seu enunciado ou quando se sobrepõe ambiguamente a texto já em vigor (p.66).

Por isso, o subproduto da nomocracia contribui para a sobrecarga de demandas. No ponto, esta “normartização desmesurada se projeta em direção do Judiciário, pela óbvia razão de lhe caber a interpretação dos textos de regência, para aplicação aos casos concretos e final resolução das controvérsias” (p.68). Realmente,

quando o texto é deficiente, não apresentando clareza no enunciado, ou ainda quando vem a se justapor a outros preexistentes, delineia-se todo um ambiente obscuro que favorece a formação do conflito, o qual, se não resolvido suasoriamente, deflagrará (mais uma) lide judicial (p.72).

Noutro giro, o autor passa a enfrentar o “demandismo judiciário excessivo” como concausa da crise numérica dos processos judiciais (p.53). De saída, afirma que após a Constituição de 1988, existe no inconsciente coletivo dos brasileiros a propensão a “repassar às mãos do Estado a tarefa e a responsabilidade de dirimir os conflitos, fazendo com que o Judiciário opere como um receptáculo imediato” (p.54), de forma que o processo judicial é visto como primeira e única saída, ao invés de ser utilizado como último recurso, quando infrutíferas as tentativas de solução “amigável” do conflito.

Assim, nesta cultura demandista, a pretexto de representar a manifestação da cidadania, desvirtua a utilização do Poder Judiciário pela população, que passa a enxergá-lo como “uma sorte de guichê universal de reclamações” (p.54).

  Ao invés de procurar solucionar os conflitos de forma extraprocessual, seja diretamente com a outra parte ou mediante auxílio de terceiro, promove-se “o ajuizamento pronto e imediato de qualquer interesse contrariado ou insatisfeito” (p.54).

Desta forma, observa-se que, em geral, existe na sociedade brasileira o comportamento que exaltação à cultura demandista, na qual existe a tendência a “supervalorizar a solução adjudicada estatal em detrimento de outros modos ‘não oficiais’ de resolução de conflitos, como se aquela fosse o ponto ótimo, o modus judicandi por excelência, e estes últimos devessem ficar relegados a um plano secundário” (p.58).

Ocorre que, além do “falacioso exercício de cidadania”, a cultura demandista que cultua a solução adjudicada de conflitos “promove o afastamento entre as partes, acirra os desentendimentos e estende o conflito a um ponto futuro indefinido, esgarçando o tecido social e sobrecarregando a justiça estatal” com a submissão de controvérsias que “antes e superiormente, poderiam e deveriam resolver-se em modo auto ou heterocompositivo” (p.59).

Por fim, o autor ressalta que o interesse, na qualidade de condição da ação do processo, deverá expressar o binômio de necessidade e adequação, o que aparenta ser incompatível com a manifestação da sistemática da cultura demandista, que “consiste na pronta e açodada judicialização de todo e qualquer conflito – numa sorte de terceirização do deslinde da controvérsia”, ao invés de prévia tentativa de soluções não-adjudicadas (p.62).

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