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Fichamento cultura do estupro

Por:   •  23/9/2021  •  Relatório de pesquisa  •  3.154 Palavras (13 Páginas)  •  180 Visualizações

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Cultura do estupro ou cultura antiestupro?

“cultura do estupro” tem sido pouco utilizada no Direito, mas tornou-se frase corrente no ativismo feminista para se referir a um conjunto de comportamentos e ações que toleram o estupro praticado contra mulheres em nossa sociedade.

O termo “cultura”, no seu uso costumeiro, tem uma dupla perspectiva:a de apontar a diversidade de valores que envolvem as relações sociais nas mais distintas sociedades, e a de reificar, endurecer e enrijecer o entendimento da dinâmica das relações sociais. Essa segunda acepção pode levar a entender, equivocadamente, que, em cada sociedade, todos acreditam igualmente nos mesmos valores, todos têm a mesma posição e não há conflitos nem mudanças.Valores culturais são dinâmicos, uns de longa duração, outros de curta duração e as relações dos sujeitos com o vasto repertório simbólico dependem de suas posições nas relações de poder

CAP 1. INCOMPLETO

A ideia de que existe ou vivemos em uma cultura do estupro foi desenvolvida pelas norte-americanas nos anos 1970 quando denunciaram o tratamento social e jurídico que culpabilizava as mulheres pelo estupro sofrido.

Susan Brownmiller, em Against our will (1975), afirma a existência de uma cultura (norte- -americana) que apoia o estupro (rape-supportive culture), a partir do modo como essa cultura define a sexualidade masculina como naturalmente agressiva, a feminina como passiva, e exige das mulheres o comportamento de polidez, delicadeza e de não confronto.

cultura norte-americana, a sexualidade feminina passiva não significaria ausência de desejo sexual, mas sim que apenas não caberia às mulheres serem agressivas, do que emerge a suposição (cultural) de que “elas sempre querem”, mesmo que não o digam

Ensina-se às mulheres a se comportarem adequadamente, a não andarem sozinhas, a não vestirem roupas provocativas etc. para evitarem o estupro, como se o comportamento feminino tivesse alguma relação com a conduta sexual masculina (HERMAN, 1984; GRIFFIN, 1971).

As perguntas sobre se foi mesmo um estupro e o quanto as mulheres resistiram demonstram que o padrão para o que é definido como sexo é masculino. Se não houve muita violência, não é estupro. Isso explicaria as baixas notificações referentes aos crimes de estupro, pois as mulheres não acreditam que o que vivenciam como estupro será entendido legalmente como tal.

Quando o modelo é o de uma sexualidade masculina impulsiva, há uma naturalização do estupro, o que poderia explicar a dificuldade das vítimas denunciarem agressores, especialmente os conhecidos. Pesquisas revelaram que aquelas que denunciam o estupro cometido por conhecidos têm menores chances de serem acreditadas do que aquelas que reportam estupro cometido por estranhos (HERMAN, 1984).

Quando o modelo esperado socialmente do comportamento feminino em relação à sexualidade é o de ser discreta, não confrontar, não tomar a iniciativa declarada do ato sexual, mas seduzir e provocar o desejo masculino,constroem-se as dúvidas sobre se houve estupro, pois ou não houve resistência ou houve provocação das mulheres (o que negaria o estupro já que “elas queriam”).

A ligação entre o comportamento feminino e a prática do estupro não se confirma – pesquisas demostraram que em 82% dos casos o estupro foi planejado e em pouquíssimos aconteceu por impulso (HERMAN, 1984). Igualmente, a imagem da vítima sexualmente atraente e provocativa é irreal, pois o estupro é tanto cometido contra crianças de 6 meses como contra idosas de 93 anos (HERMAN, 1984).Assim,culpar a vítima pelo estupro só serve aos interesses masculinos (GRIFFIN, 1971).

Desta forma, a cultura americana produz estupradores quando encoraja a socialização de homens a subscrever valores como controle, dominação, insensibilidade, competitividade, raiva e agressão e os desencoraja a expressarem vulnerabilidade, colaboração e cooperação. Ao final, não seriam apenas as mulheres as vítimas, mas também os próprios agressores, que também sofrem (HERMAN, 1984).

A “produção” de quem é a vítima é também realizada pela lei, pela doutrina e pelas práticas jurídicas.A legislação controla a sexualidade feminina vinculando o exercício da sexualidade à reprodução e punindo as “desviantes” (criminalizando o aborto, por exemplo). Pela doutrina, validando questionamentos sobre o comportamento da vítima, a insuficiência de seus relatos, o consentimento ou justificando o estupro marital. E pelas práticas jurídicas, obrigando as mulheres a recontarem o fato à polícia,ao ministério público,ao Poder Judiciário; questionando se houve violência ou por que não reagiram; pelos argumentos da defesa, que desqualificam moralmente as mulheres e, por fim, com a sentença absolutória que desacreditou a palavra da vítima.As feministas sustentam que levar um caso de estupro ao sistema de justiça criminal é custoso financeira e psicologicamente às vítimas.Além de terem que recontar o evento, podem sofrer represálias dos familiares do agressor quando não dele mesmo (HERMAN, 1984). Isso fundamentou as reformas legais.

CAP 2

No Brasil, a movimentação feminista da segunda metade dos anos 1970 e dos anos 1980 coloca em evidência a violência contra as mulheres, seja física e sexual, seja no âmbito doméstico, seja no público. São especialmente os assassinatos de mulheres de classes média e alta e a absolvição judicial ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980 que fazem com que haja visibilidade e legitimidade na mídia e na opinião pública da denúncia pela movimentação feminista sobre a violência contra as mulheres.As movimentações feministas logram nos anos 1980 a criação de Delegacias Especiais de Atendimento ou Defesa das Mulheres, nos âmbitos municipais e estaduais (CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA, 1993; DEBERT; GREGORI, 2002), o que evidencia a profundidade e a importância da denúncia da violência contra as mulheres.

No Brasil,as denúncias contra a cultura do estupro amparam-se tanto em pesquisas sobre a percepção da violência (pesquisas de opinião) quanto em pesquisas de vitimização, que apontam para a (sub)notificação da violência sexual contra mulheres.

A pesquisa (ABRAMO, 2010) revelou que 19% das entrevistadas sofreu algum tipo de violência, sendo que 6% sofreu violência sexual. Quando estimuladas, o índice da violência sexual subiu de 6% para 10%, 8% afirmou ter sido obrigada a manter relações sexuais quando não queriam, 4% foram forçadas a praticar atos sexuais que não lhes agradavam e 3% foram estupradas.

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