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Negócio Jurídico Processual

Por:   •  13/5/2020  •  Artigo  •  1.919 Palavras (8 Páginas)  •  132 Visualizações

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Negócio Jurídico Processual

Negócio Jurídico Processual

Negócio jurídico processual é instituto novo do CPC de 2015. Ele prevê a possibilidade de as partes, por acordo de vontades, pactuarem alterações no procedimento judicial (futuro ou em curso) e nas situações jurídicas processuais (ônus, poderes, faculdades e deveres) (art. 190). Por exemplo, as partes podem, dentro de alguns parâmetros, pactuar alteração de prazos processuais, inversão de regras sobre custos de perícias, limitação de cabimento de hipóteses de intervenção de terceiros, dentre outros.

O negócio jurídico processual como cláusula geral é uma novidade, mas significa a ampliação de possibilidades já permitidas pela legislação anterior, como a eleição de foro e a inversão convencional do ônus da prova. O que o novo Código traz é a atipicidade dos negócios jurídicos processuais, que não mais se restringem às hipóteses estritamente previstas em lei.

No âmbito no Ministério Público, os negócios jurídicos processuais encontram acolhida na Resolução n. 118, do CNMP, que dispõe “sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público e dá outras providências”. Nos seus arts. 15 a 17, a Resolução n. 118, mesmo antes da edição do novo CPC, já previa as convenções processuais, que nada mais são que negócios jurídicos sobre processo.

Seção V – Das convenções processuais

Art. 15. As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais.

Art. 16. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais.

Art. 17. As convenções processuais devem ser celebradas de maneira dialogal e colaborativa, com o objetivo de restaurar o convívio social e a efetiva pacificação dos relacionamentos por intermédio da harmonização entre os envolvidos, podendo ser documentadas como cláusulas de termo de ajustamento de conduta.

Trata-se, portanto, de técnica processual com amplo espectro de utilização pelo Ministério Público, incentivada pelo Conselho Nacional do MP. O texto do CPC, por seu turno, condensa a redação da Resolução n. 118, mantendo, porém, sua estrutura. Segundo o novel art. 190, CPC:

Art. 190.  Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único.  De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Em suma, é possível celebrar negócio jurídico processual todas as vezes que as partes sejam (i) capazes e o direito admita (ii) autocomposição. Sobre a possibilidade de autocomposição, a doutrina se apressa em esclarecer que ela não se confunde com a indisponibilidade do direito.[1] Isso porque é possível celebrar negócios jurídicos envolvendo direitos indisponíveis, como ocorre em causas envolvendo direitos fazendários e, em regra, com os interesses difusos e coletivos, nos compromissos de ajustamento de conduta. Nesses casos, ainda que não seja possível abrir mão do direito, é possível ajustar a forma (modo, tempo etc.) do cumprimento de uma obrigação ou cessação da conduta ilícita. Portanto, é plenamente possível realizar negócios jurídicos processuais sobre direitos indisponíveis, que admitam autocomposição. Nesse sentido, é o Enunciado Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) n. 135: “A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração do negócio jurídico processual”.

Direitos que não admitem autocomposição, por outro lado, são aqueles sobre os quais não se permite qualquer possibilidade de acordo como, por exemplo, os casos de jurisdição necessária (p. ex. anulação de casamento ou matéria penal não sujeita à transação). Nesses casos, não cabe negócio jurídico processual. Questão interessante é saber se a Medida Provisória n. 703/15 (18/12/15), que revogou o art. 17, §1º, da Lei de Improbidade, que proibia a transação, acordo ou conciliação naquelas ações (cuja vigência ainda é provisória), passou a possibilitar a autocomposição em matéria de improbidade administrativa. Caso a orientação jurisprudencial seja nesse sentido, não somente será permitida a realização de acordos envolvendo o direito material de improbidade, mas também sobre próprio processo (negócio jurídico processual), na medida em que esse direito passaria a ser passível de autocomposição.

Há previsão, ainda, de controle judicial da validade dos negócios jurídicos processuais, que não se confunde com homologação. Os negócios jurídicos processuais, nos termos do art. 200, CPC,[2] têm eficácia imediata. O controle judicial de validade dos negócios jurídicos processuais limita-se aos casos de: (i) nulidade, por não preenchimento dos requisitos previstos em lei ou por violação direta do núcleo duro do devido processo legal; (ii) inserção abusiva em contrato de adesão; ou (iii) manifesta situação de vulnerabilidade de uma das partes. Nos dois últimos casos, pode ser questionada a própria manifestação livre de vontade da parte, o que impede o reconhecimento de validade ao acordo.

Especificamente no que tange aos impactos diretos da cláusula geral de negócios jurídicos processuais para o Ministério Publico, para fins de sistematização, a análise será desmembrada entre as hipóteses em que o MP é fiscal da ordem jurídica e parte no processo civil.

Ministério Público como fiscal da ordem jurídica

A atuação do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica ocorrerá, salvo melhor juízo, por via da oitiva prévia à decisão do juiz sobre a validade dos negócios jurídicos processuais, nas hipóteses legais em que o órgão intervém, para fins de controle e verificação da regularidade do acordo, nos termos dos arts. 178 e 190, do CPC.

Em especial, há de se ressaltar a impossibilidade da realização de negócios jurídicos processuais quando uma das partes for incapaz, o que é justamente uma das hipóteses de intervenção do Parquet (art. 178. II, CPC). Nesses casos, sugere-se que a manifestação do membro do MP seja no sentido de sustentar a invalidade ao negócio jurídico processual por não preenchimento dos seus requisitos.

Da mesma forma, parece impossível, por violação à lei e ao devido processo legal, a celebração de negócios jurídicos processuais que prevejam a exclusão do Ministério Público nos casos em que sua participação é obrigatória. Sugere-se, também nesse caso, manifestação pela nulidade do acordo. Nesse sentido, é o Enunciado do Fórum Permanente dos Processualistas Civis (FPPC) n. 254: “É inválida a convenção para excluir a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica”.

Ministério Público como parte

Como parte, o membro do Ministério Público pode celebrar negócios jurídicos processuais em prol do interesse que defende, tanto em matéria de interesses individuais indisponíveis, quanto interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A cautela a ser observada, salvo melhor juízo, é o potencial das normas processuais impactarem a ampla defesa do direito material em jogo. Esse parece ser um reflexo importante da indisponibilidade do direito que em regra o MP defende e da sua qualidade de substituto processual da parte, não titular do direito (o MP, em regra, atua em nome próprio, mas na defesa de interesse alheio). Se a indisponibilidade não impede a realização de negócio jurídico processual, como visto acima, ela certamente limita o poder de barganha do Parquet, que não pode pactuar abrindo mão de prerrogativas processuais que de fato impliquem uma diminuição da capacidade de adequadamente defender um interesse que não lhe pertence.

É impossível prever os casos em que seria permitida ou não a celebração de negócios jurídicos processuais pelo Ministério Público, na medida em que limitações deverão advir da casuística e dependerão da análise das circunstâncias do caso concreto. A título de vetor, porém, sugerem-se as seguintes diretrizes:

  • (i) é possível celebrar todos os tipos acordos processuais que ampliem a defesa dos direitos tutelados pelo MP, tais como inversão de custas periciais e renúncia efeitos recursais pelo investigado;
  • (ii) é possível celebrar negócio jurídico sobre aspectos do direito processual que não prejudiquem o direito material, como a escolha entre foros concorrentes (isso pode ser até interessante sob a perspectiva estratégica);
  • (iii) não é possível celebrar negócios jurídicos processuais que afastem postulados de ordem pública inerentes o devido processo legal, como juiz natural, imparcialidade e motivação de decisões;
  • (iv) não é possível celebrar negócios jurídicos processuais se eles, de qualquer forma, implicarem prejuízo ao direito material tutelado, como inversão do ônus da prova contra o interesse transindividual ou renúncia a efeito suspensivo de recurso pelo MP.

No tocante especificamente aos negócios jurídicos processuais celebrados em casos envolvendo a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, é imperiosa a questão da necessidade ou não de homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público. O CSMP estuda o tema.

Por ora, sugere-se, por cautela, formalização dos negócios jurídicos processuais em termos de ajustamento de conduta e remessa ao Conselho Superior para homologação. Nos casos em que o negócio jurídico seja realizado em caráter preliminar e não implique arquivamento das investigações, a sugestão se funda na previsão do art. 112, da LOEMP, de que a eficácia dos acordos celebrados pelo MP depende de homologação do CSMP, previsão que, inclusive, que gerou a edição da Súmula 20, que parece aplicável ao caso.

Art. 112, LOEMP. O órgão do Ministério Público, nos inquéritos civis que tenha instaurado e desde que o fato esteja devidamente esclarecido, poderá formalizar, mediante termo nos autos, compromisso do responsável quanto ao cumprimento das obrigações necessárias à integral reparação do dano.

Parágrafo único - A eficácia do compromisso ficará condicionada à homologação da promoção de arquivamento do inquérito civil pelo Conselho Superior do Ministério Público.

SÚMULA n.º 20. “Quando o compromisso de ajustamento tiver a característica de ajuste preliminar, que não dispense o prosseguimento de diligências para uma solução definitiva, salientado pelo órgão do Ministério Público que o celebrou, o Conselho Superior homologará somente o compromisso, autorizando o prosseguimento das investigações.”

Caso a celebração no negócio jurídico processual, por outro lado, venha no bojo de termo de ajustamento definitivo, que leve ao arquivamento do inquérito civil, a necessidade de homologação decorre da própria Lei de Ação Civil Pública.

Art. 9º, § 3º, LACP A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.

As sugestões aqui propostas são iniciais e provisórias e, caso o Egrégio Conselho Superior do Ministério Público se posicione em sentido contrário ao aqui sugerido, a orientação poderá ser futuramente revista.

[pic 1]

[1] Segundo Antônio do Passo Cabral, “a indisponibilidade sobre o direito material não leva necessariamente à indisponibilidade sobre as situações jurídicas processuais, até porque a convenção processual pode reforçar a proteção que o ordenamento jurídico atribui aos bens com algum grau de indisponibilidade. Imaginemos numa demanda em que figure um incapaz, ou numa ação coletiva: caso o MP ou outro legitimado extraordinário firme convenção processual para fixar o foro competente que seja mais eficiente para a colheita da prova ou que importe em maior proximidade geográfica com a comunidade lesada; ou um acordo para ampliar os prazos que possui para praticar atos do processo; ou uma convenção que amplie os meios de prova, ou que facilitem o acesso à justiça do incapaz. Enfim, os exemplos são inúmeros e mostram que, mesmo em processos com alguma indisponibilidade, são possíveis”, (As convenções processuais e o termo de ajustamento de conduta, Godinho, Robson Renault e Costa, Susana Henriques da (coord.). Ministério Público: coleção repercussões do novo CPC, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 193).

[2] Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.

Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial.

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