O Banco do Réu O Direito de ir e Vir Para Preto e Pobre
Por: Luiz Enilson • 18/9/2021 • Artigo • 1.750 Palavras (7 Páginas) • 153 Visualizações
Em mais uma semana de péssimas noticias, acordamos no dia da consciência negra, esperando ver os famosos vídeos dos discursos do ator Morgan Freeman, mas acordamos com a notícia de que um homem negro foi morto em um dos pontos da rede de mercados Carrefour.
O direito de ir e vir foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 encontram-se acolhido no art. 5, XV, no qual menciona ser livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer indivíduo, nos termos da lei, permanecer ou sair dele com os seus bens.
Por outro lado, o negro, pelo que parece ainda não é uma pessoa, é um ser de uma subespécie ainda desconhecida originada para servi aos seres iluminados de veste branca e mancha vermelha. Quando sem serventia para uso devem ser jogados nas masmorras de concreto, como bem disse o ex Ministro da Justiça, Jose Eduardo Cardozo: “As cadeias brasileiras são medievais”.
E é assim que no fictício irônico, o racismo se estrutura no Brasil. É nesse aparente quadro de uma terra medieval que nunca se apaga, em um tempo que o conquistador precisava justificar seu domínio sobre o conquistado e que seu escravo não tinha nenhum traço sequer de humanidade.
E para ver um lugar onde isso fica muito mais explícito, basta realizar uma visita ao sistema prisional, você já fez essa visita? Deveria, pois é lá que jogamos os negros e é lá que o racismo fica mais evidente. É o que revela o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no dia 18/10/2020 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o fórum, dos 657,8 mil presos, 438,7 mil são negros (ou 66,7%). Os dados são referentes ao ano de 2019.
As políticas de encarceramento e aumento de pena se voltam, via de regra, contra a população negra e pobre. Entre os presos, 66,7% são pretos ou pardos. Os brancos, inversamente, são 58,04% dos presos.
Amanda Pimentel, pesquisadora associada do Fórum, lembra que, além das condições que levam ao fato de que a população negra possui mais pessoas presas do que os não negros, existe também o tratamento desigual dentro do sistema judiciário.
"As prisões dos negros acontecem em razão das condições sociais, não apenas das condições de pobreza, mas das dificuldades de acesso aos direitos e a vivência em territórios de vulnerabilidade, que fazem com que essas pessoas sejam mais cooptadas pelas organizações criminosas e o mundo do crime. Mas essas pessoas também são tratadas diferencialmente dentro do sistema de justiça. Réus negros sempre dependem mais de órgãos como a Defensoria Pública, sempre têm números muito menores de testemunhas. Já os brancos não dependem tanto da Defensoria, conseguem apresentar mais advogados, têm mais testemunhas. É um tratamento diferencial no sistema de justiça. Os réus negros têm muito menos condições que os réus brancos"
A origem da pobreza e da desigualdade dentro do urbanismo vem desde a libertação dos escravos com a lei Áurea e nenhuma política pública de inserir essas pessoas na sociedade. E é sobre esta questão que foi feita em 1964, pelo sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995). Em um livro clássico, chamado A integração do negro na sociedade de classes, ele foi ao centro do problema:
“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (...) Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”.
A abolição não foi apenas uma demanda por maior justiça social, mas uma necessidade de inserção do Brasil na economia mundial. Os ex-escravos, além de serem discriminados pela cor, se somaram à uma população mais pobre e formou um grupo de marginalizados pela sociedade sem renda nenhuma, vendendo sua força por um prato de comida e com suas crianças jogadas nas ruas onde a violência só crescia.
E Escrevendo sobre esse período, Lima Barreto (1881-1922) ressalta que:
“Nunca houve anos no Brasil em que os pretos (...) fossem mais postos à margem”
E como em terras tupiniquins sempre foi mais fácil criminalizar do que resolver nossos problemas (sempre em nome da moral e dos bons costumes, é claro). Exemplos bastam para nos remeter às ordenações filipinas encontradas no título LXVIII, “Dos Vadios”. Já no Código Criminal do Império de 1830, o Capítulo IV tratava dos “vadios e mendigos” e o artigo 295 previa pena de “prisão com trabalho por oito a vinte e quatro dias” quando “não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta e útil de que possa subsistir, depois de advertida pelo juiz de paz, não tendo renda suficiente”
Já dá para ter uma nota de que miséria, pobreza e desigualdade racial se resolviam através do código penal. A criminalização de condutas como vadiagem, mendicância, embriaguez e da prática da capoeira, visava perseguir as camadas mais pobres, em uma prática de higienização social. Apagar os pobres e pretos era, e sempre foi o objetivo.
A Lei de Contravencoes Penais carrega todo o preconceito da nossa sociedade, assim como o ódio aos pobres, a intolerância com certas formas de expressão cultural, o racismo e etc. Está tudo evidente. Repetindo a expressão de Maíra Zapater, “polícia fiscal da moral e dos bons costumes”: é só olhar e ver.
“Delegado chico palha
Sem alma, sem coração
Não quer samba nem curimba
Na sua jurisdição
Ele não prendia
Só batia
Era um homem muito forte
Com um gênio violento
Acabava a festa a pau
Ainda quebrava os instrumentos
Ele não prendia
Só batia
Os malandros da portela
Da serrinha
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