O COMENTÁRIO JURÍDICO ACERCA DA DECISÃO DA TERCEIRA TURMA DO TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL
Por: AninhaBaptistela • 4/11/2020 • Resenha • 1.431 Palavras (6 Páginas) • 245 Visualizações
COMENTÁRIO JURÍDICO
COMENTÁRIO JURÍDICO ACERCA DA DECISÃO DA TERCEIRA TURMA DO TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL 1617501
Depois de anos de aguçadas discussões sobre o assunto, surge em 1988 na CF, no Art. 226, § 3º o reconhecimento da união estável como entidade familiar. Entretanto, o texto do mencionado artigo, não equiparou a união estável ao casamento, apenas reconheceu aquela como entidade familiar e, inclusive, ao estabelecer que a lei deva facilitar sua conversão em casamento, abrindo precedentes da provável preferência do legislador pelo instituto casamento, gera discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto.
Neste contexto, nos deparamos com o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que apresenta seu posicionamento no sentido de que os institutos da união estável e do casamento deveriam receber um tratamento dissemelhante, assim, no tocante aos bens adquiridos durante a união estável, à companheira caberia auferir quinhão hereditário semelhante ao dos filhos unilaterais do falecido e ao do filho comum. Destarte, foi interposto recurso pelo órgão do Ministério Público do Rio Grande do Sul em oposição ao acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para o Ministério Público, à companheira, concorrente com os filhos unilaterais do falecido e com o filho comum, deveria ser empregada a regra disposta no artigo 1.790 do Código Civil, em seu inciso II, pois sob a ótica do ilustre órgão, não se pode garantir à companheira uma cota maior em detrimento dos filhos do falecido, pois à esta existe a proteção da meação sobre os bens adquiridos onerosamente durante a união.
Foi alegado ainda, pelo órgão do Ministério Público, a violação ao artigo 544 do Código Civil, devido uma doação de imóvel que o falecido realizou à sua companheira no ano de 1980, durante a vigência da união estável. E, sob a perspectiva do mencionado órgão, tal bem integraria o patrimônio comum dos companheiros, pois foi adquirido durante a constância da união.
Considerando a relação de concorrência sucessória estabelecida entre a companheira e os filhos comuns e unilaterais, quanto a quota parte que fará direito a primeira, importa analisarmos a interpretação dispensada ao artigo 1.832 do Código Civil, a favor do cônjuge sobrevivo, de acordo com a qual ele concorre com os descendentes, tendo direito a quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.
Nesse ínterim, a equiparação entre o cônjuge e companheiro deu início a discussão sobre a reserva do 1/4 (um quarto) no que tange a concorrência do cônjuge com os filhos do autor da herança, previsto no artigo supracitado, pois, após a declaração de inconstitucionalidade da diferenciação dos institutos, todo o sistema sucessório deverá passar a ser interpretado de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil que trouxe em seu bojo a igualdade familiar.
Os questionamentos, levados aos Tribunais, abordaram a possibilidade da reserva da cota do companheiro não inferior a quarta parte da herança, no caso de haver concorrência com filhos comuns e exclusivos, assim denominado “filiação híbrida”, quanto aos seus bens particulares.
Sob a ótica de alguns entendidos do direito, é impossível se falar em reserva do companheiro, quando a concorrência é estabelecida entre este e os descendentes apenas do falecido (filiação unilateral), ou ainda, quando há filhos comuns ao casal. Todavia, é certo que, a parcial reforma do acórdão recorrido, discernindo-se que a companheira apenas concorrerá com os demais herdeiros (filho comum e filhos unilaterais) em relação aos bens particulares do falecido, adquirindo cada um, companheira e filhos, quinhão semelhante.
A análise feita pelo STJ da decisão recorrida do TJ, sobre o reconhecimento de que a companheira sobrevivente apresentaria direito semelhante ao quinhão dos filhos do falecido, comuns e unilaterais, relativos aos bens adquiridos durante a união estável, chegou à conclusão de que a companheira sobrevivente concorrerá com os descendentes do autor da herança apenas quando este tiver deixado bens particulares, pois foi fixado entendimento pela Segunda seção do STJ, no julgamento do REsp 1.368.121, no qual foi elucidado que o artigo 1.829, I, do Código Civil diz que o cônjuge supérstite, casado no regime de comunhão parcial de bens, só concorrerá com os herdeiros do autor da herança nos bens particulares deixados pelo de cujos, e somente nestes e, deste modo, sendo reconhecida a aplicabilidade do artigo 1.829 aos companheiros, há de se reconhecer também a aplicabilidade de todas as demais normas sucessórias do casamento ao instituto da união estável.
Sendo assim, no que se refere à reserva de ¼ da herança ao companheiro, a interpretação mais adequada, de acordo com o Enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil, ao disposto no artigo 1.832 do código civil, é a de que seja reservado ¼ da herança à hipótese em que o cônjuge concorre com filhos comuns do casal e com os filhos exclusivos do cônjuge que faleceu. Assim, se o cônjuge supérstite concorrer com um filho, herdará metade, com dois filhos, herdará 1/3; com quatro filhos, ¼ da herança, cabendo aos demais sucessores dividir o restante. No caso de filiação híbrida, na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente.
Nessa linha de raciocino, o cônjuge aufere mais quando concorre com descendência comum e pode obter menos quando concorrer com a descendência híbrida ou exclusiva
Sobre a distinção de cônjuge e companheiro nos regimes sucessórios do casamento e da união estável, respectivamente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu haver uma ótica discriminatória quando julgado o RE 878.694, sendo desta feita, então declarado o artigo 1.790 do Código Civil como inconstitucional, não sendo compatível com os princípios constitucionais que ventilam a igualdade entre cônjuges e companheiros, além de violar outros três princípios constitucionais, (i) o da dignidade da pessoa humana, (ii) o da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e (iii) o da vedação ao retrocesso.
Finalmente, a Corte Suprema, por maioria dos votos, aprovou a tese que considera que “no sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”.
Ante o exposto, ainda que o Código Civil discipline de forma desigual a sucessão dos cônjuges e dos companheiros, alguns dispositivos devem ser aplicados com certa razoabilidade pela jurisprudência, sendo assim, o presente trabalho entende ser acertada a decisão da colenda turma do STJ no julgamento do REsp 1617501 no tocante à aplicação do artigo 1.829 inciso I do Código Civil à união estável, bem como, a interpretação do artigo 1.832 alcançar o companheiro supérstite também, assim como ser legítima a prosperação do entendimento firmado pelo respeitável acórdão, já que fora declarado por inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, isto é, as regras de direito sucessório aos companheiros dissemelhante aos cônjuges, não há de se prosperar entendimentos diversos, quais sejam, os que se fundarem na aplicabilidade do supracitado, portanto conferindo à companheira o mesmo regime aplicado ao cônjuge.
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