O JULGAMENTO DO SÉCULO
Por: Marcello Albuquerque • 31/8/2015 • Relatório de pesquisa • 3.623 Palavras (15 Páginas) • 598 Visualizações
O.J. SIMPSON:
O JULGAMENTO DO SÉCULO
© Ilídio Martins/Luso-Americano
Novembro de 1994
Apesar da procissão ainda ir no adro, o processo que envolve a ex-vedeta do futebol norte-americano O.J.Simpson, acusado de ter assassinado a sua ex-esposa Nicole Simpson e o seu amigo Ronald Goldman, em Junho passado, é já considerado por muitos como o julgamento do século. Não propriamente devido à forma brutal como o crime foi cometido, evidentemente, mas porque os personagens nele envolvidos oferecem garantias de sucesso mediático de tal ordem que a imprensa não se pode dar ao luxo de as desprezar.Graças aos directos televisivos quase diários e às toneladas de papel que a imprensa escrita põe a circular diariamente — cumprindo a sua função de informar mas nem sempre despida de outros objectivos menos nobres —, o julgamento de O.J.Simpson, cuja primeira fase de selecção do júri que julgará a prova mais dura da sua carreira terminou na quinta-feira passada, quebrou já a rotineira indiferença que os americanos devotam geralmente a estes casos, habituados que estão a encarar este tipo de situações como acontecimentos que conquistaram há muito o estatuto de triviais no quotidiano das grandes cidades. O julgamento do ex-futebolista americano tem sido, por isso, seguido com mais ou menos atenção por quase toda a gente, razão pela qual se justifica um resumo de toda a história e seus últimos desenvolvimentos.
Um crime brutal
Tudo começou por volta da meia-noite do dia 12 de Junho, quando os vizinhos da ex-esposa de O.J.Simpson, Shukru Boztepe e Bettina Rasmussen, encontraram os cadáveres de Nicole Brown Simpson, de 35 anos, e do seu amigo Ronald Goldman, de 25. Nicole Simpson, em vestido de noite, encontrava-se numa poça de sangue com o pescoço cortado, e o aspirante de modelo Ronald Goldman permanecia perto e descalço com 22 facadas. Segundo a tese da acusação, o duplo homicídio, cometido mesmo em frente a uma das portas da mansão de Nicole Simpson, situada em Brentwood, Los Angeles, deverá ter ocorrido entre as 10:15 pm e as 11:00 pm, e foi de uma forma tão brutal que levou um dos primeiros polícias a inspeccionar o local — praticamente um veterano neste tipo de crimes — a comentar: "foi o crime mais sangrento que alguma vez vi".
Simpson viaja para Chicago
Nas horas que se seguiram ao duplo homicídio ninguém lhe passou pela cabeça que O.J.Simpson pudesse vir a transformar-se pouco tempo depois no primeiro e único suspeito. Simpson, uma antiga "estrela" do futebol norte-americano e na altura comentador da modalidade na cadeia de televisão NBC, voou para Chicago na noite do crime, às 11:45 pm, e teve por companheiro de voo o fotógrafo Howard Bingham. Segundo Bingham, que ficou estarrecido quando teve conhecimento do caso, conversaram sobre golfe praticamente durante toda a viagem, e disse não se ter apercebido de "nada de anormal". Comportamento normal foi também o que acharam os empregados do O'Hara Plaza Hotel, onde Simpson "chegou cansado mas bem disposto" Segundo estes, O.J.Simpson dispensou-lhes mesmo alguns minutos, contou algumas piadas e deu autógrafos antes de subir para a suíte 915. Horas mais tarde, após ter sido avisado pela polícia do sucedido, Simpson estava de regresso a casa. Uma vez chegado a Los Angeles, o ex-fu-tebolista dispendeu cerca de três horas com a polícia, que o descreveu então como uma possível testemunha e nunca como suspeito.
Polícia fecha o cerco
Menos de uma semana depois do duplo assassinato, e com O.J.Simpson a apresentar sinais visíveis de desânimo e abatimento, a situação começou a complicar-se. O minucioso exame efectuado pela polícia começava a dar os primeiros sinais de que O.J.Simpson podia vir a ser preso a qualquer momento, sob a acusação de homicídio de primeiro grau, que na Califórnia é punido com a pena de morte. Perante a eminência da prisão, o advogado de Simpson, o carismático Robert Shapiro, começou imediatamente a formar uma equipa para defender o seu cliente. Shapiro começou por reunir especialistas em medicina legal — para analisarem cada evidência — , por contratar um médico de clínica geral — para vigiar a saúde do seu cliente — e um psiquiatra — para acompanhar a dependente depressão em que O.J.Simpson se encontrava. A ordem de prisão veio cinco dias depois dos assassinatos, e foi imediatamente comunicada pelo comandante do departamento de polícia de Los Angeles ao advogado de Simpson. O comandante da polícia comunicou a Robert Shapiro que os testes científicos efectuados ao material recolhido durante as buscas policias continham evidências mais do que suficientes para incriminar o ex-futebolista, pelo que este devia entregar-se imediatamente às autoridades. Após negociações entre o advogado e o comandante da polícia, Shapiro concordou que o seu cliente se entregaria às 11 da manhã daquele mesmo dia (sexta-feira), impondo como condição que Simpson fosse, antes de se entregar, observado pelos médicos, pois receava que este se pudesse suicidar. Mas Simpson estava disposto a passar por cima deste acordo. Quando o comandante do departamento de polícia de Los Angeles se apresentou na casa do ex-futebolista para consumar a sua prisão, bateu com o nariz na porta. Simpson tinha falhado o compromisso e era agora um fugitivo. Estava, portanto, aberta a caçada.
Suspense e emoção
Três horas após Simpson ter falhado o compromisso, o advogado Robert Shapiro apareceu finalmente frente às câmaras de televisão a quebrar o suspense de tão empolgante caso, que estava a ser seguido por todo país através da imprensa, nomeadamente da televisão. Afinal, disse Shapiro, o seu cliente não se encontrava na sua mansão mas na casa do seu velho amigo Robert Kardashian, no Vale de São Fernando. Shapiro garantiu uma vez mais que O.J.Simpson estava pronto para se entregar à polícia, e esta dirigiu-se imediatamente para o novo local. O resultado é conhecido: a polícia bateu uma vez mais com o nariz na porta. E ficou furiosa. Entretanto, logo após as declarações de Robert Shapiro, Robert Kardashian aumentou ainda mais o suspense à volta do caso, ao ler, frente às câmaras de televisão, uma carta que Simpson terá escrito para a posteridade e que soava como uma espécie de nota de suicídio. Simpson reclamou o seu amor por Nicole, a sua inocência no crime e denunciou os "erros" da imprensa: "Não posso acreditar no que estão a dizer", escreveu. A carta terminava com uma espécie de último adeus: "Não tenham pena de mim, tenho tido uma vida excelente e bons amigos. Por favor, pensem apenas no real Simpson e não nesta pessoa perdida". À mesma hora que tudo isto se desenrolava, o ex-futebolista estava demasiado ocupado a tratar de alguns assuntos que queria deixar resolvidos antes de levar por diante os seus intentos. Primeiro telefonou ao advogado de família e ditou uma alteração ao testamento. Depois escreveu três cartas — aos seus filhos, à sua mãe e "a quem possa interessar".
A caçada
A polícia começou a receber sinais do paradeiro de Simpson às 7:15 da noite. Tom Langue, um dos detectives que esteve na dianteira da investigação policial, conseguiu localizar pelo telefone o ex-futebolista no Ford Bronco do seu amigo Al Cowllings, que circulava a baixa velocidade numa auto-estrada da região e pouco depois estava a ser seguido por todo país através da televisão. A partir daí, seguiu-se uma cena bem característica dos filmes policiais, com o requinte de se tratar de um caso real e envolver uma figura conhecida nacionalmente. Após negociações em que intervieram vários amigos da ex-estrela da NFL — que lhe pediram para desistir dos seus intentos —, a captura de Simpson acabou por consumar-se à entrada da sua residência.
Mais de 100 evidências
O.J.Simpson, de 47 anos, actualmente numa cadeia de alta segurança de Los Angeles, é acusado de ter assassinado a sangue frio a sua ex-esposa Nicole Brown Simpson e o seu amigo Ronald Goldman na noite de 12 de Junho passado, e argumenta que está inocente. A equipa de acusação, liderada pela promotora de Justiça do condado de Los Angeles Marcia Clark, tem na sua posse 234 objectos recolhidos do património dos Simpson, mais de 100 dos quais vão ser usados em juízo para tentar provar que Simpson foi o autor do duplo homicídio. Apesar da defesa se ter batido durante as audiências preliminares no sentido de serem suprimidas a grande maioria das evidências — alegando que resultaram de buscas policiais não autorizadas ou autorizadas sob falsas declarações —, o juiz do Supremo Tribunal Lance Ito, que concordou com as irregularidades policiais, aceitou suprimir apenas três objectos: cópias de documentos enviados a Simpson por um advogado, um bloco de notas que contém números de telefone e uma cassete de vídeo com um documentário sobre os dias de glória do ex-futebolista.
Das principais evidências a apresentar em juizo pela Procuradoria de Justiça do Condado de Los Angeles, que se bate pela tese de um só assassino, destacam-se a alegada arma do crime (uma faca de 15 inchas) e gotas de sangue recolhidas no local do crime, no Ford Bronco, no vestíbulo e na casa de banho da mansão de Simpson (cujo teste DNA provou tratar-se de sangue com as mesmas características do de Simpson), e ainda pisadas, cabelos semelhantes aos do acusado, um boné de malha e um par de luvas ensanguentadas (que o teste DNA provou tratar-se também de sangue com as mesmas características do de Simpson).
A acusação, de cuja equipa fazem ainda parte o co-promotor de Justiça William Hodgman e o procurador de Justiça do condado de Los Angeles Gil Garcetti, poderá usar ainda como evidências importantes uma nota enviada por Nicole ao ex-marido — em que manifesta o seu desejo de, a partir daquele momento, os contactos entre ambos passarem a ser efectuados por uma terceira pessoa — e registos de chamadas telefónicas de Nicole para o 911 após violentas discussões com O.J.
Objecto importante que poderá também ser apresentado como evidência do crime será uma cassete de vídeo com extractos de "Frogmen", um filme que se encontrava em fase de rodagem e do qual O.J.Simpson fazia parte como actor. A acusação está convencida de que este filme terá sido fundamental na planificação do crime, uma vez que Simpson toma parte numa cena em que usa uma faca.
Defesa contra-ataca
Por seu lado, a defesa prepara-se para usar provavelmente a sua arma mais poderosa para levar por diante a sua missão de inocentar o ex-futebolista, invocando a Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos para tentar suprimir as evidências encontradas aquando das buscas efectuadas pela polícia alegadamente sem autorização judicial — ou alegadamente obtida sob falsas declarações. A Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos diz nomeadamente que "a polícia é obrigada a mostrar a provável causa que levou ao cometimento do crime para obter autorização legal para iniciar as buscas".
Independentemente desta tese, que por ser uma questão sensível ao povo americano pode ter consequências imprevisíveis, a defesa, liderada por Robert Shapiro e constituída ainda pelos advogados Alan Dershowitz, Johnnie Cochran Jr. e F.Lee Bailey, prepara-se para atacar evidência por evidência. Em primeiro lugar, argumenta ser improvável que uma pessoa agindo sozinha possa ter morto a sua ex-mulher e o amigo. "A teoria de apenas um assassino é altamente improvável, devido à natureza das lesões infligidas e à posição dos corpos das vítimas" — defende Shapiro. Para reforçar esta tese, a defesa apoia-se ainda no resultado da autópsia efectuada aos cadáveres pelo médico Irwin Golden, e nas declarações por este prestadas de que poderiam terem sido usadas duas facas.
Sobre o sangue encontrado no local do crime, na mansão de Simpson e no Ford Bronco do ex-futebolista — que constitui a arma mais preciosa da acusação —, a defesa vai atacar em várias frentes. Em primeiro lugar, vai explorar a seu favor o facto do até então inquestionável teste DNA — um sofisticadíssimo teste laboratorial usado, neste caso, para determinar as características do sangue das vítimas e do suspeito — dividir hoje os tribunais da Califórnia quanto à sua admissão ou não como prova em julgamento e não merecer consenso na comunidade científica quanto ao seu grau de falibilidade. A defesa argumenta ainda que o sangue encontrado no local do crime — que tem as mesmas características do de Simpson — pode ser já antigo e não ter, por isso, qualquer relação. Nada a ver com o crime não tem também o sangue encontrado na mansão e no Ford Bronco de Simpson, segundo os advogados de defesa, que explicam o primeiro caso como "actividades inocentes" e o segundo como resultante de um corte nos dedos.
As evidências de sangue recolhidas pelos investigadores no local do crime vão ser ainda alvo de uma outra tentativa de desvalorização, alegando a defesa que foram recolhidos por "uma criminalista novata", que os métodos utilizados estão cheios de erros e que os resultados do testes efectuados mostram que o sangue tem as mesmas características que o sangue de milhares de pessoas. Além disso, acrescentam, a inexperiência dos técnicos do laboratório da polícia "pode ter contaminado" o sangue recolhido no local do crime e na casa de Simpson, ou pura e simplesmente terem sido forjadas as evidências enviadas para análise laboratorial.
Sobre esta última hipótese, a defesa chegou a pedir autorização judicial para ter acesso aos ficheiros pessoais e militares dos quatro detectives que investigaram o caso no dia do crime, pedido que o juiz recusou. O alvo principal da defesa era o detective Mark Fuhrman, que encontrou a luva ensanguentada nas traseiras da casa de Simpson e se tornou, por isso, numa testemunha-chave em todo o processo. A defesa pretendia, com o acesso aos ficheiros, procurar sinais de racismo na actuação de Mark Fuhrman, uma vez que este é branco e poderia, por essa razão, ter forjado a evidência.
Ainda respeitante às principais evidências a serem exibidas pela acusação, Robert Shapiro afirmou já que os cabelos encontrados no local do crime têm as mesmas características que as de milhares de afro-americanos, e que as pegadas também encontradas no local do crime não são de Simpson mas do verdadeiro assassino.
Quanto ao paradeiro de Simpson na hora do crime — que a polícia calcula ter sido cometido entre as 10:15 pm e as 11:00 pm —, o ex-futebolista argumenta que se encontrava em casa a dormir, mas o motorista da "limousine" que o conduziu ao aeroporto nessa mesma noite contou à polícia uma versão que põe em causa o alibi. A versão de Allan Park coloca O.J.Simpson fora da sua mansão de Brentwood precisamente à mesma hora em que os promotores pensam ter ocorrido o assassinato, uma vez que este diz ter chegado a casa de Simpson às 10:25 pm e afirma que o ex-futebolista não respondeu quer aos toques de campaínha quer às chamadas telefónicas que efectuou na tentativa de informar Simpson da sua presença. Por volta das 11:00, acrescentou o motorista, viu um vulto com cerca de seis pés de altura entrar na casa de Simpson e pouco depois este atendeu o telefone.
A tese de O.J. pode, portanto, ruír pela base, tanto mais que há quem garanta que a acusação está na posse do registo das chamadas telefónicas efectuadas por Simpson na noite do crime que por si só é suficiente para deitar por terra a tese de que o ex-futebolista se encontrava a dormir.
Filhos de Simpson poderão depor
Quanto às testemunhas que poderão ser ouvidas em juízo, a acusação deixou transparecer nos últimos dias que os filhos do casal — Sydney, de 9 anos, e Justin, de 6 — e do primeiro casamento de Simpson, Arnelle Simpson, poderão ser chamados a depor. Para além dos depoimentos dos filhos, que constituirão certamente um dos momentos mais dramáticos deste julgamento, deverão ser chamados a depor em juízo Judith Brown, mãe da vítima, e os amigos de Simpson Al Cowllings e Robert Kardashi-an. Os detectives Mark Fuhrman e Philip Vannater, que fizeram as buscas à casa de Simpson, e o chefe do laboratório de análises sanguíneas Gregory Matheson, são testemunhas já confirmadas no julgamento. Outras testemunhas prováveis serão o motorista que conduziu o ex-futebolista ao aeroporto na noite do crime, Allan Park, Brian Kaelin, que vivia na casa de Simpson reservada aos convidados, Allen Wattenberg e Jose Camargo, respectivamente co-proprietário e empregado da loja que vendeu a suposta arma do crime, e os vizinhos Shukru Boz-tepe e Bettina Rasmussen, que encontraram os cadáveres.
Testemunhas misteriosas
Embora nada de concreto tenha vindo a público, fontes da defesa revelaram que esta se prepara para apresentar um alibi suportado por testemunhas que dá conta, minuto a minuto, do paradeiro de Simpson na noite do crime. As mesmas fontes adiantaram que a segunda parte desta estratégia será suportada pela tese de que pelo menos dois outros indivíduos — de que se espera os nomes em juízo — podem ter cometido o duplo assassinato.
Frank Chiuchiolo e John Du-ton são outras testemunhas que poderão depor em defesa de Simpson, embora os seus perfis em nada contribuam para valorizar o eventual peso dos seus depoimentos. Frank Chiuchiolo, um vagabundo de 45 anos, afirmou ter escutado uma mulher a gritar e ter visto dois homens brancos a abandonar o local do crime precisamente à mesma hora em que ocorreram os homicídios. Por seu lado, John Duton, de 32 anos, que possui registo criminal por falsificação, afirma que corre perigo de vida se resolver contar o que sabe. Duton foi mandado para a cadeia por um juiz, em 7 de Setembro, e posteriormente libertado. Segundo o advogado de Duton, Robert Rentzer, que chegou a ameaçar levar o caso do encarceramento para o Supremo Tribunal, o seu cliente manifestou-se disposto a permanecer encarcerado o tempo que fosse necessário para salvar a sua vida. Embora se tenha recusado a revelar de que é que o seu cliente tinha medo, Rentzer adiantou que John Duton forneceu "preciosa informação" à Justiça, recusando-se apenas a revelar os nomes mesmo em troca da promessa de anonimato.
Por seu lado, a acusação poderá fazer avançar ainda uma testemunha que afirma ter visto O.J.Simpson a conduzir enfurecido o seu Ford Bronco com as luzes apagadas perto da casa da sua ex-esposa à mesma hora que se deu a matança. Contudo, segundo fontes ligadas ao processo, a acusação ter-se-á desinteressado do depoimento de Jill Shively após esta ter decidido vender a sua história aos produtores do programa de televisão 'Hard Copy', por cinco mil dólares, ou porque a versão de Shively colocava Simpson fora do local do crime à hora em que as autoridades defendem ter ocorrido o duplo assassinato (entre as 10:15 e as 11:00 pm).
Pena sem morte
Se o desfecho do caso que envolve a ex-vedeta do futebol norte-americano permanece uma incógnita, certo já é que, caso seja considerado culpado, O.J.Simpson não será condenado à pena de morte. A decisão foi tomada em 9 de Setembro pelo gabinete do procurador de Justiça do Condado de Los Angeles, e, como seria de esperar, levantou enorme polémica. Segundo observadores, esta decisão de não aplicar a pena capital prevista na legislação californiana ter-se-á devido ao facto de Simpson não possuir antecedentes criminais e porque raramente a Justiça daquele estado executa pessoas por terem matado as esposas. Seja qual for o motivo que esteve na origem da decisão, a verdade é que foram vários os analistas que manifestaram à imprensa o seu desagrado, afirmando, nomeadamente, que a decisão pode subtilmente afectar futuros casos de pena de morte e dar a ideia de que a pena capital não foi aplicada porque o acusado é uma figura pública. Outro aspecto que rodeou esta tomada de decisão por parte das autoridades de Los Angeles foi a posição de vários grupos femininos, que pressionaram fortemente no sentido de ser aplicada a pena capital.
O júri da discórdia
A primeira fase de constituição do júri que vai decidir o destino de O.J.Simpson terminou quinta-feira passada com a escolha de doze jurados, seguindo-se agora a escolha de mais quinze suplentes. A escolha dos doze jurados, que começou em 26 de Setembro e que partiu de uma convocatória inicial de mil potenciais candidatos — que foram passando por sucessivas fases eliminatórias —, não foi, como se calcula, tarefa pacífica, uma vez que quer a acusação quer a defesa puseram sistemática e constantemente em causa o perfil dos candidatos sugeridos pela outra parte e que preenchiam, cada um pelas suas razões, os requisitos necessários para um juízo imparcial. Este processo arrastou-se, por isso, durante cerca de cinco semanas, durante as quais os potenciais jurados foram obrigados a responder a inúmeros questionários, prevendo-se agora que a escolha dos jurados suplentes esteja finalmente concluída no final deste mês.
O júri, escolhido por consenso entre a acusação e a defesa e que vai ficar "sequestrado" num hotel durante todo o tempo que durar o julgamento (o juíz pondera mesmo a hipótese de o manter praticamente incomunicável, ou seja, sem telefone, televisão, rádio e jornais), é constituído por oito afro-americanos, dois hispanos, um branco e uma pessoa que se identificou a si próprio como metade branco e metade índio americano. Oito dos doze jurados são mulheres, e as idades vão desde os 22 aos 52 anos. A constituição deste júri transformou-se, ainda antes de começar, em alvo de enorme controvérsia, nomeadamente devido à questão racial, quebrando o que normalmente constitui uma tarefa rotineira. De facto, a defesa nunca escondeu, desde o início do processo, a sua intenção de afastar as mulheres e os brancos do júri, por razões óbvias, e usou todos os meios ao seu alcance para o conseguir. Para já, numa observação superficial aos doze elementos escolhidos ressalta que a defesa alcançou uma parte considerável das suas intenções, muito embora tenha perdido terreno para as mulheres, que constituem dois terços dos jurados. Quase cinco meses após os assassinatos de Nicole Simpson e Ronald Goldman, resta agora encontrar os quinze jurados suplentes para começar o julgamento propriamente dito. Se tudo correr conforme as previsões dos mais optimistas, tudo estará terminado em finais de Dezembro, altura em que os nomes dos intervenientes passarão à história do que é já considerado o julgamento do século.
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