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Para Além Do Pensamento Abissal

Por:   •  7/7/2021  •  Resenha  •  570 Palavras (3 Páginas)  •  826 Visualizações

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Resenha do artigo: Para Além Do Pensamento Abissal - Das linhas globais a uma ecologia de saberes. Boaventura de Sousa Santos

O primeiro ponto a destacar e quiçá o que poderia alçar uma inquietação no leitor é que o autor que disserta sobre as questões estruturais do pensamento abissal, da tensão entre regulação e emancipação, da invisibilidade dos saberes coloniais, é português. Não se está aqui querendo deslegitimar os dizeres do autor, mas de fato, causa uma ironia. Talvez somente instigue mais ainda ou por fim, nos faça perceber que, por mais que haja um intento de desfocar do olhar do colonizador, as raízes ainda existirão. É como dizer, nenhum homem é neutro ou completamente imparcial. Faz parte do ser humano.

O pensamento moderno é marcado pela dualidade, pelo sim ou não, certo e o errado, que culmina na dificuldade do questionamento sobre o existir das coisas. O texto reflete bem esta forma de viver, logo no início quando marca: “É inimaginável aplicar-lhes não só a distinção científica entre verdadeiro e falso, mas também as verdades inverificáveis da filosofia e da teologia, que constituem o outro conhecimento aceitável deste lado da linha.” E é aí que o autor concede a sua maior contribuição: Além de existir essa faceta, onde há a legitimação e validação do conhecimento científico, e onde há a permissão de existência das teologias e filosofias, constituindo assim o verdadeiro e o falso, há a invisibilidade dos demais saberes, isto é, os demais saberes são abissais, não chegam sequer ao plano da existência, são irreais, não são saberes:

A mesma cartografia abissal é constitutiva do conhecimento moderno. Mais uma vez, a zona colonial é por excelência o universo das crenças e dos comportamentos incompreensíveis, que de forma alguma podem ser considerados como conhecimento e por isso estão para além do verdadeiro e do falso.

Tanto assim permaneceu que a frase: “Não há pecados ao sul do Equador toma a dimensão de verdade, o sul do Equador é a terra de ninguém, a total invisibilidade do ser. E, segundo o autor, assim se mantém porque “não há humanidade moderna sem subumanidade moderna.  O saber do ser abissal não pode corromper o pensamento dualista criado para manter o falso equilíbrio entre os dois pesos.

Alguns pontos merecem destaque na narrativa. O ditado “regresso do colonizador”, advindo das práticas de privatização dos serviços públicos, a ascensão do facismo social[1], a lógica mercadológica por detrás das soft laws, as transformações do pensamento abissal para o pensamento abissal moderno como um laço até mais forte, pois que, ideológico.

[...] o pensamento abissal moderno, que deste lado da linha era chamado a regular as relações entre cidadãos e entre estes e o Estado, é agora chamado, nos domínios sociais sujeitos a uma maior pressão por parte da lógica da apropriação/violência, a lidar com os cidadãos como se fossem não-cidadãos e com os não-cidadãos como se fossem perigosos selvagens coloniais.

Ante toda a angústia que o panorama apresentado pelo autor oferece, Boaventura propõe – como todo bom problematizador deve fazer, propor soluções – a construção epistemológica dos saber, a conjunção dos saberes com o seu reconhecimento, validação e existência, culminando numa espécie de comunhão e solidariedade entre os mundos.

Muito bonito.

Pouco prático.

Mas – e agora com a permissão de discursar em primeira pessoa – tenho alguma outra resposta? Não.


[1] “Creio que talvez estejamos entrando num período em que as sociedades são politicamente democráticas e socialmente fascistas.” (BOAVENTURA, 2007,81).

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