Por Uma leitura do artigo 51, I, da Lei 9099/95 à luz da Constituição Federal
Por: Rafael Canto • 5/8/2018 • Artigo • 4.023 Palavras (17 Páginas) • 302 Visualizações
POR UMA LEITURA DO ARTIGO 51, I, DA LEI 9.099/95 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Rafael Silva Canto da Rocha*
RESUMO: O presente estudo propõe-se a analisar o artigo 51, I, da Lei n.º 9.099/95 à luz da Constituição Federal de 1988, especialmente no que diz respeito aos princípios constitucionais norteadores do Direito Processual Civil. Objetiva-se, pois, entender de se o referido dispositivo legal encontra suporte na atual ordem jurídico-constitucional pátria, tendo como premissa as contemporâneas noções de efetividade da tutela jurisdicional, instrumentalidade do processo e acesso real e efetivo à justiça. Desse modo, o entendimento do papel da atividade jurisdicional no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, sob o enfoque da normativa constitucional, é a finalidade deste artigo.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Instrumentalidade processual. Tutela Jurisdicional. Efetividade. Juizados Especiais Cíveis.
ABSTRACT: This study aims to analyze the article 51, I, of Law n.º 9.099/95 from the perspective of the Federal Constitution of 1988, especially in what refers to the constitutional principles guiding of Civil Procedure Law. The objective is, therefore, to understand if this legal device is supported in the current legal and constitutional order, taking as it premise the contemporary notions of effectiveness of judicial protection, instrumentality of process and real and effective access to justice. Thus, understanding the role of judicial activity under the Small Claims Courts, from the standpoint of constitutional rules, is the purpose of this article.
Keywords: Civil Procedural Law. Procedural instrumentality. Jurisdictional ward. Effectiveness. Small Claims Courts.
1. INTRODUÇÃO
A Lei n.º 9.099/95, a qual regula, dentre outros[1], o procedimento dos Juizados Especiais Cíveis em âmbito estadual, prevê, em seu art. 51, I, que a ausência da parte autora em qualquer das audiências do processo, no que se inclui a sessão de conciliação[2], dá ensejo à extinção do feito sem que haja resolução do mérito, isto é, sem que se tenha a efetiva prestação da tutela jurisdicional.
A questão que se põe, nesse sentido, é justamente a consequência dessa modalidade de extinção do processo, isto é, os seus reflexos e desdobramentos na esfera jurídica. Isto porque o autor, deixando de comparecer à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, vê-se obrigado a suportar o término do processo sem a efetiva e justa composição da lide. O réu, por outro lado, na hipótese da ausência à sessão ou à audiência, amarga apenas o ônus da revelia, conforme precisa redação do art. 20 da Lei n.º 9.099/95[3].
Ademais, com a extinção do processo sem resolução do mérito, neste caso específico do art. 51, I, da Lei n.º 9.099/95, a parte demandante não tem como consequência negativa apenas a frustração de realização da tutela jurisdicional, mas também enfrenta reflexos patrimoniais diretos, eis que deve, necessariamente, arcar com o pagamento das custas processuais[4].
Nessa perspectiva, levantar questionamentos acerca da constitucionalidade do art. 51, I da Lei nº 9.099/95 importa em fazer uma análise do referido dispositivo legal à luz dos princípios constitucionais norteadores do Direito Processual Civil brasileiro, especialmente o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, insculpido no art. 5º. XXXV, da Constituição Federal. Consequentemente, revela-se inevitável tratar do tema sem se falar em instrumentalidade do processo, efetividade da tutela jurisdicional e acesso à justiça, a fim de abordar a finalidade do Direito Processual Civil contemporâneo, que é, evidentemente, proporcionar a pacificação social através da tutela jurisdicional adequada e efetiva.
O presente estudo justifica-se, dessa maneira, pelo entendimento do exercício da atividade jurisdicional na condução dos diversos processos e procedimentos, a fim de averiguar o respeito às garantias constitucionais fundamentais inerentes ao processo civil, como o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, conforme traçado pelo art. 5º, XXXV da Constituição Federal. Tal abordagem é fundamental no atual cenário jurídico nacional, a partir do momento em que se instaura, no Brasil, uma nova ordem jurídico-processual, com a edição de um novo diploma de regras processuais e procedimentais em âmbito civil, o qual vem impregnado de conteúdos constitucionais[5], a fim de finalmente assegurar o acesso real à justiça, com uma tutela jurisdicional efetiva e tendo como base um devido processo civil de resultados[6].
Busca-se, assim, a partir de uma pesquisa bibliográfica, analisar o papel da atividade jurisdicional no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, orientando-se pelos princípios constitucionais norteadores do Direito Processual Civil pátrio e tendo como objeto de estudo o artigo 51, I, da Lei 9.099/95.
2. INAFASTABILIDADE E EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL
O princípio da inafastabilidade da tutela jurisidicional, estampado no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal (art. 5º, XXXV), e também incorporado expressamente no texto do Novo Código de Processo Civil[7] (art. 3º), informa que não se excluirá da apreciação jurisdicional lesão ou ameaça a direito.
A primeira e mais importante consideração a se fazer nesse sentido é que, embora a garantia do art. 5º, XXXV da Constituição Federal assegure expressamente o direito de ação, não pode ser a ele reduzida. Isto porque, conforme asseveram Cintra, Grinover e Dinamarco (2006, p. 39), a inafastabilidade do controle jurisdicional representa mais do que a mera possibilidade de ingresso formal no Poder Judiciário, não se identificando, pois, como a mera admissão em juízo.
Na precisa lição de Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 119):
A Constituição, no Estado Democrático de Direito, não se limita a garantir a todos o direito de demandar em juízo. O que se deduz do inciso XXXV do art. 5º de nossa Carta é que nenhuma lesão ou ameaça a direito deixará de ser solucionada pelo Poder Judiciário, quando provocado pelo interessado, na forma legal. Essa garantia fundamental, portanto, é de uma tutela, ou seja, uma proteção com que se pode contar sempre que alguém se veja ameaçado ou lesado em sua esfera jurídica. (sem grifos no original).
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