Posicionamento Sobre O Parágrafo 1º Da Cláusula 11 Da Convenção Coletiva De 2018-2020 Dos Bancários
Por: Patricia Marques • 28/6/2023 • Artigo • 3.658 Palavras (15 Páginas) • 82 Visualizações
POSICIONAMENTO SOBRE O PARÁGRAFO 1º DA CLÁUSULA 11 DA CONVENÇÃO COLETIVA DE 2018-2020 DOS BANCÁRIOS
Empregado bancário – funcionário que teve o cargo de gerente descaracterizado pela Justiça - Pensamos que os valores pagos pela gratificação de função não são dedutíveis (compensáveis) sobre os valores devidos pelas 7ª e 8ª horas (extras) para contratos anteriores a setembro de 2018 – desnecessário o pedido de nulidade da cláusula coletiva bastando pedido de interpretação restritiva
Questão de interesse é a do parágrafo 1º da Cláusula 111 da Convenção Coletiva dos bancários, com vigência de 2018/2020. Este arranjo coletivo prevê a compensação dos valores devidos pelas 7ª e 8ª horas trabalhadas (e extraordinárias) com os valores já quitados pelo Banco-empregador a título de gratificação de função, na hipótese de o Poder Judiciário “desmontar” o cargo de gerente (CLT, art. 224, §2°2) para o cargo bancário padrão de 06 horas (CLT, art. 224, caput3). Com o detalhe adicional de que: a Cláusula prevê “a dedução/compensação prevista neste parágrafo será aplicável às ações ajuizadas a partir de 1º.12.2018”.
Gravíssimas dificuldades fazem frente a esta disposição coletiva.
(i) A retroatividade4 do direito material é, com certeza, uma das dificuldades mais fortes. Explico: a intenção central desta disposição Coletiva é compensar (CC, art. 3855) um título por outro título. É fazer com que o débito do Banco-empregador correspondente às 7ª e 8ª horas diárias (extraordinárias) não seja pago por inteiro! E para esse propósito, o produto do débito das 7ª e 8ª horas diárias (extraordinárias) deve sofrer o desconto do produto já quitado em razão da gratificação de função. A dificuldade consiste no fato de que a compensação é direito material – é a própria regra sobre como se relacionar em sociedade. Ao impor a compensação dos valores já quitados a título de gratificação de função sobre os valores devidos pelas 7ª e 8ª horas diárias, invariavelmente a todas as ações entradas após 1° de dezembro de 2018, o parágrafo 1º da Cláusula 11 projeta o direito material (a compensação) para antes da sua vigência. Ela permite que a compensação incida, por exemplo, sobre valores devidos em janeiro de 2017.
Acontece que em janeiro de 2017 o pensamento histórico-jurídico era outro. Neste momento do tempo o pensamento vigente era o da Súmula 1096 do TST, que proibia exatamente o que a disposição Coletiva agora prevê – proibia a compensação dos valores devidos pelas 7ª e 8ª horas de trabalho com os valores já pagos a título de gratificação de função. Neste mesmo tempo hipotético, de janeiro de 2017, a arquitetura do Direito do Trabalho também era outra. Não havia prevalência do combinado (das normas autônomas coletivas) sobre o legislado (a norma heterônoma Lei Federal, à exceção da Constituição Federal) em desfavor da parte trabalhadora. Somente a partir de 11 de novembro de 2017, com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, é que esta arquitetura se modificou7. Ainda, em janeiro de 2017, não existia o parágrafo 1º da Cláusula 11 da Convenção bancária de 2018! Então, fazer aplicar norma que somente ganhou existência em 1° de setembro de 2018 (com a Convenção bancária de 2018); que somente foi possível juridicamente depois de 11 de novembro de 2017 (com a Lei nº 13.467/17); que não retrata o pensamento histórico-jurídico e o valor social vigente ao tempo do exemplo de janeiro de 2017; dispara gravíssima violação à segurança jurídica (CF, art. 5º, caput8) e à irretroatividade (ou retroatividade lesiva) da norma (L. 4.657/42, art. 1º9; CF, art. 5º, XXXVI10 e XL11).
Poder-se-ia contra argumentar que não há retroatividade da norma coletiva, mas disposição coletiva ajustada em setembro de 2018 e aplicada agora, em 2021. Contudo, esta objeção hipotética confunde o tempo da aplicação da norma com o tempo do objeto ou do fato tutelado pela norma. O objeto da norma jurídica, em regra, é o fato concreto e não o tempo da sua própria aplicação. Aplicar o parágrafo 1º da Clausula 11 a fato consumado, por exemplo, em janeiro de 2017 é fazer incidir construção jurídica de setembro de 2018 a objeto pretérito, é julgar o passado com valores do presente, em franca retroatividade nociva da norma.
(ii) Outra gravíssima dificuldade está em que: a validade da aplicação do parágrafo 1º da Cláusula 11 sobre fatos (a objetos) consumados antes da sua vigência (e antes mesmo da Lei nº 13.467/2017) é considerar a validade antes da própria existência! Absurdamente, olhando da posição do objeto (do fato) para fora, em direção à ordem jurídica, o parágrafo 1º da Cláusula 11 lhe seria válido antes mesmo de existir, já que dita norma coletiva é construção jurídica de quase dois anos adiante no tempo - em setembro de 2018.
Uma tentativa de contornar essa seríssima dificuldade seria arriscar ideia semelhante ao contra-argumento acima: de que a validade da norma coletiva está sendo discutida hoje, em 2021, momento no tempo em que existência e validade coexistem. Mas, cuida-se de objeção vazia. O movimento que ela faz é deslocar o centro da dificuldade para a abstração da validade norma em si mesma: ela existe hoje e ela vige hoje! O conteúdo da norma que são fatos que antecedem sua própria existência (o exemplo de janeiro de 2017) fica sem solução. Ora, tratar o fato consumado em janeiro de 2017 nos dias de hoje (2021) não o transforma em fato atual! Ele, fato, continua consumado no passado sob o pensamento-histórico jurídico passado. Cabe aqui valiosa compreensão filosófica da corrente bergsoniana: o passado é ontológico; ele existe e existe sempre; confundimos o que existe com o que existe agora, atualmente; pensamos a existência apenas como o que existe agora. O passado existe embora não seja atual12. O “falso” gerente daquele hipotético momento no tempo (de janeiro de 2017) existe ainda hoje, embora não seja atual hoje; a posição jurídica da Súmula 109 do TST existe ainda agora, embora de forma não atual (à vista da Cláusula em análise). Portanto, aplicar o parágrafo 1º da Cláusula 11 ao que existe (no presente) em janeiro de 2017 é ferir a existência da Súmula 109 do TST, diga-se, embora não atual.
(iii) Obstáculo adicional está no efeito prático do parágrafo 1º da Cláusula 11: refiro-me ao efeito da perda do direito pelo não exercício do direito de ação no tempo (até 30 de novembro de 2018). Perder o direito de não compensar os valores das 7ª e 8ª horas com os valores já quitados pela gratificação de função, ou melhor
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