SOBRE A PRÁTICA DA CIDADANIA COMO PROPEDÊUTICA À REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL
Por: Júlia Cazzonato • 8/4/2016 • Ensaio • 2.718 Palavras (11 Páginas) • 299 Visualizações
SOBRE A PRÁTICA DA CIDADANIA COMO PROPEDÊUTICA À REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL
Édison Martinho da Silva Difante[1]
Resumo: o presente trabalho tem como objetivo principal apresentar uma reflexão sobre a questão da cidadania tendo em vista a sua relação com a ideia de justiça social. Nessa medida, busca-se pensar a cidadania desde a perspectiva de um regime de governo democrático, partindo da concepção aristotélica, presente na Política, considerando a ideia moderna de contrato social, e culminando nos elementos que devem ser considerados para a prática da cidadania. A partir da exposição busca-se defender que é a partir da conscientização e mudança de atitude das pessoas, em prol da sociedade, que é possível reivindicar legitimamente a realização da justiça social, isto é, a postura cidadã deveria ser assumida como propedêutica à efetivação da justiça social.
Palavras-chave: Cidadania. Democracia. Sociedade.
1 Considerações iniciais
A cidadania é a qualidade ou condição de cidadão. Nessa perspectiva, poderíamos falar que cidadania diz respeito unicamente ao fato de alguém pertencer ou habitar uma determinada cidade, mas a conceituação é bem mais abrangente, pois diz respeito ao fato do indivíduo, enquanto cidadão, ser aquele que goza de direitos e deveres civis e políticos em um país[2]. Podemos ir além dessa definição, cidadania envolve-se em um arcabouço referente ao pertencimento, seja de um grupo, de um povoado, de uma cidade, de um Estado, de um país e, por qual motivo não poderíamos pensar em cidadania referente ao mundo, ao todo: o ideal seria que nós pudéssemos nos representar como cidadãos do mundo, como membros ativos de uma sociedade cosmopolita[3].
Uma vez que, pelo menos em teoria, vivemos em um país democrático, e portanto, o presente trabalho é direcionado à cidadãos que vivenciam essa realidade, tentaremos falar de cidadania, bem como da sua respectiva prática, nesse contexto. Por outro lado, a abordagem segue essa perspectiva pelo fato de também acreditarmos que a autêntica cidadania tem mais chances de se desenvolver e ser praticada sob essa forma de governo.
2 Considerações acerca de um Regime de Governo Democrático
O ponto de partida para iniciarmos uma fala sobre cidadania pode ser uma célebre passagem da Política de Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.). Segundo esse filósofo Grego,
[u]m princípio fundamental da forma democrática de governo é a liberdade – a liberdade, segundo a opinião dominante, somente pode ser desfrutada nesta forma de governo, pois diz-se que ela é o objetivo de toda a democracia. Mas um princípio de liberdade é governar e ser governado alternadamente, pois o conceito popular de justiça é a observância da igualdade baseada no princípio da maioria, e não no do mérito, e se este é o conceito de justiça dominante, a maioria deve ser necessariamente soberana, e a decisão da maioria deve ser final e constituir a justiça, pois costuma-se dizer que cada cidadão deve ter uma participação igual[4]” (Pol., 1317b - grifo meu).
Partindo desse fragmento, podemos pensar a democracia a partir de diversos pressupostos, por exemplo: “A justiça é a virtude maior que se realiza através da democracia, que por sua vez, pressupõe outros fatores, dentre os quais a liberdade. Da mesma maneira, a democracia se põe como ideal de justiça” (BARBOSA, 1994, p. 104). Aqui não estamos a falar das leis do direito, das leis jurídicas, mas de justiça social.
Creio que deve ser uma democracia [aquela] que se refira a todos os níveis da realidade [...]. A democracia das informações e da realização do individual em face da sociedade [...], sem que, entretanto, o individualismo tenha um primado sobre o socialismo [o social] (BARBOSA, 1994, p.104 – acréscimos meus).
Basta refletirmos um pouco para chegarmos à conclusão de que a democracia política por si só, é insuficiente. Afinal de contas, a lei pode ser manipulada por uma maioria no governo. Pressupõe-se então, que haja uma preparação para a prática política e isso pressupõe sempre uma educação ética como algo primordial. Ora, é um fato perceptível, e não somente na atualidade, pois também acreditamos ser este o grande mal de qualquer democracia, que “as relações de clientela [...], a distribuição de favores aos protegidos do governo e a utilização maciça dos meios de comunicação podem burlar os resultados [...] e tornar tão somente formal a democracia” (BARBOSA, 1994, p. 105).
Devemos ter em mente que em um regime de governo democrático, como em nosso país, as leis deveriam ser elaboradas em consonância com as necessidades da população, e que fossem cumpridas por todos e que elas também visassem garantir os direitos fundamentais da pessoa humana. Isso nada mais significa do que objetivar à justiça social. Pois é somente na medida em “que os postulados da justiça se põem como objetivos comuns” (BARBOSA, 1994, p. 105) é que podemos verdadeiramente desfrutar de uma democracia e nos vermos como cidadãos representados politicamente.
Ao refletirmos sobre nossa realidade, isso não só em termos de Brasil, mas considerando de forma mais abrangente ou global, surgem algumas questões ou pontos fundamentais que precisam ser considerados. Sabemos que as Democracias modernas estão alicerçadas na trilogia liberdade, igualdade, fraternidade. “A tríade famosa da Revolução Francesa forma um todo uno e indivisível” (COMPARATO, 1998, p. 12). Mas, para “quem se destina o ser livre, o ser igual, o ser fraterno? A toda a sociedade? Os privilégios realmente não existem mais? E o povo, que espaço político ocupa?” (PIRES, 1986, p. 88).
Na verdade, hoje temos a impressão de que, isso em todos os níveis e camadas sociais, vive-se uma ausência de normas. Os valores éticos, que possuem uma capacidade disciplinadora, parecem estar perdidos; “em nosso tempo [...], o homem ainda não encontrou o modo de ser igual e de ser livre” (PIRES, 1986, p. 89) e como poderíamos esperar ainda o ser fraterno.
“A questão da liberdade entendida dentro da estrutura social remete à compreensão do significado da relação dos homens entre si” (PIRES, 1986, p. 90). Podemos pensar em uma espécie de “preferência contínua do interesse público sobre o interesse próprio de cada cidadão, pois aqui, como em tudo mais, a propriedade individual opõe-se à comunhão” (COMPARATO, 1998, p. 14).
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