Segregação Espacial e Estrutural das Cidades Modernas
Por: Leo Valdez • 3/6/2016 • Ensaio • 1.377 Palavras (6 Páginas) • 365 Visualizações
A SEGREGAÇÃO ESTRUTURAL E ESPACIAL DAS CIDADES MODERNAS
LEO VALDEZ
GRADUANDO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS E INTEGRAÇÃO – UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA [UNILA]
É evidente, no Brasil, que o fenômeno de crescimento populacional se consolidou de maneira díspar da garantia de acesso à moradia. Processo resultante do histórico desenvolvimento da mercantilização da terra, introduzido juntamente com a transformação das cidades em fluxos constantes das relações capitalistas, subestimando assim o verdadeiro papel da cidade com a promoção da justiça social, tornando-se, nesse sentido, um reflexo direto das diferenças de classes e raça, onde determinadas áreas das cidades recebem tratamento especial, em consonância com seu caráter elitizado, enquanto outras aglomeram pessoas, muitas vezes sem sequer saneamento básico ou condições dignas de sobrevivência. Sem contar na quantidade exorbitante de pessoas que vagam desnorteadamente pelas ruas das cidades, sem teto, estigmatizadas, criminalizadas, invisibilizadas e na mira da segurança pública, não enquanto segurado(a) e/ou protegido(a), mas como potencial infrator(a) da ordem e direto obstrutor(a) do progresso, ao léu da sorte, esquecendo-se assim o seu direito à vida, à moradia, à educação, à saúde, etc.
A população negra, particularmente, sofre vertical, direta e estruturalmente deste problema e corresponde a 67% da população em situação de rua, segundo dados do Ministério da Saúde brasileiro, de 2012.
É importante frisar, portanto, que devido à Lei de Terra, promulgada no Brasil em 1850, as pessoas negras escravizadas, que tiveram sua “liberdade” condicionada pela abolição da escravatura, em 1888, não possuíam rotas alternativas a não ser a busca de oportunidades nas cidades, já delineadas para assegurar as relações de poderes entre patrões e operários [detentores e não detentores de terra].
A história mostra que a perpetuação da desigualdade no planejamento urbano agrava-se após a aprovação da Lei 601/1850, que ficou conhecida como “Lei de Terras”. Ela passou a regular as terras devolutas e a aquisição de terras, determinando em seu artigo 1º que o único meio para aquisição da propriedade de terras era a compra, deslegitimando, portanto, o acesso à terra pela posse ou ocupação. Ajudando a agravar o problema, em 1888 acontece a abolição da escravatura. Os escravos libertos que não permaneceram nas áreas rurais foram em busca de sobrevivência nas cidades. Todo este quadro faz com que as cidades cresçam com um flagrante despreparo em termos de políticas públicas que atendessem essa população, formando cidades desordenadas. (Holz, S. Monteiro, T. 2008)
Fundamentalmente, as cidades conformaram-se sob aspectos de naturalização das marginalidades e segregação social, onde certas áreas e suas conjunturas estão diretamente intrínsecas à condição/status social de seus habitantes ou sua importância para “a obtenção de lucros e monetização das relações de trocas” (Nobre, 2011). Um exemplo disso é que sequer nossas atenções conduzidas a uma pessoa em situação de rua, por exemplo, nos desperta a consciência sobre o privilégio da moradia e do direito à cidade. Outrossim, pessoas trans e travestis, não consonantes a este arranjo estético cis-heteronormativo e dispensáveis, à primeira vista, aos condicionamentos dele, veem seu direito à cidade infringido, condicionando-se à vida noturna, à prostituição e a meios alternativos de ganhos e [r]existência, não reduzindo, obviamente, o problema a este enunciado.
Esse desenvolvimento da cidade moderna, onde a estrutura higienista se sobressai à concepção de espaço social, que ofereça qualidade de vida e condições para a emancipação humana, tem sua introdução nas privatizações das terras comunais inglesas no desatar das sociedades feudais, entre os séculos XV e XVIII, no qual os cercamentos usurparam os meios de subsistência da população pobre e seus meios de produção, obrigando-as a submeterem-se aos ordenamentos da cidade e a venda de sua força trabalho ou, caso contrário, poderiam sujeitar-se à exclusão gerada pela força do capital. Deste modo, há a instauração de uma nova ordem:
O desmatamento e o cercamento assim poderiam ser considerados como um dever nacional, que apesar das aparências em contrário constituiria uma bênção para o pobre, ao mesmo tempo que proporcionaria lucros mais imediatos ao rico que se apropriava das terras cercadas. (Hills, 1987)
Delimitava-se assim, impudicamente, o fosso entre as classes sociais, através da imposição da plebe à dependência estrita ao trabalho assalariado, ampliando, consequentemente, a margem de reserva de mão de obra e o barateamento desta.
Com o tempo, nesta configuração, há veemente a polarização dos espaços e a estigmatização de pessoas presentes em localização desfavorecidas da modernização e higienização. Despossuídas de condições mínimas de cidadania, são recompensadas com uma árdua criminalização.
“O principal agente da exclusão territorial e da degradação ambiental é a segregação espacial, que traz consigo uma lista interminável de problemas sociais e econômicos, tendo como consequência a exclusão e a desigualdade social que propicia a discriminação, o que gera menores oportunidades de emprego, dentre outros problemas, ocasionando assim uma perpetuação da pobreza e a ausência do exercício da cidadania. (Funes, 2005).
É exemplo desta política a Cracolândia, em São Paulo, onde usuários(as) de crack, corpos largados e objetificados, resultantes desse desamparo provocado pela injustiça e desigualdades sociais, se aglomeram. Não se trata somente de uma ocupação, materialmente dizendo, ou um espaço geográfico, pensado somente na interpretação física, mas um retrato de políticas públicas ineficazes e insuficientes, que estigmatizam essa população, a ponto de negá-lhes o pleno direito à cidadania. A Cracolândia refere-se genericamente à região no centro da cidade de São Paulo, desconsiderando todas as diversidades de relações humanas desenvolvidas ali, para além dos usuários de crack.
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