TERRAS NO BRASIL: ESTUDO HISTÓRICO-JURÍDICO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA - DA LEI DE TERRAS À LEI AGRÁRIA
Por: Gabriellagyn BI • 25/11/2016 • Artigo • 3.350 Palavras (14 Páginas) • 470 Visualizações
TERRAS NO BRASIL: ESTUDO HISTÓRICO-JURÍDICO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA - DA LEI DE TERRAS À LEI AGRÁRIA (1850/1993)[1]*
Margareth P. Arbués**
RESUMO
O presente artigo é fruto de resultados parciais da pesquisa em andamento no Núcleo de Pesquisa Científico-Jurídica (NUPEC) do Curso de Direito, intitulada: “Legislação e Política Fundiária em Goiás”. Os métodos histórico e jurídico foram utilizados para elucidar e analisar de forma contextualizada o processo de formação e definição da estrutura fundiária brasileira a partir da Lei de Terras em 1850.
Palavras-chave: sesmarias, apossamento, concentração fundiária, reforma agrária.
INTRODUÇÃO
A pesquisa mencionada procura remontar a problemática desde o período colonial, abordando a implantação do sistema de sesmarias, fato que marca profunda e decisivamente as primeiras formas de ocupação da terra no Brasil. Analisa ainda a instituição do regime de posses, entre os anos de 1822 a 1850 , sem dúvida, um agravante na situação jurídica da terra no Brasil, propiciando a consolidação do latifúndio, promovendo a acumulação de riquezas, a violência no campo e as desigualdades sociais.
Estabelece-se um recorte teórico no objeto em estudo, e apresenta como resultado uma leitura com abordagem histórica da produção e da eficácia das leis agrárias brasileiras a partir de 1850, quando é então criada a Lei das Terras, a qual traz como elemento definidor – a aquisição da propriedade por meio de sua mercantilização e a adoção do sistema de privatização, transformando-a em capital agrário. Somente em 1964 o legislativo dá o grande passo: a promulgação do Estatuto da Terra e com ele a introdução de novos conceitos e novas políticas face à questão, porém, é a Constituição Federal que procura dar garantia ao processo de democratização e acesso à terra por meio da adoção de dispositivos que buscam assegurar o cumprimento do princípio da função social da propriedade rural no Brasil.
1 A LEI Nº 601 DE 1850 E A PRIVATIZAÇÃO DA TERRA NO BRASIL
A Lei nº 601, conhecida como Lei de Terras, foi aprovada em 18 de setembro de 1850, mas apenas em 1854 começou a ser executada. Sua aplicação pode-se considerar que foi lenta e difícil, face ao despreparo dos funcionários dos órgãos públicos responsáveis e existentes na época, por desconhecerem o seu conteúdo, pela grande extensão do país, que por sua vez não dispunha de meios que facilitasse a chegada aos lugares mais distantes dos centros provinciais. Isso veio contribuir ainda mais para com o desinteresse de alguns cidadãos que resistiam ao cumprimento da Lei. Dessa forma, é impossível deixar de reconhecer que tal lei foi o marco da atual estrutura fundiária no Brasil, a partir de suas regulamentações, que impuseram demarcações, títulos, registros, pagamentos de taxas e impostos para reconhecimento da propriedade.
Dentre outras questões, a que ressalta o caráter de aquisição da terra, de acordo com a previsão do artigo 1º da referida lei, determina ficarem proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não o de compra, excetuando-se as terras nos limites do império com países estrangeiros, em uma zona de dez léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente.
A terra deixa de ser somente privilégio e passa a ser mercadoria. Até então, não tinha valor mercantil, pois este valor estava agregado ao escravo. Resta considerar que a lei que extingue o tráfico de escravos foi promulgada num espaço de tempo de duas semanas da lei de terras. Dessa forma, percebe-se aí a gênese do capital agrário ao transferir o caráter mercantil para a terra por meio da instituição de um mecanismo legal, a sua forma de aquisição.
Assim, convém ressaltar que a partir daí se pode falar em propriedade privada da terra. Até então, a propriedade era estatal ou semi-estatal, ou seja, não podia ser comprada e nem vendida ficando a cargo das autoridades portuguesas a legitimação de seu uso.
Após 1850, a propriedade privada da terra passou a contar com o respaldo estatal para amparar sua legitimação. A grande propriedade, o latifúndio improdutivo, consolidou-se através do processo de apossamento de terras, após a desagregação e a extinção da sesmaria. Isto porque, a lei veio também confirmar as posses, legitimando-as, desde que tivessem sido feitas de forma mansa e pacífica, que nelas houvessem moradas habitual e sinal de cultivo. O parágrafo primeiro do artigo 5º da lei 601/1850 completa dispondo que além da posse em terreno de cultura ou em campo de criar, o posseiro ainda podia ocupar outro para pastagens de animais, desde que o total do imóvel não ultrapassasse a extensão de uma sesmaria.
Esses e outros aspectos são imprescindíveis para compreender de que forma foi se afirmando e legitimando a concentração fundiária no Brasil. Para Silva (1996:45), o fato de o Brasil ser considerado o país do latifúndio não foi tanto a forma sesmarial adotada pelos colonizadores para distribuir a terra, mas a liberalidade por parte da metrópole na disposição do solo colonial face à ganância e à cupidez dos portugueses chegados à América para fazer fortuna.
Duarte apud Ferreira (1994, p.111) afirma que: “A propriedade agrícola no Brasil nasceu sob regime feudal e viveu nesta tradição”. Deste modo, a cultura do latifúndio foi implementada e, de forma contrária à grande parte dos países hoje desenvolvidos ou em desenvolvimento, jamais foi abolida.
O Código Civil aprovado em 1916 é um bom exemplo das ideologias dominantes. A terra continua sendo um importante fato de fatos e poder, garantindo a formação de grupo dominante no governo.
O Código Civil restabeleceu o instituto da posse como direito e não somente como garantia, coroou-a com o instituto do usucapião. Restabeleceu, ainda o código civil, que os registros paroquiais, fossem relativos, escriturando-os em cartório, outorgando ao seu detentor a propriedade plena. Isso favoreceu enormemente o latifúndio consolidando o processo de grilagem de terras do regime de posse da lei da terra.
A partir do crack da bolsa de Nova York (1929) houve grande desvalorização do preço da terra, transferindo-se o centro político do país do campo para a cidade.
A situação só mudou com a Constituição de 1946, do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963 e do Estatuto da Terra em 1964.
2 A FUNÇÃO SOCIAL COMO PRINCÍPIO DEFINIDOR DA PROPRIEDADE RURAL NO BRASIL
2.1 O Estatuto da Terra ( Lei nº 4.504/64) – uma nova fase do Direito Positivo
A Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, dispõe sobre o Estatuto da Terra, estruturado em 128 artigos, com objetivos centrados em duas questões básicas: a reforma agrária e a política de desenvolvimento rural, normatizando as relações do homem com a terra. Foi um grande passo legislativo que trouxe conceitos novos marcando uma nova fase do direito positivo, tais como elementos concretos de averiguação do grau de cumprimento da função social da terra.
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