UMA VISÃO GERAL SOBRE A REFORMA TRABALHISTA
Por: Top2 • 20/11/2018 • Trabalho acadêmico • 6.380 Palavras (26 Páginas) • 475 Visualizações
UMA VISÃO GERAL SOBRE A
REFORMA TRABALHISTA
Sandro Sacchet de Carvalho1
1 INTRODUÇÃO
O Brasil, por meio da Lei no 13.467, de 13 de julho de 2017, acaba de passar pelas mais profundas alterações no ordenamento jurídico que regula as relações trabalhistas desde a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943. A lei, amplamente reconhecida como reforma trabalhista, altera, cria ou revoga mais de cem artigos e parágrafos da CLT2 e mudará de forma substancial o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro quando entrar em vigor em novembro de 2017.
Mudanças de tamanha magnitude dificultam a tarefa de se antever seus impactos. Muitas vezes diferentes dispositivos podem atuar em direções opostas, impedindo que se preveja o resultado final do conjunto. Isso é especialmente válido para a reforma trabalhista, que, devido à sua rápida tramitação e larga ampliação de seu escopo, peca pela falta de organicidade. Por isso, um primeiro objetivo deste artigo é expor, da maneira mais sucinta possível, todos os principais pontos da reforma, aglutinando-os em torno de alguns temas, de maneira a permitir que se extraia uma visão geral sobre a reforma trabalhista. Em seguida, comentam-se os possíveis impactos da reforma, procurando chamar a atenção para seus pontos contraditórios.
Entretanto, antes de prosseguir, é interessante estabelecer uma visão sobre o direito do trabalho (aí compreendido tanto a legislação trabalhista quanto a atuação da justiça do trabalho – JT) que sirva de pano de fundo para uma discussão sobre a reforma trabalhista.
Há, no conjunto da Lei no 13.467/2017, uma lógica que busca diminuir, no marco do direito do trabalho no Brasil, a noção de que a venda da mercadoria força de trabalho trata-se de uma relação entre pessoas, substituindo-a por uma visão que trata essa venda
1. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos Macroeconômicos (Dimac) do Ipea. E-mail:<sandro.carvalho@ipea.gov.br>.
2. Originalmente, o Projeto de Lei no 6.787, apresentado em dezembro de 2016, que deu origem à Lei no 13.467/2017, alterava apenas pouco mais de uma dezena de artigos e possuía seis páginas. A versão final aprovada pela Câmara cerca de seis meses depois possuía 55 páginas.
como uma relação entre coisas. Inicialmente, nos primórdios da Revolução Industrial, prevalecia a visão de que a mercadoria força de trabalho era uma mercadoria como outra qualquer, em que deve prevalecer a livre negociação entre duas partes juridicamente iguais expressa em um contrato, no qual se estabeleceria a troca de determinada quantidade de horas de trabalho por determinada quantidade de dinheiro.
A falta de realidade nas pressuposições contidas nessa posição fez com que essa visão de direito do trabalho não durasse muito tempo. A força de trabalho não é uma mercadoria qualquer, pois é impossível separá-la da pessoa do trabalhador. Trabalhadores, como vendedores de força de trabalho, por exemplo, não possuem controle sobre o volume de seu suprimento, não podem estocá-la, e, por contar com necessidades muito mais rígidas, não podem aguardar melhores condições de mercado para oferecer sua mercadoria. Essas peculiaridades introduzem uma desigualdade na relação de forças existentes no mercado. Não por acaso, como é bem sabido, as condições de trabalho no início de qualquer processo de industrialização sempre se apresentaram como condições degradantes, com jornadas exaustivas, exploração do trabalho infantil ou condições insalubres. Condições que inviabilizavam a sustentação de longo prazo dos trabalhadores, e que tornava essa visão de regulação do trabalho insustentável.
Independentemente se a proteção da parte mais frágil da relação deu-se por meio de forte associação voluntária, como na Inglaterra, por exemplo, ou por intermédio de uma política pública mandatória, como no caso da França, o direito do trabalho surge para delimitar o espaço de livre atuação do mercado no que tange à mercadoria força de trabalho. Todo direito do trabalho é baseado na admissão da desigualdade de forças existentes, que visa superar a noção, mais próxima do Direito Civil, de um simples contrato de serviços de aluguel, em que a relação entre empregado e empregador existe apenas enquanto durar a prestação do serviço, e suas respectivas obrigações deve limitar-se a esse período. O direito do trabalho deve sempre levar em consideração que trabalho é feito por pessoas, em que se deve combinar a duração limitada da troca realizada com toda a vida do trabalhador. Justamente por isso procura estabelecer condições de sobrevivência durante períodos de desemprego ou incapacidade laboral, bem como está amplamente associado às condições de aposentadoria.
Dessa forma, a função do direito do trabalho é delimitar um quadrante dentro do qual os espaços de livre negociação podem atuar. A discricionariedade do empregador não pode ser irrestrita. Naturalmente, a circunscrição desse espaço depende do grau civilizatório de cada sociedade, e, portanto, não deve ser imóvel. No entanto, quaisquer mudanças devem sempre levar em conta que cabe ao direito do trabalho estabelecer condições mínimas de trabalho decente que devem ser tidas como invioláveis, e, quando se propõe que cabe à legislação trabalhista apenas garantir o processo de negociação, e não seu resultado (ponto central do Projeto de Lei no 6.787), está-se propondo alterações que ferem a autonomia do direito do trabalho, sob o risco de não se garantir condições mínimas de dignidade humana aos trabalhadores.
2 PRINCIPAIS PONTOS DA REFORMA TRABALHISTA
Um dos pontos centrais da reforma é a introdução do Artigo 611-A na CLT, que trata justamente de que acordos coletivos têm prevalência sobre a lei. Diz o artigo aprovado na Câmara:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho,
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