De Cantillon à Fisiocracia: O Início do Pensamento Econômico Moderno
Por: Caio Verneck • 23/12/2022 • Ensaio • 1.645 Palavras (7 Páginas) • 98 Visualizações
DE CANTILLON A FISIOCRACIA: O INÍCIO DO PENSAMENTO ECONÔMICO MODERNO
CONTEXTO HISTÓRICO, FILOSÓFICO E ECONÔMICO
Para a compreensão da relevância da fisiocracia como escola do pensamento econômico, deve-se primeiro tentar definir o que é Economia. Existem diversas maneiras de se conceber a Economia como ramo do conhecimento. Para os fisiocratas – foco principal deste ensaio a ser discutido com mais detalhes posteriormente – e os economistas clássicos, esse campo se caracteriza como o estudo do processo de produção, distribuição, circulação e consumo de bens e serviços escassos da maneira mais eficiente possível.
Para pensadores neoclássicos, se trata da ciência das trocas ou escolhas, tendo então, um foco maior no comportamento humano individual condicionado pela escassez. Para os economistas austríacos, seria a ciência da ação humana proposital para a obtenção de certos fins em um contexto condicionado pela escassez. Nesse texto, trataremos a Economia como o estudo da alocação de recursos na produção, circulação e consumo de bens resultada de uma construção social com capacidade de moldar e ser moldada por relações políticas, culturais, dialéticas e de poder de um determinado grupo.
A fisiocracia teve sua concepção no século XVIII na França. Logo, é contemporâneo do iluminismo, movimento intelectual que apresentou clara influência na escola. O iluminismo dominou o mundo das ideias na Europa na época, incluía uma série de ideias centradas na razão como fonte de autoridade e legitimidade. Seus pensadores pregavam a primazia do método científico e do reducionismo, características que são fundamentais para a compreensão das escolas econômicas daquela época.
Além do contexto filosófico, a fisiocracia nasceu em um período de decadência do pensamento econômico vigente, o mercantilismo. Este pregava a centralização do controle estatal nas relações comerciais, balança comercial constantemente favorável, monopólio das atividades mercantis e manufatureiras, protecionismo e o acúmulo de reservas financeiras baseadas em metais preciosos. Os primeiros debates para a superação do mercantilismo como sistema surgiram no século XVII na Inglaterra com a crise comercial de 1620 que atinge o seu auge na década de 1670.
RICHARD CANTILLON
Num contexto de debate que perdura mais de um século, o pensador franco-irlandês Richard Cantillon publicou o que é considerado por vários o primeiro tratado sobre economia na concepção moderna de pensamento econômico, Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral. Nessa obra, trabalha com uma série de perspectivas para a análise da composição do mercado de um país naquela época. Seu trabalho foi bastante influente na formação do pensamento das escolas fisiocrata e clássica. O ensaio se diferencia dos antecessores mercantilistas, pois utiliza uma metodologia de causa-efeito para analisar diferentes fenômenos econômicos. No primeiro capítulo, qualifica a terra como origem de toda a riqueza e o trabalho como maneira de extrai-la e a dar forma de riqueza, coincidindo com a análise fisiocrata.
No capítulo 2, retrata a distribuição da propriedade nas sociedades de homens. Aqui mostra o seu lado reducionista e determinista de raízes iluministas, demonstra o que acredita ser as diretrizes únicas do nascimento de uma sociedade estável centrada em torno de um Príncipe. A partir disso, traça um caminho da distribuição de terras e chega a conclusão de que em todos os casos, elas passarão a ser concentradas nas mãos de um pequeno grupo. Trata desse fenômeno, então, como inevitável e natural às interações humanas, apresentando o mesmo equívoco de várias escolas de pensamento econômico posteriores e deixando qualquer liberal contemporâneo bastante orgulhoso.
Nos capítulos 3 ao 6, analisa as características da hierarquia urbana de uma sociedade baseada na troca, desde aldeias até capitais. Estudando a configuração e integração das aldeias, defende a maior ocupação do espaço rural possível, gerando uma rede de pequenos núcleos onde as necessidades por produtos e trabalho das populações locais são atendidas para evitar perdas desnecessárias de recursos e tempo com transporte. Do ponto de vista das mercadorias, essa análise pode não fazer mais tanto sentido no mundo contemporâneo dominado pela economia de escala. Porém ainda se mostra relevante a alocação de mão-de-obra quando contrastada a realidade brasileira por exemplo. Hoje, maior parte da população está concentrada em gigantescos núcleos urbanos esparsos que nasceram com a migração de trabalhadores que desejavam morar próximos aos seus locais de trabalho, porém se veem numa realidade na qual necessitam dedicar várias horas do seu dia no trajeto ao trabalho.
Nos capítulos 7 ao 9 retrata, mesmo que de maneira rudimentar, as relações em um mercado de trabalho. Utiliza como objeto de estudo a disparidade de salários e de valor das mercadorias e chega a conclusão de que é resultada de diferentes níveis de capacidade técnica. Trabalhadores mais qualificados, além conseguirem aumentar a complexidade e o valor agregado do trabalho, demandam um tempo de aprendizado que a maior parte das pessoas não tem a possibilidade de dedicar, aumentando seu valor relativo. Observa também as necessidades de cada mercado de trabalho local, pregando que o número de trabalhadores de um país é naturalmente proporcional à necessidade que se tem deles. Chega então à conclusão de que um aumento na quantidade de artesãos em um país, por exemplo, é inútil se não acompanhada de crescimento na demanda de artesãos. Esse fenômeno também se mostra relevante no Brasil atual, onde tivemos uma explosão do número de trabalhadores altamente qualificados nas duas últimas décadas. Porém, em um contexto de crise econômica, vários desses acabaram desempregados, mudaram de profissão ou emigraram para buscar oportunidades em outros países.
Dos capítulos 10 ao 13, expõe as relações de produção e troca de mercadorias e mão-de-obra. Aqui retrata o valor que o trabalho humano adiciona ao intervir na natureza, a paridade desse valor agregado em um contexto de oferta e demanda e o valor da terra na composição do valor final da mercadoria, análises que são retratadas pelas escolas marxista, clássica e fisiocrata, respectivamente. Esse nível de detalhamento apresentado, muitas vezes inédito, fala por si próprio quando tentamos encontrar as influências do trabalho de Cantillon nas bases do pensamento econômico moderno.
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