Percepção Sociocultural de Residentes de cidades brasileiras de tamanho intermediário1
Por: rgoomes • 30/3/2016 • Trabalho acadêmico • 1.788 Palavras (8 Páginas) • 389 Visualizações
Percepção sociocultural de residentes de cidades brasileiras de tamanho intermediário1 Referência: Matos, R. (2013). Percepção sociocultural de residentes de cidades brasileiras de tamanho intermediário. Revista de Geografia e Ordenamento do Território, n.º 3 (Junho). Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território. Pág. 117 a 141. Resumo Este artigo discute os fatores que explicam a fixação de residentes em cidades médias dinâmicas do Brasil atual. Considerados os fatores Econômico-sociais, Geoculturais e Culturais, pesquisa de campo realizada em 55 cidades de diferentes regiões concluiu que os fatores culturais foram mais relevantes na maioria das cidades pesquisadas. As razões destacadas pelos entrevistados indicam que “Apego à Família, Vizinhança e Tranqüilidade” é um valor essencial assim como “Educação, Saúde e Serviços básicos”. Os fatores Econômico-Sociais foram mais valorizados pelos habitantes do Sul e Sudeste brasileiros, enquanto os fatores Geoculturais foram destacados por cerca de 20% dos respondentes. Os resultados sugerem a atenção das autoridades para itens como 1 Um artigo que explora outra parte da base de dados aqui trabalhada e com focos argumentativos diferentes foi publicado em abril de 2013 na revista eletrônica brasileira intitulada Mercator. 117 relações de vizinhança, entretenimento e atrativos paisagísticos, elementos da subjetividade humana estudados há muito tempo pela Geografia Cultural. Palavras chaves: geografia cultural, cidades intermediarias, população, percepção urbana Abstract This study discusses the factors that explain the fixation of population in the dynamic secondary cities of the actual Brazil. Considering the economic and social factors and the geographic-cultural and cultural factors, the field research developed in 55 cities from different regions concluded, that cultural factors were the most relevant in the majority of the cities. The reasons pointed by the respondents indicate that “attachment to the family, neighborhood and peacefulness” is a prominent value as well as “education, health and basic services”. The economic-social factors were more emphasized by the inhabitants of Southern and Southeastern Brazil While the geographic-cultural factors, were valued by around 20% of the respondents. This suggests the need of thinking in public policies that take into account issues like “neighborhood relations, entertainment and landscape attractions”, elements of human subjectivity that have been studied in cultural geography for a long time. Key words: cultural geography, secondary cities, population, urban perception. 1. Introdução Graças à Lei de Acesso à Informação e à imprensa livre, uma manchete não contestada do jornal Folha de S.Paulo de 27 de janeiro de 2013, é motivo de discussão no Brasil atual. Intitulada “Igrejas arrecadam R$21 bi por ano”, o texto da primeira página do jornal nos diz: “Templos e sedes de igrejas católicas e evangélicas e centros espíritas, entre outras religiões, arrecadaram R$ 20,6 bilhões em 2011, revelam dados da Receita Federal [...]. O valor é igual a 90% do montante disponível para o Bolsa Família [...]. Desse total, 14,2 bilhões foram entregues por fieis (R$ 39,1 milhões por dia). Os 118 dízimos, porém representam menos de um terço das doações aleatórias. Entre 2006 e 2011, a arrecadação dos templos teve alta de 11,9% no país. No Nordeste, cresceu quase o triplo da média nacional. A região é a mais católica do Brasil, mas perde espaço para a igreja evangélica.” É fato conhecido que, a despeito de o Brasil ser um país laico, tem havido expansão de instituições religiosas particularmente em regiões de maior tradição católica. Esse dado causa estranheza ao ser confrontado com a constatação de aumento do número de pessoas não religiosas. A questão vem motivando análises e pesquisas de cientistas sociais e parece enigmática e/ou paradoxal. Afinal se aumenta o número de não religiosos como aumenta também o número de recursos financeiros das igrejas do país, boa parte deles baseados na contribuição de fieis? A questão pode oferecer uma resposta simples: a população de adultos e idosos, que cresce mais que a população infanto-juvenil, tanto alimenta o aumento de fieis e adeptos de instituições religiosas quanto contribui para o incremento dos não religiosos. Entre os que não frequentam igrejas, há os que acreditam em Deus, mas são mais consumistas-pragmáticos, apreciam o conforto material e certas vantagens do individualismo laico. Contudo, a questão suscita respostas mais complexas, pois há variados tipos de comportamento híbrido, resultante de combinações entre crentes radicais e crentes tolerantes, agnósticos, ateus, não cristãos e tipos que ignoram totalmente as religiões. Ademais, há variações significativas no país. Em algumas regiões a religiosidade é mais contrita, católica e renitente. Em outras, a religiosidade é mais diversificada e abrangente, incluindo os praticantes de religiões de origem não afro europeias. Há também variações significativas entre áreas rurais e urbanas. As primeiras, sobretudo as com hábitos culturais mais arraigados, são mais cristianizadas do que as segundas. Essa disparidade aumenta se nos deparamos com cidades muito dinâmicas, cheias de migrantes, empresas, órgãos públicos; onde a racionalidade econômica passa a ser predominante. Mas se o aumento da arrecadação das igrejas, como estampado na manchete mencionada, tem sido expressivo nos últimos anos, é evidente que a maioria dessas “contribuições” pecuniárias provém das cidades. Das cidades de qualquer tamanho. Certamente as grandes metrópoles, particularmente as suas periferias urbanas, têm 119 sido “invadidas” por templos religiosos que oferecem conforto psicológico a muita gente, a gente simples, a despossuídos e pessoas de classe média. Desempenham portanto algum papel social não desprezível, mas gozam de enormes favores do Estado por força da isenção fiscal assegurada pela Constituição brasileira. Os ganhos extraordinários de várias dessas igrejas causam polêmica. A demonstração de ostentação e riqueza de muitos clérigos e o poder político e econômico que vêm acumulando causa apreensão, sobretudo porque é necessário discutir publicamente se a contrapartida de atenção aos pobres e desvalidos da sorte e da fortuna tem sido cumprida como seria de se esperar. Pesquisas nessa direção certamente encontrarão muitas dificuldades para sua realização, assim como é muito difícil a estruturação de um debate público que envolva parlamentares, governo, organizações não governamentais e atores da sociedade civil em geral. Pesquisas de opinião expeditas, realizadas sob determinado tamanho amostral em diferente regiões do país, e com quesitos de fácil entendimento poderiam auxiliar nesse debate. Afinal, se é nas cidades que as arrecadações financeiras vêm aumentando tanto entre 2006 e 2011 o que pensa o habitante sobre o atrativo religioso diante de outros atrativos existentes em sua cidade? Fora das metrópoles sabemos que centenas de cidades intermediárias têm experimentado dinamismo econômico nas últimas décadas. Também nelas a religiosidade está tão presente, sobretudo se o atrativo religioso for comparado com atrativos laicos? 2. Situação contextual das cidades intermediárias brasileiras, pesquisa direta e aspectos metodológicos Dados econômicos vêm mostrando que o emprego formal se expande mais fortemente nas cidades que compõem o arco de influência dos principais centros urbanos do país. Acrescente-se que, ainda mais alta é a proporção de trabalhadores ocupados no setor informal. Por tudo isso, é sempre conveniente verificar quais são as localidades que mais atraem trabalhadores, já que essa atração pode se apoiar em diferentes tipos de oferta de trabalho. No caso das cidades intermediárias dinâmicas acima referidas, é certo que o crescimento demográfico, sustentado em larga medida 120 pela imigração, acompanha-se tanto do incremento do emprego formal quanto do informal. Estudo recente, com base nos dados do emprego formal (dados da RAIS2 ), constata a existência de dois vetores espaciais de crescimento no primeiro decênio do século XXI: o primeiro, considerando a configuração da atual rede de cidades, põe em destaque os municípios do porte intermediário; o segundo, considerando as atuais divisões regionais, ressalta o dinamismo das regiões Norte e Centro-Oeste, secundados pelo Nordeste. Os serviços, a indústria e a agropecuária figuram entre as atividades motoras desse dinamismo. Além disso, o estudo explicitou uma dicotomia: os municípios dinâmicos que sediam cidades intermediárias tendem a atrair tanto trabalhadores qualificados quanto imigrantes de baixa qualificação, o que faz aumentar a participação relativa de trabalhadores que não completaram o Ensino Fundamental, geralmente ocupados na construção civil, no “baixo” terciário e no mercado informal de trabalho3 . Diante disso, afigura-se importante conhecer mais de perto algumas das cidades que vêm participando da interiorização do dinamismo econômico e demográfico no Brasil atual por meio de pesquisa direta. Uma forma de identificar as localidades a serem trabalhadas nesse tipo de pesquisa consiste na seleção do conjunto mais dinâmico de cidades intermediárias, por meio da avaliação dos dados secundários relativos à expansão demográfica e econômica. Mais dinâmicas são as cidades cujos municípios sustentam continuadamente o crescimento demográfico e do emprego acima da média nacional por um período de tempo razoável. A seleção das cidades médias da pesquisa de campo, cada uma delas pertencentes a municípios com população superior a 50 mil e inferior a 750 mil habitantes no ano 2 A Relação Anual de Informações Sociais – RAIS é um banco de dados estatísticos sobre emprego e mercado de trabalho formal derivado de declaração obrigatória dos empregadores atendendo ao Decreto nº 76.900, de 23/12/75. É instrumento essencial ao planejamento de vários órgãos governamentais, tendo em vista o acompanhamento e controle: dos registros do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço); dos sistemas de arrecadação e de concessão e benefícios previdenciários; de estudos técnicos de natureza estatística e atuarial; de identificação do trabalhador com direito ao abono salarial; e da própria legislação trabalhista. 3 Esse estudo dos municípios brasileiros, com base na evolução das taxas de variação anual do emprego formal entre 1998 e 2006, apontou um conjunto de 1.185 municípios dinâmicos: os que apresentaram crescimento anual acima da média nacional em pelo menos seis dos oito períodos analisados. Confirmando as tendências de crescimento demográfico registradas nos últimos anos, observou-se que muitos desses municípios estão presentes nas regiões Norte e Centro-Oeste. Os dados sobre a origem desses trabalhadores mostraram que os fluxos mais expressivos, acima de cinco mil registros, são de curta distância e localizados dentro de áreas metropolitanas. Já os fluxos intermediários, entre mil e cinco mil pessoas, envolvem distâncias mais longas e põem em foco as saídas de migrantes das grandes capitais da região Sudeste. Ver Matos (2005); Matos e Ferreira (2004). 121 2000, envolveu os seguintes outros critérios: 4 a) estratificação dos municípios brasileiros dinâmicos, isto é: com crescimento demográfico positivo entre 1991 e 2000 e com crescimento positivo do emprego formal na maior parte dos anos que compõem o período 1991-2000 (dados da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS); b) Desse rol foram excluídos municípios integrantes das nove regiões metropolitanas brasileiras originais; c) também foi excluído o segundo município mais populoso integrante de uma mesma microrregião geográfica (conforme definição do IBGE). Os critérios b) e c) procuram respeitar o fator distância geográfica, a fim de selecionar cidades efetivamente polarizadoras, não afetadas diretamente pela proximidade física de uma metrópole ou centro urbano mais desenvolvido, capazes portanto de expressar de forma razoável a localização e dispersão geográfica das principais cidades médias do território brasileiro.
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