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Resenha Crítica Capitão Fantástico

Por:   •  9/9/2019  •  Resenha  •  2.449 Palavras (10 Páginas)  •  845 Visualizações

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Letícia Eloi Meira Fona

                           2017.1

RESENHA CRÍTICA SOBRE O FILME “CAPITÃO FANTÁSTICO”

                                       (CAPTAIN FANTASTIC) [pic 1]

     O filme “Capitão Fantástico” é uma produção cinematográfica indie de 2016, que chegou a concorrer ao Oscar de 2017, escrita e dirigida por Matt Ross. Essa obra nos permite para além de discutir temas como concepções do que é viver de forma “civilizada”, choque cultural, identidade e narrativa, nos traz a possibilidade de profunda reflexão sobre a vida e os padrões de como conduzi-la produzidos e impostos pela sociedade (no caso a ocidental). Durante o filme nos confrontamos com diferentes percepções do conceito de “normalidade”, de viver uma vida “normal” e somos levados a refletir como a visão do que é ser normal é uma construção histórica, social e cultural. O que é ser “normal”? Por que consideramos pessoas que optam por não adotar a nossa concepção de “normal” como estranhas? Será que não somos tão “estranhas” para elas quanto elas são para nós?

       O longa nos apresenta um casal que decidiu viver fora da sociedade capitalista e consumista americana, criando seus seis filhos em uma casa na floresta, onde estudavam, aprendiam a caçar, a lutar, a sobreviver. As crianças, educadas em casa, possuíam conhecimentos muito além do esperado para suas idades e se comparado com o que aprenderiam em um sistema educativo mais “tradicional”. Indo de física quântica até a constituição americana, as crianças possuíam os mais variados conhecimentos, demonstrando não haver inferioridade intelectual em seu modelo de educação, muito pelo contrário. É um choque para o espectador, que, em geral, não esperava ser confrontado com a ideia de crianças que vivem isoladas na floresta possuindo muito mais conhecimento do que o próprio teve em seu percurso tradicional de educação.  

        Já na primeira cena do filme percebemos o desejo do diretor/roteirista de conferir um choque cultural a quem está assistindo. Nessa cena observamos a família coberta de lama, e o filho mais velho caçando, apenas com uma faca, um cervo. Ao matá-lo, seu pai lhe dá o coração para que ele coma como um rito de passagem, afirma no momento que o filho havia se tornado “homem”. Nossa visão da cena é de que se constitui num rito “selvagem”, que rapidamente associamos a povos mais antigos e “menos civilizados”. Essa primeira cena é de extremo brilhantismo, pois desde o princípio do longa somos obrigados a ter em mente o que consideramos como “normal” e “estranho”, “civilizado” e “selvagem”; conceitos esses que serão trabalhados e desconstruídos durante todo o filme de forma expositiva e reflexiva.

        Essa primeira cena também nos leva a quebra da ideia de temporalidade que possuímos. Como é possível admitir que pessoas vivam sem os recursos tecnológicos que tanto consumimos, caçando seu próprio alimento, ao mesmo tempo em que nossa sociedade é tão “avançada” socialmente e tecnologicamente? O modo de se viver da família, em nossa percepção do tempo, da cronologia, não se encaixa com o “tempo atual”. Assim como nos sentimos incomodados ao perceber o alto nível de conhecimento da família, nos sentimos incomodados ao observar que seu modo de vida foi uma escolha frente ao modelo de sociedade em que vivemos hoje em dia. Como alguém poderia escolher viver no isolamento, sem recursos tecnológicos e sem as facilidades que o consumo nos oferece? Por que alguém decidiria abandonar um estilo de vida “normal” e “evoluído” como o da sociedade capitalista?

        É extremamente interessante como o filme trabalha as concepções de significação e significado, como existem diferentes percepções da mesma coisa para pessoas com culturas e identidades distintas. Acredito que esse é o grande ponto do filme, englobando todas as demais reflexões. Durante todo o tempo somos confrontados com uma visão distinta da nossa sobre a civilização capitalista, sobre modelo educacional, sobre a percepção do que é normalidade, nos levando a refletir sobre como formamos a nossa percepção (ou como a formaram por nós). Um exemplo dessa reflexão é a cena em que, indo para a cidade e passando por fazendas, uma das filhas se recusa a matar uma ovelha que estava pastando, parada. Em sua percepção seria uma crueldade, uma vez que o animal não havia instinto de fuga devido a sua criação para o posterior abate. Com essa cena podemos refletir que para nós é “selvagem” caçar um animal na floresta para servir de alimento, mas para a menina “selvagem” seria abater um animal sem lhe dar a possibilidade de lutar, fugir, para a sua sobrevivência. Portanto, para ela, a nossa indústria alimentícia que seria considerada selvagem. É possível perceber a diferente significação que damos ao que é agir de forma selvagem em relação a significação dada pela menina, ao mesmo que tempo que somos levados a refletir se não seríamos nós os verdadeiros “selvagens”.

       Retomando a história, descobrimos que a ausência da mãe se dá por sua internação na cidade devido a um quadro de grave transtorno bipolar, que colocava em risco a vida das crianças. Desesperado, Ben (o pai) havia solicitado a internação da esposa, acreditando que o tratamento médico seria a melhor chance de salvar sua esposa. Entretanto, a história em si do filme começa quando Ben descobre que a esposa (Leslie) se suicidou, passando a se culpar pela decisão de tê-la internado. A partir daí começa a jornada da família para cumprir os desejos finais da mãe, de ser cremada e ter sua vida celebrada, fato que contrariava a vontade dos avós, principalmente do avô, que culpava Ben pela morte da filha, não aceitava o modo de vida da família e não queria respeitar os desejos de sua filha para seu velório. Ao observar a diferença dos modos de vida das duas partes da mesma família, principalmente a distinção entre os avós e a mãe, que partindo do meio rico em que foi criada, decidiu abandonar seu modo de vida, sua carreira jurídica, para viver uma vida alternativa à imposta pela sociedade. Aqui percebemos não haver uma barreira consanguínea que seja determinante, Leslie construiu sua identidade usando a de seus pais como o referencial negativo, como o outro a quem ela queria se opor.

       A questão da identidade e da cultura é bem trabalhada durante todo o filme, a partir da oposição da família da floresta às pessoas da cidade. Na cena em que Bo conversa com Claire, uma garota que conhece em um acampamento de trailers, percebemos as distinções das identidades dos dois, de suas referências e suas áreas de conhecimento. Claire se espanta com a falta de conhecimento de Bo de referências da cultura popular americana, como o personagem Spock de “Star Trek”[1], enquanto ele não apenas não se espanta com o desconhecimento dela de referências literárias, como se questiona o que ele sabe do “mundo real”. Nesse momento observamos a dominância do discurso da cultura popular americana, no qual o desconhecimento de Bo é apresentado propositalmente como algo surpreendente e incomum. Nesse momento, assim como quando recebe suas aprovações para as principais universidades norte americanas, percebemos o desejo do personagem de conhecer mais daquele mundo estranho a ele e, até mesmo, de fazer parte do mesmo.

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