Resenha Ordem Mundial, Kissinger
Por: Roberta Küster • 24/4/2017 • Resenha • 5.254 Palavras (22 Páginas) • 1.613 Visualizações
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA - Campus Florianópolis, SC
Curso: Relações Internacionais Disciplina: História das Relações Internacionais Professor: Luciano Daudt da Rocha Acadêmico: Roberta Monteiro Florianópolis, 06 de abril de 2017.
KISSINGER, Henry. Ordem Mundial: Reflexões sobre o Carácter das Nações e o Curso da História. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2015.
A QUESTÃO DA ORDEM MUNDIAL
Depois de desgastes devidos a conflitos políticos e religiosos, difusão do protestantismo e o estado de “guerra total”, um acordo tratado na região alemã de Vestfália, que contou somente com representantes da Europa ocidental, não tendo conhecimento e nem presença de outros continentes ou civilizações, foi definido o que conhecemos hoje por “Ordem Mundial”, através desta conferência de paz adquirimos praticamente todas as características que formam o mundo contemporâneo. A paz vestfaliana trouxe características de um novo sistema de ordem internacional, se baseando num sistema de Estados Independentes através da balança de poder, visando nisso a diminuição de conflitos. Os elaboradores da Paz de Vestfália não teriam noção da proporção e do peso que esse tratado faria no mundo, tampouco os outros grandes centros de poder da época, que tinham princípios opostos aos de vestfália, como exemplo a Rússia. No século XVII, cada região seguia sua própria ordem, imaginando-a como modelo de organização para toda a humanidade, definindo as demais como “bárbaras”. A China mantinha sua ordem hierárquica desde o Império Romano, onde o para ela democracia se baseava em ter um Imperador capaz de defender seu povo e uma fartura econômica. No meio disso tudo encontrava-se o Conceito Islâmico de Ordem Mundial, que tinha sua própria religião, pretendendo unificar o mundo seguindo as palavras do profeta Maomé, ocupando a Ásia, parte da Europa e o norte da África. Enquanto do outro lado do Atlântico descobria-se um “Novo Mundo”. Os Estados Unidos se tornou defensor da ordem concebida pela Europa, tendo a visão de obtenção da paz por meio dos princípios democráticos. De todos os conceitos de ordem, apesar de não ser considerada uma ordem verdadeiramente global, a Paz de Vestfália é a única que possui reconhecimento geral. Se espalhou pelo mundo abrangendo múltiplas civilizações, através das expansões das nações Europeias. O sistema vestfaliano atual adota a política da “boa vizinhança”, buscando estabelecer medidas fixas de limite para guerra, caso essa venha acontecer, através de acordos internacionais e livre-comércio entre estados. No entanto, o sistema vestfaliano vem enfrentando desafios. Dois exemplos são: a guerra religiosa travada entre sunitas e xiitas vem destruindo toda uma região no Oriente Médio. E a contradição dos Estados Unidos em relação a Paz de Vestfália, que por um lado se auto declara peça fundamental na disseminação da ordem vestfaliana e ao mesmo tempo não adota os totais princípios da mesma, “Os Estados Unidos lutam para definir seu poder (ainda vasto) e os seus princípios” (página 15). A ordem precisa ser cultivada e não imposta, já que vivemos em um sistema diversificado. O consenso de ordem provém de um desejo de líderes e cidadãos, portanto ordem e liberdade devem caminhar juntas para alcançar equilíbrio. Cabe aos líderes colocar isto a sob a urgências do dia a dia. Referindo-se ao ultimo trecho do parágrafo anterior e concluindo legitimidade e poder, para que o equilíbrio seja colocado como prioridade, devemos entender três conceitos, primeiro o de ordem mundial, algo considerado justo por uma região/civilização e que é considerada por ela aplicável em todo o mundo; segundo, ordem internacional, é a aplicação dos conceitos considerados justos em apenas uma parte global; e o terceiro, ordem regional, segue envolvendo o mesmo conceito, mas desta vez aplicado a uma região especifica. Todos estes conceitos, tem como base regras e balança de poder. O equilíbrio entre legitimidade e poder é delicado, quanto menor a área a se aplicar e maior compatibilidade de crença dentro desta mesma área, mais fácil de se aplicar, por isso atualmente uma ordem global se torna tão complicada, devido as diversidades encontradas, a busca pela ordem global, necessita de integrações entre diferentes culturas, onde as realidades e crenças são grandiosamente diferentes.
CAPÍTULO I. EUROPA: A ORDEM INTERNACIONAL PLURALISTA
No Império Romano, a ordem era estabelecida por um Imperador, que demonstrava seu poder através de guerras, forte quando as ganhava, fraco quando as perdia. “Com o fim do Império Romano, o pluralismo tornou-se a característica definidora da ordem europeia.” (página 19). Apesar de ser uma civilização única, a Europa não possuía um governo único, as “ordens” mudavam de tempo em tempo, conforme as necessidades. Com a queda do Império Romano, em 476, um sentimento de nostalgia tomava a população, o que era tido como ruim para os historiadores, agora fazia falta. Nessa nova visão de mundo, havia na teoria uma Europa Cristã, o poder era divido entre igreja e governo, e todos estavam destinados a um Juízo Final, anulando então, o conceito de ordem. Dentro deste contexto, existia uma Igreja com autoridade limitada e uma guerra entre Reinos por poder. Em 800, o Papa Leão III coroou Carlos Magno como Imperador Romano, com a promessa de uma Europa totalmente Cristã e levando os ensinamentos da Igreja para além das fronteiras, foi lhe concedido parte Oriental do Antigo Império Romano, parte do Bizantino, contudo, ele fracassou logo no começo, nunca governou o Oriente e não conseguiu recuperar a Espanha, após sua morte, criaram o Sacro Império Romano-Germânico, referente as terras que lhe pertenciam, mas que também sem sucesso logo desapareceu. Diferente de outras civilizações, como a China com seu Imperador e o Islã com seu Califa, o Imperador do Sacro Império Germânico-Romano não possuía autoridade total, seu governo dependia da Igreja e de uma eleição. A ordem mundial até teve uma breve abertura com o governo do Príncipe Carlos (1500-1558) da dinastia Habsburgo, declarado oficialmente o sucessor de Carlos Magno, essa concentração de poder na mão de apenas um Imperador, se deu através de casamentos estratégicos. Doutrinando a América e extraindo suas riquezas, Carlos foi consagrado como “o maior imperador desde a divisão do Império em 843” trazendo uma dinastia única novamente. No fim, Carlos abdicou de seus títulos, destinando seus Reinos para filhos e seu irmão, reconheceu o Protestantismo como religião, e passou seus últimos dias em um mosteiro, no qual morreu em 1558, ele deixou um testamento que rompia com o que tinha feito nos últimos anos e pediu que seu filho redobrasse seu esforço. Seu governo teve como marco era dos descobrimentos, invenção da imprensa e cisma da igreja. Com as navegações as relações internacionais antes limitadas a Europa, agora se tornariam geograficamente globais; com acesso ao conhecimento através da prensa móvel, a crença na razão aumentava e questionava o que nunca antes fora questionado, “incluindo a até então intocável Igreja Católica”. (página 27); com a Reforma Protestante, marcada pelas teses de Martinho Lutero pregadas na parede da igreja, pode-se dizer que foi o estopim para o início da Guerra dos 30 anos e quebra da ordem mundial de “duas espadas” do papado e do império. Após um século de conflitos e com a Europa devastada, surge a Paz de Vestfália, um novo conceito de ordem internacional. Ao contrário de outros acordos, esse tratado teve uma conferência informal, de diferentes locais cada grupo participante assinou o acordo e os representantes se encontravam em zonas neutras e comuns para reuniões. Enquanto isso estava sendo derramado muito sangue no território Gemânico-Romano, em vista de todos os outros rastros que essas guerras já tinham deixado, estava claro que esse acordo se dava entre “rivais”. Depois de outros acordos terem sido atropelados pela ambição e desejos particulares de seus governantes, e apesar de nunca ter havido uma conferência formal, a paz de Vestfália é o documento diplomático mais importante da história. Apesar de divergências e contradições entre os participantes do tratado, eles proclamavam o mesmo objetivo “paz e amizade cristã, universal, perpétua, verdadeira e sincera.” (página 32), mas nenhuma das partes escondia defender apenas os seus próprios interesses. Levados a este acordo por motivos de exaustão e ambição, agora estava estabelecido a igualdade entre todos os países, os mesmos direitos para grandes e pequenas potências, cada estado tinha sua soberania, religião, e estavam imunes de qualquer intervenção, em um senso comum de evitar uma guerra total que colaboraria para a destruição de toda uma civilização, nascia o sistema de “Relações Internacionais”, com direito de ter em outro estado um diplomata instalado para assegurar que a paz se mantivesse. A principal característica deste sistema, é que agora um cidadão poderia exercer seus costumes, religião e praticas internas no exterior sem ser “lesado”, contando com a proteção do sistema internacional. A ordem Vestfaliana tomava grandes proporções e no século XX já havia se expandido por todos os continentes, onde até hoje está presente. Agora movida pela balança de poder e não mais por Imperador/Igreja, a nova definição é de “neutralidade ideológica e a capacidade de adaptação a circunstancias em constante mudança.” (página 34) Atualmente esses “conceitos” são considerados manipulação de poder acima da ordem moral. Contudo, este ainda foi o primeiro tratado a impor ordem e limites, depois de guerras por motivos religiosos e interesses próprios, ela era considerada um avanço, mesmo que viessem a ocorrer futuros conflitos, estes agora teriam limites. “Num primeiro momento, a Paz da Vestfália implementou um mundo Hobbesiano.” (página 38) Logo após se implementou um sistema de balança de poder, quem fosse contra a paz provocaria toda uma população unida pelo equilíbrio. No século XVIII a Grã-Bretanha fazia o papel que os Estados Unidos faz atualmente, no controle dos mares, ela manteve o equilíbrio de poder não permitindo nenhuma hegemonia de outro país. Enquanto a Inglaterra garantia a balança geral, a frança lutava na balança da Europa Central contra uma emergência da Alemanha. Durante duzentos anos essas duas potencias garantiram a estabilidade dentro de toda Europa. A balança de poder vestfaliana conseguiu aniquilar a tentativa de hegemonia da França, sob o controle de Luís XIV, que apesar de seguir ganhando muitas guerras acabou sendo derrotado por “uma Europa que buscava sua ordem na diversidade.” (página 41) Enquanto a França buscava hegemonia, a Prússia de Frederico II almejava se tornar uma das grandes potências, usando o argumento de superioridade ele dobrou o território Pruciano numa aliança com a França em 1742, com isso ele acabou trazendo o espírito de guerra para a Europa novamente e após sete anos de conflito e uma primeira intervenção da Russia na balança de poder, Frederico foi rendido, deixando claro que “o sistema não toleraria aspirações hegemônicas.” (página 44) As ordens internacionais mais estáveis provieram de pensamentos comuns, de uma mesma cultura, língua e classe social e casamentos entre integrantes de diferentes países só fortaleciam isso. Na era do iluminismo a Europa viveu um período de estabilidade, onde a razão se colocava acima de disputas entre religiões, o conceito de homem como o fator principal ganhava força e diversos pensadores da época traziam cada vez mais a tona esse sentimento. O mundo estava caminhando para “a paz e a ordem” e cabia ao povo decidir entre o caminho da razão ou o caminho das guerras que devastariam toda a humanidade. O racionalismo seguido pelos Iluministas da época, involuntariamente, contribuiu para o mundo e segue contribuindo até hoje.
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