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A Lei E A Internação Compulsória

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Por:   •  1/12/2014  •  2.190 Palavras (9 Páginas)  •  362 Visualizações

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Em artigo publicado no jornal O Popular deste sábado, a juíza Sirley Martins da Costa , da 1ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, aborda a falta de informação sobre a lei que dispõe sobre internação compulsória e os equívocos observados nos pedidos endereçados ao Poder Judiciário.

Muitos pedidos de internação compulsória apresentados ao Judiciário, nos últimos meses, quase sempre em razão da dependência do crack, têm se mostrado desnecessários. Outro equívoco que se percebe é a acumulação dos pedidos de internação com a interdição por incapacidade, quando há familiar para assumir a curatela e pedir a internação. A questão da internação do paciente acometido de transtorno mental é regida pela Lei10.216/2001, que representou um março no processo de valorização da vontade do paciente, mesmo tendo reconhecido que, momentaneamente, a expressão da vontade pode não ser possível. Prevê o parágrafo único do artigo 6º da mencionada Lei que há três tipos de internação psiquiátrica: 1)-voluntária, solicitada pelo paciente; 2)- involuntária, pedida por terceiro; e 3)-compulsória, “aquela determinada pela Justiça”. Obviamente, a necessidade de internação, em qualquer modalidade, será sempre avaliada por médico.

A lei citada acima afirma que a internação involuntária pode ser pedida por “terceiro”. Penso que as pessoas habilitadas a formularem o requerimento são, por analogia, as mesmas previstas no Art. 1.768 do CC, a saber: pais ou tutores, cônjuge (ou companheiro), ou por qualquer parente.

Sem adentrar na questão de haver ou não um problema epidêmico relativo ao uso do crack, o certo é que para que haja a internação involuntária, basta que um familiar formule o requerimento na unidade hospitalar e que o médico a autorize (Art. 8º da Lei10.216/2001).

Quando o pedido de internação for feito por terceiro, entendido como tal o familiar, o requerimento deve ser administrativo e apresentado diretamente no estabelecimento de internação, ou no centro de regulação, no caso do Sistema Único de Saúde (SUS). Não há necessidade de intervenção Judicial ou do Ministério Público para que haja a internação involuntária. Apenas é preciso que o estabelecimento hospitalar comunique ao Ministério Público, em 72 horas, na forma da referida lei.

A internação compulsória está prevista na lei para aplicação naquelas situações em que há necessidade de intervenção estatal (questão de saúde pública), mas não há solicitação de familiar para a internação. Nestes casos, tanto o Ministério Público quanto o setor próprio da área de saúde pública podem formular ao Judiciário o pedido de internação compulsória do paciente.

O pedido de internação compulsória deve ser direcionado ao Juiz da Vara de Família, pois o fundamento do pedido é o fato de o usuário de substância entorpecente estar impossibilitado, momentaneamente, de decidir acerca do próprio interesse, no caso sua saúde. De qualquer forma, a medida, deferida em caráter emergencial e temporária, deve preceder de manifestação do Ministério Público e será sempre deferida no intuito de proteger o interesse do usuário. O magistrado jamais deve fixar o tempo da internação, pois caberá ao especialista responsável pelo tratamento decidir sobre o término da internação (§ 2º do Art. 8º).

A internação (involuntária ou compulsória) deve ser mais breve possível, pois, o quanto antes, o paciente deve ser formalmente cientificado dos direitos previstos noparágrafo único do Art. 2º da Lei 10.216/2001, mormente o direito previsto no inciso V: “ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária.”

A internação (involuntária ou compulsória) não deve estar atrelada à interdição, pois esta é medida muito mais drástica que a internação. Somente se cuida de interdição quando constatado que o tratamento foi ineficaz e que a dependência química resultou em incapacidade para os atos da vida civil. Aliás, prevê o artigo 4º, II do CC, que os viciados em tóxicos são “incapazes relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer”. Logo, em caso de declaração da incapacidade devido à dependência química, a sentença deve especificar os limites da incapacidade.

Muitos pedidos de internação, visam, na verdade, a entrada dos pacientes em estabelecimentos hospitalares, por força de ordem judicial, sem observância à regulação do SUS. De fato, em vários Estados da Federação a falta de vagas no Sistema Único de Saúde é problema que agrava ainda mais a situação do usuário de substâncias entorpecentes.

Contudo, o problema não pode ser enfrentado com pedido judicial de internação compulsória, que visa quase sempre desrespeitar a regulação do SUS. É necessário tomar cuidado para não se desvirtuar o foco de enfrentamento do problema.

Pode-se argumentar que a intervenção judicial se faz necessária para o uso de força quando o paciente resistir à internação. Contudo, uma vez autorizada a internação (involuntária ou compulsória), cabe ao SUS providenciar a entrada do paciente no hospital, o que, por certo, deve ser feito com atuação dos agentes do SAMU. Tais providências são de saúde pública e não exigem atuação do Poder Judiciário.

O Ministério Público pode buscar o enfrentamento do problema público relativo à falta de vagas e regulamentação de ações no SUS, por meio de ajustamento de condutas ou proposituras de ações para obrigar o poder público (SUS) a regulamentar a internação e a oferta das vagas necessárias. O tema é polêmico por entrar na esfera de deliberação administrativa do executivo, questão esta que não vou aqui tratar.

Se a medida judicial busca tratar da obrigação estatal de fornecer tratamento médico, a causa de pedir é outra e, neste caso, a competência para julgamento é do juízo das fazendas públicas, estadual, municipal, ou mesmo da Justiça Federal, dependendo da situação.

A falta de informação acerca das disposições previstas nas normas pode estar dificultando o enfrentamento do problema, até mesmo porque são muitas as Portarias do Ministério da Saúde a cuidar do tema, gerando um verdadeiro emaranhado. Deste modo, acredito que se faz necessário, e mais que urgente, o lançamento de uma cartilha explicativa, tratando, dentre outros, dos seguintes pontos: locais onde se deve buscar tratamento (capital e interior), pessoas habilitadas a fazê-lo, tipos de internação, procedimento a ser adotado pela instituição hospitalar quando das internações, direitos dos pacientes e familiares, pois além dos direitos aqui mencionados há vários outros descritos na Portaria 3.088/2011 do Ministério da Saúde, a qual faz referência a todas as normas relativas ao enfrentamento do transtorno mental por uso de substância entorpecente.

Drogas como o crack agem de maneira tão agressiva no corpo do usuário que não permitem que ele entenda a gravidade de sua situação e o quanto seu comportamento pode ser nocivo para ele mesmo e para os outros. Foi com base nessa ideia que o deputado federal Eduardo Da Fonte (PP-PE) apresentou em março deste ano uma proposta de política pública que prevê a internação compulsória temporária de dependentes químicos segundo indicação médica após o paciente passar por avaliação com profissionais da saúde. A internação contra a vontade do paciente está prevista no Código Civil desde 2001, pela Lei da Reforma Psiquiátrica 10.216, mas a novidade agora é que o procedimento seja adotado não caso a caso, mas como uma política de saúde pública – o que vem causando polêmica. Aqueles que se colocam a favor do projeto argumentam que um em cada dois dependentes químicos apresenta algum transtorno mental, sendo o mais comum a depressão. A base são estudos americanos como o do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), de 2005. Mas vários médicos, psicólogos e instituições como os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), contrários à solução, contestam esses dados.

Os defensores da internação compulsória afirmam que o consumo de drogas aumentou no país inteiro e são poucos os resultados das ações de prevenção ao uso. A proposta tem o apoio do ministro da Saúde Alexandre Padilha, que acredita que profissionais da saúde poderão avaliar adultos e crianças dependentes químicos para colocá-los em unidades adequadas de tratamento, mesmo contra a vontade dessas pessoas. O ministro acrescenta que a medida já é praticada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Conselho Federal de Medicina (CFM) também é a favor da medida. Durante a reunião de apresentação do relatório de políticas sociais para dependentes de drogas, o representante do CFM Emmanuel Fortes corroborou a proposta de internação compulsória nos casos em que há risco de morte, ressaltando que a medida já é praticada no país.

De fato, de acordo com Relatório da 4a Inspeção Nacional de Direitos Humanos (que pode ser consultado, apesar de a lei no 10.216 prever a internação compulsória como medida a ser adotada por um juiz, o que se vê na prática com os usuários de álcool e outras drogas contraria a lei, pois introduz a aplicação de medida fora do processo judicial. Maus-tratos, violência física e humilhações são constantes nessas situações. Há registros de tortura física e psicológica e relatos de casos de internos enterrados até o pescoço, obrigados a beber água de vaso sanitário por haver desobedecido a uma norma ou, ainda, recebendo refeições preparadas com alimentos estragados.

DE TRÊS FORMAS

Atualmente estão previstos três tipos de internação: voluntária, involuntária e compulsória. A primeira pode ocorrer quando o tratamento intensivo é imprescindível e, nesse caso, a pessoa aceita ser conduzida ao hospital geral por um período de curta duração. A decisão é tomada de acordo com a vontade do paciente. No caso da involuntária, ela é mais frequente em caso de surto ou agressividade exagerada, quando o paciente precisa ser contido, às vezes até com camisa de força. Nas duas situações é obrigatório o laudo médico corroborando a solicitação, que pode ser feita pela família ou por uma instituição. Há ainda a internação compulsória, que tem como diferencial a avaliação de um juiz, usada nos casos em que a pessoa esteja correndo risco de morte devido ao uso de drogas ou de transtornos mentais. Essa ação, usada como último recurso, ocorre mesmo contra a vontade do paciente.

CASO A CASO

Para a secretária adjunta Paulina do Carmo Duarte, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), o discurso que circula sobre epidemia do crack não está de acordo com a realidade. “Há no imaginário popular a ideia equivocada de que o Brasil está tomado pelo crack, mas o que existe é o uso em pontos específicos que pode ser combatido com atendimento na rua, não com abordagem higienista, com o mero recolhimento de usuários.” Dados do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid) revelam que 12% dos paulistanos são dependentes de álcool e apenas 0,05% usa crack. A psicóloga Marília Capponi, conselheira e representante do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), aponta que, apesar dos dados, o crack tem sido tratado como epidemia em todo o território nacional nos últimos anos, e com isso tem sido disseminada a necessidade de uma resposta emergencial para resolver a questão, o que referenda a internação compulsória. Marília, que também é cordenadora de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), argumenta, porém, que essa é uma propaganda falaciosa. Estudos desenvolvidos em centros de pesquisa de várias partes do mundo mostram que de todas as pessoas que se submetem a tratamento para se livrar das drogas, apenas 30% conseguem deixar a dependência; mas o acompanhamento dos casos mostra que é imprescindível o tratamento específico e muito esforço multiprofissional.

O sistema de conselhos de psicologia acredita que a medida fere os direitos humanos e tenta destruir o movimento da reforma psiquiátrica. Defende que não basta reconhecer a insuficiência da rede de saúde na administração das necessidades dos que dependem de drogas, mas estabelecer o compromisso de ampliá-la com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Os especialistas acreditam que a opção pela internação em instituição terapêutica deve ser considerada e respeitada, mas desde que seja avaliada caso a caso – e jamais adotada como uma política pública.

“Trabalhadores, gestores e usuários do SUS mobilizaram-se a favor da defesa dos direitos humanos e do tratamento em serviços abertos e articulados com a Rede Antimanicomial. Fica claro que as comunidades terapêuticas não são aceitas pelos que constroem o SUS. Elas se constituem em serviços que se organizam a partir de pressupostos morais e religiosos que ainda persistem devido à correlação de forças nas diferentes instâncias dos legislativos, executivos e judiciários do nosso país”, afirma Marília Capponi. Outro estudo, feito pelo psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) Dartiu Xavier da Silveira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que apenas 2% dos pacientes internados contra a vontade têm sucesso no tratamento e 98% deles reincidem. “A porcentagem de fracassos é alta demais para que a medida seja adotada como política pública no enfrentamento do crack”, afirma Marília.

Enquanto se discute a questão, dois usuários de crack são internados involuntariamente todos os dias em São Paulo. Entre pessoas dependentes dessa e de outras drogas e a pacientes psiquiátricos, o número de encaminhados para instituições terapêuticas contra a própria vontade nos últimos oito anos passa dos 32 mil, segundo dados do Ministério Público. Marília garante que as experiências relatadas por quem já passou pela internação forçada são desumanas. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem proposto debates para discutir formas de enfrentamento do uso abusivo de álcool e drogas ilegais, argumentando que o problema tem raízes na desigualdade social e que apenas articulações em rede, da qual participem diversos setores e instituições sociais, podem ser eficazes para resolver a questão.

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