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Por:   •  21/3/2015  •  8.297 Palavras (34 Páginas)  •  298 Visualizações

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INTRODUÇÃO AOS PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS

PARÂMETROS

CURRICULARES

NACIONAIS

Secretaria de Educação Fundamental

Iara Glória Areias Prado

Departamento de Política da Educação Fundamental

Virgínia Zélia de Azevedo Rebeis Farha

Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas da Educação Fundamental

Maria Inês Laranjeira

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (1ª A 4ª SÉRIE)

Volume 1 - Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais

Volume 2 - Língua Portuguesa

Volume 3 - Matemática

Volume 4 - Ciências Naturais

Volume 5 - História e Geografia

Volume 6 - Arte

Volume 7 - Educação Física

Volume 8 - Apresentação dos Temas Transversais e Ética

Volume 9 - Meio Ambiente e Saúde

Volume 10 - Pluralidade Cultural e Orientação Sexual

B823p Brasil. Secretaria de Educação Fundamental.

Parâmetros curriculares nacionais : introdução aos

parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de

Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.

126p.

1. Parâmetros curriculares nacionais. 2. Ensino de

primeira à quarta série. I. Título.

CDU: 371.214

Brasília

1997

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

INTRODUÇÃO AOS PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS

PARÂMETROS

CURRICULARES

NACIONAIS

AO PROFESSOR

É com alegria que colocamos em suas mãos os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes às

quatro primeiras séries da Educação Fundamental.

Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço diário de

fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos

plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade.

Sabemos que isto só será alcançado se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos

recursos culturais relevantes para a conquista de sua cidadania. Tais recursos incluem tanto os

domínios do saber tradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupações contemporâneas

com o meio ambiente, com a saúde, com a sexualidade e com as questões éticas relativas à

igualdade de direitos, à dignidade do ser humano e à solidariedade.

Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação e do Desporto, ao consolidar os

Parâmetros, é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como

cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

Para fazer chegar os Parâmetros à sua casa um longo caminho foi percorrido. Muitos

participaram dessa jornada, orgulhosos e honrados de poder contribuir para a melhoria da qualidade

do Ensino Fundamental. Esta soma de esforços permitiu que eles fossem produzidos no contexto das

discussões pedagógicas mais atuais. Foram elaborados de modo a servir de referencial para o seu

trabalho, respeitando a sua concepção pedagógica própria e a pluralidade cultural brasileira. Note

que eles são abertos e flexíveis, podendo ser adaptados à realidade de cada região.

Estamos certos de que os Parâmetros serão instrumento útil no apoio às discussões pedagógicas

em sua escola, na elaboração de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobre

a prática educativa e na análise do material didático. E esperamos, por meio deles, estar contribuindo

para a sua atualização profissional — um direito seu e, afinal, um dever do Estado.

Paulo Renato Souza

Ministro da Educação e do Desporto

Apresentação i .......................................................................................................... 9

Considerações Preliminares i ............................................................................... 13

O que são os Parâmetros Curriculares Nacionais ................................................... 13

Breve histórico ........................................................................................................ 14

O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais ...................... 17

A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais em face da situação

do ensino fundamental i ....................................................................................... 19

Número de alunos e de estabelecimentos ............................................................ 19

Promoção, repetência e evasão .......................................................................... 22

Desempenho ......................................................................................................... 27

Professores ............................................................................................................. 29

Princípios e fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionaisi ...................... 33

Natureza e função dos Parâmetros Curriculares Nacionais .................................... 35

Fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais ............................................ 38

A tradição pedagógica brasileira .................................................................... 38

Escola e constituição da cidadania ................................................................ 44

Escola: uma construção coletiva e permanente ............................................. 48

Aprender e ensinar, construir e interagir ............................................................ 50

Organização dos Parâmetros Curriculares Nacionais i .................................. 57

A organização da escolaridade em ciclos ............................................................ 59

A organização do conhecimento escolar: Áreas e Temas Transversais .................. 62

Objetivos i ................................................................................................................. 67

Conteúdos i .............................................................................................................. 73

Avaliação i ............................................................................................................... 81

Orientações para avaliação ................................................................................. 84

Critérios de avaliação ............................................................................................ 86

Decisões associadas aos resultados da avaliação ................................................ 88

As avaliações oficiais: boletins e diplomas ............................................................. 90

Orientações didáticas i ......................................................................................... 93

Autonomia ............................................................................................................. 94

Diversidade ............................................................................................................ 96

Interação e cooperação ...................................................................................... 97

Disponibilidade para a aprendizagem ................................................................... 99

Organização do tempo ....................................................................................... 102

Organização do espaço ..................................................................................... 103

Seleção de material ............................................................................................ 104

Considerações finais ............................................................................................ 105

Objetivos Gerais do Ensino Fundamental i...................................................... 107

Estrutura organizacional dos Parâmetros Curriculares Nacionais i ........... 109

Bibliografia i ........................................................................................................... 113

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Professor,

Você está recebendo uma coleção de dez volumes que compõem os Parâmetros Curriculares

Nacionais organizados da seguinte forma:

- um documento Introdução, que justifica e fundamenta as opções feitas para a elaboração

dos documentos de áreas e Temas Transversais;

- seis documentos referentes às áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática,

Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física;

- três volumes com seis documentos referentes aos Temas Transversais: o primeiro volume

traz o documento de apresentação destes Temas, que explica e justifica a proposta de integrar

questões sociais como Temas Transversais e o documento Ética; no segundo, encontram-se os

documentos de Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, e no terceiro, os de Meio Ambiente e

Saúde.

Para garantir o acesso a este material e seu melhor aproveitamento, o MEC coloca à disposição

de cada educador seu próprio exemplar, para que possa lê-lo, consultá-lo, grifá-lo, fazer suas anotações

e utilizá-lo como subsídio na formulação do projeto educativo de sua escola.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, referenciais para a renovação e reelaboração da proposta

curricular, reforçam a importância de que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por

toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resulte da co-responsabilidade entre todos os

educadores. A forma mais eficaz de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais envolve o

debate em grupo e no local de trabalho.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao reconhecerem a complexidade da prática educativa,

buscam auxiliar o professor na sua tarefa de assumir, como profissional, o lugar que lhe cabe pela

responsabilidade e importância no processo de formação do povo brasileiro.

Dada a abrangência dos assuntos abordados e a forma como estão organizados, os Parâmetros

Curriculares Nacionais podem ser utilizados com objetivos diferentes, de acordo com a necessidade de

cada realidade e de cada momento. É possível iniciar a leitura por diferentes partes dos documentos,

mas reforçamos a necessidade de, com o tempo, se tomar em conta a totalidade deles para poder

haver uma compreensão e apropriação da proposta. Os Parâmetros Curriculares Nacionais auxiliam o

professor na tarefa de reflexão e discussão de aspectos do cotidiano da prática pedagógica, a serem

transformados continuamente pelo professor. Algumas possibilidades para sua utilização são:

• rever objetivos, conteúdos, formas de encaminhamento das atividades, expectativas

de aprendizagem e maneiras de avaliar;

• refletir sobre a prática pedagógica, tendo em vista uma coerência com os objetivos

propostos;

• preparar um planejamento que possa de fato orientar o trabalho em sala de aula;

• discutir com a equipe de trabalho as razões que levam os alunos a terem maior ou

menor participação nas atividades escolares;

• identificar, produzir ou solicitar novos materiais que possibilitem contextos mais significativos

de aprendizagem;

• subsidiar as discussões de temas educacionais com os pais e responsáveis.

O nosso objetivo é contribuir, de forma relevante, para que profundas e imprescindíveis

transformações, há muito desejadas, se façam no panorama educacional brasileiro, e posicionar

você, professor, como o principal agente nessa grande empreitada.

Secretaria de Educação Fundamental

INTRODUÇÃO AOS PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS

13

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O que são os Parâmetros

Curriculares Nacionais

Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educação

no Ensino Fundamental em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos

no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando

a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram

mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual.

Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões

regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional

empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram,

portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência

político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do

País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas.

O conjunto das proposições aqui expressas responde à necessidade de referenciais a partir

dos quais o sistema educacional do País se organize, a fim de garantir que, respeitadas as diversidades

culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade múltipla, estratificada

e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no processo de construção da cidadania, tendo

como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios

democráticos. Essa igualdade implica necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos,

entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes.

Entretanto, se estes Parâmetros Curriculares Nacionais podem funcionar como elemento

catalisador de ações na busca de uma melhoria da qualidade da educação brasileira, de modo algum

pretendem resolver todos os problemas que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem no

País. A busca da qualidade impõe a necessidade de investimentos em diferentes frentes, como a

formação inicial e continuada de professores, uma política de salários dignos, um plano de carreira,

a qualidade do livro didático, de recursos televisivos e de multimídia, a disponibilidade de materiais

didáticos. Mas esta qualificação almejada implica colocar também, no centro do debate, as atividades

escolares de ensino e aprendizagem e a questão curricular como de inegável importância para a

política educacional da nação brasileira.

Breve histórico

Até dezembro de 1996 o ensino fundamental esteve estruturado nos termos previstos

pela Lei Federal n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa lei, ao definir as diretrizes e bases da

educação nacional, estabeleceu como objetivo geral, tanto para o ensino fundamental (primeiro

grau, com oito anos de escolaridade obrigatória) quanto para o ensino médio (segundo grau, nãoobrigatório),

proporcionar aos educandos a formação necessária ao desenvolvimento de suas

potencialidades como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício

consciente da cidadania.

Também generalizou as disposições básicas sobre o currículo, estabelecendo o núcleo comum

obrigatório em âmbito nacional para o ensino fundamental e médio. Manteve, porém, uma parte

diversificada a fim de contemplar as peculiaridades locais, a especificidade dos planos dos

estabelecimentos de ensino e as diferenças individuais dos alunos. Coube aos Estados a formulação

de propostas curriculares que serviriam de base às escolas estaduais, municipais e particulares

situadas em seu território, compondo, assim, seus respectivos sistemas de ensino. Essas propostas

14

foram, na sua maioria, reformuladas durante os anos 80, segundo as tendências educacionais que se

generalizaram nesse período.

Em 1990 o Brasil participou da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien,

na Tailândia, convocada pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Dessa conferência, assim

como da Declaração de Nova Delhi — assinada pelos nove países em desenvolvimento de maior

contingente populacional do mundo —, resultaram posições consensuais na luta pela satisfação das

necessidades básicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educação

fundamental e de ampliar as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos.

Tendo em vista o quadro atual da educação no Brasil e os compromissos assumidos

internacionalmente, o Ministério da Educação e do Desporto coordenou a elaboração do Plano

Decenal de Educação para Todos (1993-2003), concebido como um conjunto de diretrizes políticas

em contínuo processo de negociação, voltado para a recuperação da escola fundamental, a partir do

compromisso com a eqüidade e com o incremento da qualidade, como também com a constante

avaliação dos sistemas escolares, visando ao seu contínuo aprimoramento.

O Plano Decenal de Educação, em consonância com o que estabelece a Constituição de

1988, afirma a necessidade e a obrigação de o Estado elaborar parâmetros claros no campo curricular

capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos ideais

democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras.

Nesse sentido, a leitura atenta do texto constitucional vigente mostra a ampliação das

responsabilidades do poder público para com a educação de todos, ao mesmo tempo que a Emenda

Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996, priorizou o ensino fundamental, disciplinando a

participação de Estados e Municípios no tocante ao financiamento desse nível de ensino.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n. 9.394), aprovada em

20 de dezembro de 1996, consolida e amplia o dever do poder público para com a educação em

geral e em particular para com o ensino fundamental. Assim, vê-se no art. 22 dessa lei que a educação

básica, da qual o ensino fundamental é parte integrante, deve assegurar a todos “a formação comum

indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em

estudos posteriores”, fato que confere ao ensino fundamental, ao mesmo tempo, um caráter de

terminalidade e de continuidade.

Essa LDB reforça a necessidade de se propiciar a todos a formação básica comum, o que

pressupõe a formulação de um conjunto de diretrizes capaz de nortear os currículos e seus conteúdos

mínimos, incumbência que, nos termos do art. 9º, inciso IV, é remetida para a União. Para dar conta

desse amplo objetivo, a LDB consolida a organização curricular de modo a conferir uma maior

flexibilidade no trato dos componentes curriculares, reafirmando desse modo o princípio da base

nacional comum (Parâmetros Curriculares Nacionais), a ser complementada por uma parte

diversificada em cada sistema de ensino e escola na prática, repetindo o art. 210 da Constituição

Federal.

Em linha de síntese, pode-se afirmar que o currículo, tanto para o ensino fundamental quanto

para o ensino médio, deve obrigatoriamente propiciar oportunidades para o estudo da língua

portuguesa, da matemática, do mundo físico e natural e da realidade social e política, enfatizandose

o conhecimento do Brasil. Também são áreas curriculares obrigatórias o ensino da Arte e da

Educação Física, necessariamente integradas à proposta pedagógica. O ensino de pelo menos uma

língua estrangeira moderna passa a se constituir um componente curricular obrigatório, a partir da

quinta série do ensino fundamental (art. 26, § 5o). Quanto ao ensino religioso, sem onerar as despesas

públicas, a LDB manteve a orientação já adotada pela política educacional brasileira, ou seja, constitui

disciplina dos horários normais das escolas públicas, mas é de matrícula facultativa, respeitadas as

preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis (art. 33).

15

O ensino proposto pela LDB está em função do objetivo maior do ensino fundamental, que é o

de propiciar a todos formação básica para a cidadania, a partir da criação na escola de condições de

aprendizagem para:

“I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio

da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e

dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de

conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância

recíproca em que se assenta a vida social” (art. 32).

Verifica-se, pois, como os atuais dispositivos relativos à organização curricular da educação

escolar caminham no sentido de conferir ao aluno, dentro da estrutura federativa, efetivação dos

objetivos da educação democrática.

O processo de elaboração dos Parâmetros

Curriculares Nacionais

O processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais teve início a partir do estudo

de propostas curriculares de Estados e Municípios brasileiros, da análise realizada pela Fundação

Carlos Chagas sobre os currículos oficiais e do contato com informações relativas a experiências de

outros países. Foram analisados subsídios oriundos do Plano Decenal de Educação, de pesquisas

nacionais e internacionais, dados estatísticos sobre desempenho de alunos do ensino fundamental,

bem como experiências de sala de aula difundidas em encontros, seminários e publicações.

Formulou-se, então, uma proposta inicial que, apresentada em versão preliminar, passou por um processo

de discussão em âmbito nacional, em 1995 e 1996, do qual participaram docentes de universidades públicas

e particulares, técnicos de secretarias estaduais e municipais de educação, de instituições representativas de

diferentes áreas de conhecimento, especialistas e educadores. Desses interlocutores foram recebidos aproximadamente

setecentos pareceres sobre a proposta inicial, que serviram de referência para a sua

reelaboração.

A discussão da proposta foi estendida em inúmeros encontros regionais, organizados pelas

delegacias do MEC nos Estados da federação, que contaram com a participação de professores do

ensino fundamental, técnicos de secretarias municipais e estaduais de educação, membros de

conselhos estaduais de educação, representantes de sindicatos e entidades ligadas ao magistério.

Os resultados apurados nesses encontros também contribuíram para a reelaboração do documento.

Os pareceres recebidos, além das análises críticas e sugestões em relação ao conteúdo dos

documentos, em sua quase-totalidade, apontaram a necessidade de uma política de implementação

da proposta educacional inicialmente explicitada. Além disso, sugeriram diversas possibilidades de

atuação das universidades e das faculdades de educação para a melhoria do ensino nas séries iniciais,

as quais estão sendo incorporadas na elaboração de novos programas de formação de professores,

vinculados à implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

16

17

A PROPOSTA DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS EM

FACE DA

SITUAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Durante as décadas de 70 e 80 a tônica da política educacional brasileira recaiu sobre a

expansão das oportunidades de escolarização, havendo um aumento expressivo no acesso à escola

básica. Todavia, os altos índices de repetência e evasão apontam problemas que evidenciam a

grande insatisfação com o trabalho realizado pela escola.

Indicadores fornecidos pela Secretaria de Desenvolvimento e Avaliação Educacional (Sediae), do

Ministério da Educação e do Desporto, reafirmam a necessidade de revisão do projeto educacional do País,

de modo a concentrar a atenção na qualidade do ensino e da aprendizagem.

Número de alunos e de estabelecimentos

A oferta de vagas está praticamente universalizada no País. O maior contingente de crianças

fora da escola encontra-se na região Nordeste. Nas regiões Sul e Sudeste há desequilíbrios na

localização das escolas e, no caso das grandes cidades, insuficiência de vagas, provocando a existência

de um número excessivo de turnos e a criação de escolas unidocentes ou multisseriadas.

Em 1994, os 31,2 milhões de alunos do ensino fundamental concentravam-se predominantemente nas

regiões Sudeste (39%) e Nordeste (31%), seguidas das regiões Sul (14%), Norte (9%) e Centro-Oeste

(7%), conforme indicado no gráfico 1.

Gráfico 1

ENSINO FUNDAMENTAL

Distribuição da Matrícula por Região

A maioria absoluta dos alunos freqüentava escolas públicas (88,4%) localizadas em áreas

urbanas (82,5%), como resultado do processo de urbanização do País nas últimas décadas, e da

crescente participação do setor público na oferta de matrículas. O setor privado responde apenas

por 11,6% da oferta, em conseqüência de sua participação declinante desde o início dos anos 70.

No que se refere ao número de estabelecimentos de ensino, ao todo 194.487, mais de 70% das escolas

são rurais, apesar de responderem por apenas 17,5% da demanda de ensino fundamental. Na verdade, as

escolas rurais concentram-se sobretudo na região Nordeste (50%), não só em função de suas características

socioeconômicas, mas também devido à ausência de planejamento do processo de expansão da rede física

(gráfico 2).

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

18

Gráfico 2

ENSINO FUNDAMENTAL

Distribuição dos Estabelecimentos por Localização

BRASIL - 1994

ENSINO FUNDAMENTAL

Distribuição de Matrícula por Localização

BRASIL - 1994

A situação mostra-se grave ao se observar a evolução da distribuição da população por nível

de escolaridade. Se é verdade que houve considerável avanço na escolaridade correspondente à

primeira fase do ensino fundamental (primeira a quarta séries), é também verdade que em relação

aos demais níveis de ensino a escolaridade ainda é muito insuficiente: em 1990, apenas 19% da

população do País possuía o primeiro grau completo; 13%, o nível médio; e 8% possuía o nível

superior. Considerando a importância do ensino fundamental e médio para assegurar a formação de

cidadãos aptos a participar democraticamente da vida social, esta situação indica a urgência das

tarefas e o esforço que o estado e a sociedade civil deverão assumir para superar a médio prazo o

quadro existente.

Além das imensas diferenças regionais no que concerne ao número médio de anos de estudo,

que apontam a região Nordeste bem abaixo da média nacional, cabe destacar a grande oscilação

deste indicador em relação à variável cor, mas relativo equilíbrio do ponto de vista de gênero,

como mostram os dados da tabela 1.

Fonte: MEC/SEDIAE/

SEEC.

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

19

Tabela 1: Número médio de anos de estudos; Brasil 1960 a 1990

1960 1970 1980 1990

Gênero

Mulher 1,9 2,2 3,5 4,9

Homem 2,4 2,6 3,9 5,1

Cor

Preto 0,9 ... 2,1 3,3

Pardo 1,1 ... 2,4 3,6

Branco 2,7 ... 4,5 5,9

Amarelo 2,9 ... 6,4 8,6

Regiões

Nordeste 1,1 1,3 2,2 3,3

Norte/Centro-Oeste 2,7 0,9 4 ...

Sul 2,4 2,7 3,9 5,1

Sudeste 2,7 3,2 4,4 5,7

Fonte: Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, 1996; PNUD/IPEA, Brasília, 1996.

Com efeito, mais do que refletir as desigualdades regionais e as diferenças de gênero e cor, o quadro

de escolarização desigual do País revela os resultados do processo de extrema concentração de renda e

níveis elevados de pobreza.

Promoção, repetência e evasão

Em relação às taxas de transição1, houve substancial melhoria dos índices de promoção, repetência e

evasão do ensino fundamental. Verifica-se, no período de 1981-92, tendência ascendente das taxas de promoção

— sobem de 55% em 1984, para 62% em 1992 — acompanhada de queda razoável das taxas médias

de repetência e evasão, que atingem, respectivamente, 33% e 5% em 1992.

Essa tendência é muito significativa. Estudos indicam que a repetência constitui um dos problemas do

quadro educacional do País, uma vez que os alunos passam, em média, 5 anos na escola antes de se evadirem

ou levam cerca de 11,2 anos para concluir as oito séries de escolaridade obrigatória. No entanto, a

grande maioria da população estudantil acaba desistindo da escola, desestimulada em razão das altas taxas

de repetência e pressionada por fatores socioeconômicos que obrigam boa parte dos alunos ao trabalho

precoce.

Apesar da melhoria observada nos índices de evasão, o comportamento das taxas de promoção

e repetência na primeira série do ensino fundamental está ainda longe do desejável: apenas 51% do

total de alunos são promovidos, enquanto 44% repetem, reproduzindo assim o ciclo de retenção

que acaba expulsando os alunos da escola (gráficos 3, 4 e 5).

1. As taxas de transição (promoção, repetência e evasão) são definidas por: a) taxa de promoção na série s é a razão entre o total de alunos

promovidos desta série (para série s+1) e a matrícula inicial da série s no ano anterior; b) a taxa de repetência na série s é o total de

repetentes nesta série dividido pelo número de alunos matriculados na mesma série no ano anterior; e c) a taxa de evasão na série s é obtida

dividindo-se o número de alunos evadidos desta série pelo total de alunos matriculados nesta série no ano anterior. Define-se por: i) alunos

promovidos da série s aqueles que se matricularam no início do ano na série seguinte (s+1) àquela que estavam matriculados no ano anterior;

ii) alunos repetentes na série s os que se matricularam no início do ano na mesma série (s) que estavam matriculados no ano anterior; e iii)

alunos evadidos na série s são aqueles que estavam matriculados nesta série no ano anterior e não se matricularam em nenhuma escola no

início do ano.

Neste relatório essas taxas estão calculadas em percentuais e foram estimadas por Ruben Klein (CNPq/LNCC).

20

Gráfico 3

TAXAS DE PROMOÇÃO NO

ENSINO FUNDAMENTAL, POR SÉRIES

BRASIL

Gráfico 4

TAXAS DE REPETÊNCIA NO

ENSINO FUNDAMENTAL, POR SÉRIES

BRASIL

Gráfico 5

TAXAS DE EVASÃO NO

ENSINO FUNDAMENTAL, POR SÉRIES

BRASIL

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

21

Do ponto de vista regional, com exceção do Norte e do Nordeste, as demais regiões

apresentam tendência à elevação das taxas médias de promoção e à queda dos índices de repetência

(gráficos 6 e 7), indicando relativo processo de melhoria da eficiência do sistema. Ressalta-se,

contudo, tendência à queda das taxas de evasão nas regiões Norte e Nordeste que, em 1992,

chegam muito próximas da média nacional (gráfico 8).

Gráfico 6

EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

TAXAS AGREGADAS DE PROMOÇÃO

BRASIL E GRANDES REGIÕES - 1989-92

Gráfico 7

EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

TAXAS AGREGADAS DE REPETÊNCIA

BRASIL E GRANDES REGIÕES - 1989-92

Gráfico 8

EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

TAXAS AGREGADAS DE EVASÃO

BRASIL E GRANDES REGIÕES - 1989-92

Fonte:MEC/SEDIAESEEC.

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

22

As taxas de repetência evidenciam a baixa qualidade do ensino e a incapacidade dos sistemas

educacionais e das escolas de garantir a permanência do aluno, penalizando principalmente os alunos de

níveis de renda mais baixos.

O “represamento” no sistema causado pelo número excessivo de reprovações nas séries

iniciais contribui de forma significativa para o aumento dos gastos públicos, ainda acrescidos pela

subutilização de recursos hu-manos e materiais nas séries finais, devido ao número reduzido de

alunos.

Uma das conseqüências mais nefastas das elevadas taxas de repetência manifesta-se

nitidamente nas acentuadas taxas de distorção série/idade, em todas as séries do ensino fundamental

(gráfico 9). Apesar da ligeira queda observada em todas as séries, no período 1984-94, a situação é

dramática:

• mais de 63% dos alunos do ensino fundamental têm idade superior à

faixa etária correspondente a cada série;

• as regiões Sul e Sudeste, embora situem-se abaixo da média nacional,

ainda apresentam índices bastante elevados, respectivamente, cerca de

42% e de 54%;

• as regiões Norte e Nordeste situam-se bem acima da média nacional

(respectivamente, 78% e 80%).

Gráfico 9

TAXAS DE DISTORÇÃO SÉRIE/IDADE NO

ENSINO FUNDAMENTAL

BRASIL E REGIÕES - 1994

Para reverter esse quadro, alguns Estados e Municípios começam a implementar programas

de aceleração do fluxo escolar, com o objetivo de promover, a médio prazo, a melhoria dos

indicadores de rendimento escolar. São iniciativas extremamente importantes, uma vez que a pesquisa

realizada pelo MEC, em 1995, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Básica (SAEB) mostra que quanto maior a distorção idade/série, pior o rendimento dos alunos em

Língua Portuguesa e Matemática, tanto no ensino fundamental como no médio. A repetência,

portanto, parece não acrescentar nada ao processo de ensino e aprendizagem.

Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC.

23

Desempenho

O perfil da educação brasileira apresentou significativas mudanças nas duas últimas décadas.

Houve substancial queda da taxa de analfabetismo, aumento expressivo do número de matrículas

em todos os níveis de ensino e crescimento sistemático das taxas de escolaridade média da população.

A progressiva queda da taxa de analfabetismo, que passa de 39,5% para 20,1% nas quatro

últimas décadas, foi paralela ao processo de universalização do atendimento escolar na faixa etária

obrigatória (sete a quatorze anos), tendência que se acentua de meados dos anos 70 para

cá, sobretudo como resultado do esforço do setor público na promoção das políticas educacionais.

Esse movimento não ocorreu de forma homogênea. Ele acompanhou as características de desenvolvimento

socioeconômico do País e reflete suas desigualdades.

Por outro lado, resultados obtidos em pesquisa realizada pelo SAEB/95, baseados em uma

amostra nacional que abrangeu 90.499 alunos de 2.793 escolas públicas e privadas, reafirmam a

baixa qualidade atingida no desempenho dos alunos no ensino fundamental em relação à leitura e

principalmente em habilidade matemática.

Tabela 2: Percentual de acerto por série e por habilidade da leitura

Ensino Série Estabele- Extensão do Exame Crítico Total

cimento de Significado de Significado

Significado

Fundamental 4a 53,2 44,2 45,9 50,6

8a 63,2 63,5 58,0 63,0

Fonte: MEC/SEDIAE/DAEB - Consolidação dos Relatórios Preliminares da Avaliação do SAEB/1995.

Pelo exame da tabela 2, os estudantes parecem lidar melhor com o reconhecimento de

significados do que com extensões ou aspectos críticos, já que os índices de acerto são sempre

maiores nesse tipo de habilidade.

Tabela 3: Percentuais de acerto em matemática por habilidade, segundo série e área de

conteúdo. Brasil 1995

Área de Conteúdo Série Compreensão Conhecimento de Aplicação ou Resolução

de Conceitos Procedimentos de Problemas

Números e 4ª 41,0 31,0 31,0

Operações 8ª 41,4 46,8 38,6

Medidas 4ª 51,0 43,0 30,0

8ª 58,7 34,5 29,1

Geometria 4ª 48,0 41,0 23,0

8ª 40,2 31,3 22,7

Análise de Dados, 4ª - - -

Estatística e

Probabilidade 8ª 59,7 41,9 42,5

Álgebra e 4ª - - -

Funções 8ª 48,5 35,0 28,1

Fonte: MEC/SEDIAE/DAEB - Consolidação dos Relatórios Preliminares da Avaliação do SAEB/1995.

24

Os resultados de desempenho em matemática mostram um rendimento geral insatisfatório,

pois os percentuais em sua maioria situam-se abaixo de 50%. Ao indicarem um rendimento melhor

nas questões classificadas como de compreensão de conceitos do que nas de conhecimento de

procedimentos e resolução de problemas, os dados parecem confirmar o que vem sendo amplamente

debatido, ou seja, que o ensino da matemática ainda é feito sem levar em conta os aspectos que a

vinculam com a prática cotidiana, tornando-a desprovida de significado para o aluno. Outro fato

que chama a atenção é que o pior índice refere-se ao campo da geometria.

Os dados apresentados pela pesquisa confirmam a necessidade de investimentos substanciais para a

melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem no ensino fundamental.

Mesmo os alunos que conseguem completar os oito anos do ensino fundamental acabam dispondo de

menos conhecimento do que se espera de quem concluiu a escolaridade obrigatória. Aprenderam pouco, e

muitas vezes o que aprenderam não facilita sua inserção e atuação na sociedade. Dentre outras deficiências

do processo de ensino e aprendizagem, são relevantes o desinteresse geral pelo trabalho escolar, a motivação

dos alunos centrada apenas na nota e na promoção, o esquecimento precoce dos assuntos estudados e

os problemas de disciplina.

Desde os anos 80, experiências concretas no âmbito dos Estados e Municípios vêm sendo tentadas

para a transformação desse quadro educacional mas, ainda que tenham obtido sucesso, são experiências

circunscritas a realidades específicas.

Professores

O desempenho dos alunos remete-nos diretamente à necessidade de se considerarem aspectos relativos

à formação do professor. Pelo Censo Educacional de 1994 foi feito um levantamento da quantidade de

professores que atuam no ensino fundamental, bem como grau de escolaridade. Do total de funções docentes

do ensino fundamental (cerca de 1,3 milhão), 86,3% encontram-se na rede pública; mais de 79% relacionamse

às escolas da área urbana e apenas 20,4% à zona rural (tabela 4).

Tabela 4: Número de funções docentes, por grau de formação e por região

Funções Docentes Educação Fundamental Educação Média Educação Superior

Formação magistério outra Licenciatura outra

incompleta completa incompleta completa completa incompleta completa completa

Total 1.377.665 69.272 45.593 23.793 552.122 36.401 81.133 546.452 22.899

Rural 280.820 65.565 34.885 11.927 122.390 9.047 9.670 25.896 1.440

Urbana 1.096.845 3.707 10.708 11.866 429.732 27.354 71.463 520.556 21.459

Fonte: Sinopse Estatística Educação Fundamental - Censo Educacional de 1994, MEC/SEDIAE/SEEC.

A tabela 4 mostra a existência de 10% de funções docentes sendo desempenhadas sem o

nível de formação mínimo exigido. Ainda 5% de funções preenchidas por pessoas com escolaridade

de nível médio ou superior, mas sem função específica para o magistério. Finalmente, a ausência

de formação mínima concentra-se na área rural, onde chega a atingir 40%.

A exigência legal de formação inicial para atuação no ensino fundamental nem sempre pode

ser cumprida, em função das deficiências do sistema educacional. No entanto, a má qualidade do

25

ensino não se deve simplesmente à não-formação inicial de parte dos professores, resultando também

da má qualidade da formação que tem sido ministrada. Este levantamento mostra a urgência de se

atuar na formação inicial dos professores.

Além de uma formação inicial consistente, é preciso considerar um investimento educativo contínuo e

sistemático para que o professor se desenvolva como profissional de educação. O conteúdo e a metodologia

para essa formação precisam ser revistos para que haja possibilidade de melhoria do ensino. A formação não

pode ser tratada como um acúmulo de cursos e técnicas, mas sim como um processo reflexivo e crítico sobre

a prática educativa. Investir no desenvolvimento profissional dos professores é também intervir em suas

reais condições de trabalho.

26

27

PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DOS

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

Na sociedade democrática, ao contrário do que ocorre nos regimes autoritários, o processo

educacional não pode ser instrumento para a imposição, por parte do governo, de um projeto de

sociedade e de nação. Tal projeto deve resultar do próprio processo democrático, nas suas dimensões

mais amplas, envolvendo a contraposição de diferentes interesses e a negociação política

necessária para encontrar soluções para os conflitos sociais.

Não se pode deixar de levar em conta que, na atual realidade brasileira, a profunda estratificação

social e a injusta distribuição de renda têm funcionado como um entrave para que uma parte considerável

da população possa fazer valer os seus direitos e interesses fundamentais. Cabe ao governo

o papel de assegurar que o processo democrático se desenvolva de modo a que esses entraves

diminuam cada vez mais. É papel do Estado democrático investir na escola, para que ela prepare e

instrumentalize crianças e jovens para o processo democrático, forçando o acesso à educação de

qualidade para todos e às possibilidades de participação social.

Para isso faz-se necessária uma proposta educacional que tenha em vista a qualidade da

formação a ser oferecida a todos os estudantes. O ensino de qualidade que a sociedade demanda

atualmente expressa-se aqui como a possibilidade de o sistema educacional vir a propor uma prática

educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade

brasileira, que considere os interesses e as motivações dos alunos e garanta as aprendizagens

essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com

competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem.

O exercício da cidadania exige o acesso de todos à totalidade dos recursos culturais relevantes

para a intervenção e a participação responsável na vida social. O domínio da língua falada e escrita,

os princípios da reflexão matemática, as coordenadas espaciais e temporais que organizam a

percepção do mundo, os princípios da explicação científica, as condições de fruição da arte e das

mensagens estéticas, domínios de saber tradicionalmente presentes nas diferentes concepções do

papel da educação no mundo democrático, até outras tantas exigências que se impõem no mundo

contemporâneo.

Essas exigências apontam a relevância de discussões sobre a dignidade do ser humano, a

igualdade de direitos, a recusa categórica de formas de discriminação, a importância da solidariedade

e do respeito. Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades de vivenciar as

diferentes formas de inserção sociopolítica e cultural. Apresenta-se para a escola, hoje mais do que

nunca, a necessidade de assumir-se como espaço social de construção dos significados éticos necessários

e constitutivos de toda e qualquer ação de cidadania.

No contexto atual, a inserção no mundo do trabalho e do consumo, o cuidado com o próprio

corpo e com a saúde, passando pela educação sexual, e a preservação do meio ambiente são temas

que ganham um novo estatuto, num universo em que os referenciais tradicionais, a partir dos quais

eram vistos como questões locais ou individuais, já não dão conta da dimensão nacional e até

mesmo internacional que tais temas assumem, justificando, portanto, sua consideração. Nesse sentido,

é papel preponderante da escola propiciar o domínio dos recursos capazes de levar à discussão

dessas formas e sua utilização crítica na perspectiva da participação social e política.

Desde a construção dos primeiros computadores, na metade deste século, novas relações

entre conhecimento e trabalho começaram a ser delineadas. Um de seus efeitos é a exigência de

28

um reequacionamento do papel da educação no mundo contemporâneo, que coloca para a escola

um horizonte mais amplo e diversificado do que aquele que, até poucas décadas atrás, orientava a

concepção e construção dos projetos educacionais. Não basta visar à capacitação dos estudantes

para futuras habilitações em termos das especializações tradicionais, mas antes trata-se de ter em

vista a formação dos estudantes em termos de sua capacitação para a aquisição e o desenvolvimento

de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo

de profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder

a novos ritmos e processos. Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade

de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender”. Isso coloca novas demandas

para a escola. A educação básica tem assim a função de garantir condições para que o aluno construa

instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente.

Para tanto, é necessário que, no processo de ensino e aprendizagem, sejam exploradas: a aprendizagem

de metodologias capazes de priorizar a construção de estratégias de verificação e comprovação de hipóteses

na construção do conhecimento, a construção de argumentação capaz de controlar os resultados desse

processo, o desenvolvimento do espírito crítico capaz de favorecer a criatividade, a compreensão dos limites

e alcances lógicos das explicações propostas. Além disso, é necessário ter em conta uma dinâmica de ensino

que favoreça não só o descobrimento das potencialidades do trabalho individual, mas também, e sobretudo,

do trabalho coletivo. Isso implica o estímulo à autonomia do sujeito, desenvolvendo o sentimento de segurança

em relação às suas próprias capacidades, interagindo de modo orgânico e integrado num trabalho de equipe

e, portanto, sendo capaz de atuar em níveis de interlocução mais complexos e diferenciados.

Natureza e função dos

Parâmetros Curriculares Nacionais

Cada criança ou jovem brasileiro, mesmo de locais com pouca infra-estrutura e condições

socioeconômicas desfavoráveis, deve ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e

reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania para deles poder usufruir. Se existem diferenças

socioculturais marcantes, que determinam diferentes necessidades de aprendizagem, existe também aquilo

que é comum a todos, que um aluno de qualquer lugar do Brasil, do interior ou do litoral, de uma grande

cidade ou da zona rural, deve ter o direito de aprender e esse direito deve ser garantido pelo Estado.

Mas, na medida em que o princípio da eqüidade reconhece a diferença e a necessidade de

haver condições diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de uma

formação de qualidade para todos, o que se apresenta é a necessidade de um referencial comum

para a formação escolar no Brasil, capaz de indicar aquilo que deve ser garantido a todos, numa

realidade com características tão diferenciadas, sem promover uma uniformização que descaracterize

e desvalorize peculiaridades culturais e regionais.

É nesse sentido que o estabelecimento de uma referência curricular comum para todo o País,

ao mesmo tempo que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal com a

educação, busca garantir, também, o respeito à diversidade que é marca cultural do País, mediante

a possibilidade de adaptações que integrem as diferentes dimensões da prática educacional.

Para compreender a natureza dos Parâmetros Curriculares Nacionais, é necessário situá-los

em relação a quatro níveis de concretização curricular considerando a estrutura do sistema

educacional brasileiro. Tais níveis não representam etapas seqüenciais, mas sim amplitudes distintas

da elaboração de propostas curriculares, com responsabilidades diferentes, que devem buscar uma

integração e, ao mesmo tempo, autonomia.

29

Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem o primeiro nível de concretização curricular.

São uma referência nacional para o ensino fundamental; estabelecem uma meta educacional para a

qual devem convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto, tais como os

projetos ligados à sua competência na formação inicial e continuada de professores, à análise e

compra de livros e outros materiais didáticos e à avaliação nacional. Têm como função subsidiar a

elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando com as propostas e

experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração

de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores.

Todos os documentos aqui apresentados configuram uma referência nacional em que são

apontados conteúdos e objetivos articulados, critérios de eleição dos primeiros, questões de ensino

e aprendizagem das áreas, que permeiam a prática educativa de forma explícita ou implícita, propostas

sobre a avaliação em cada momento da escolaridade e em cada área, envolvendo questões relativas

a o que e como avaliar. Assim, além de conter uma exposição sobre seus fundamentos, contém os

diferentes elementos curriculares — tais como Caracterização das Áreas, Objetivos, Organização

dos Conteúdos, Critérios de Avaliação e Orientações Didáticas —, efetivando uma proposta

articuladora dos propósitos mais gerais de formação de cidadania, com sua operacionalização no

processo de aprendizagem.

Apesar de apresentar uma estrutura curricular completa, os Parâmetros Curriculares Nacionais

são abertos e flexíveis, uma vez que, por sua natureza, exigem adaptações para a construção do

currículo de uma Secretaria ou mesmo de uma escola. Também pela sua natureza, eles não se

impõem como uma diretriz obrigatória: o que se pretende é que ocorram adaptações, por meio do

diálogo, entre estes documentos e as práticas já existentes, desde as definições dos objetivos até as

orientações didáticas para a manutenção de um todo coerente.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão situados historicamente — não são princípios

atemporais. Sua validade depende de estarem em consonância com a realidade social, necessitando,

portanto, de um processo periódico de avaliação e revisão, a ser coordenado pelo MEC.

O segundo nível de concretização diz respeito às propostas curriculares dos Estados e Municípios. Os

Parâmetros Curriculares Nacionais poderão ser utilizados como recurso para adaptações ou elaborações

curriculares realizadas pelas Secretarias de Educação, em um processo definido pelos responsáveis em cada

local.

O terceiro nível de concretização refere-se à elaboração da proposta curricular de cada

instituição escolar, contextualizada na discussão de seu projeto educativo. Entende-se por projeto

educativo a expressão da identidade de cada escola em um processo dinâmico de discussão, reflexão

e elaboração contínua. Esse processo deve contar com a participação de toda equipe pedagógica,

buscando um comprometimento de todos com o trabalho realizado, com os propósitos discutidos e

com a adequação de tal projeto às características sociais e culturais da realidade em que a escola

está inserida. É no âmbito do projeto educativo que professores e equipe pedagógica discutem e

organizam os objetivos, conteúdos e critérios de avaliação para cada ciclo.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as propostas das Secretarias devem ser vistos como

materiais que subsidiarão a escola na constituição de sua proposta educacional mais geral, num

processo de interlocução em que se compartilham e explicitam os valores e propósitos que orientam

o trabalho educacional que se quer desenvolver e o estabelecimento do currículo capaz de

atender às reais necessidades dos alunos.

O quarto nível de concretização curricular é o momento da realização da programação das

atividades de ensino e aprendizagem na sala de aula. É quando o professor, segundo as metas

estabelecidas na fase de concretização anterior, faz sua programação, adequando-a àquele grupo

30

específico de alunos. A programação deve garantir uma distribuição planejada de aulas, distribuição

dos conteúdos segundo um cronograma referencial, definição das orientações didáticas prioritárias,

seleção do material a ser utilizado, planejamento de projetos e sua execução. Apesar de a

responsabilidade ser essencialmente de cada professor, é fundamental que esta seja compartilhada

com a equipe da escola por meio da co-responsabilidade estabelecida no projeto educativo.

Tal proposta, no entanto, exige uma política educacional que contemple a formação inicial e

continuada dos professores, uma decisiva revisão das condições salariais, além da organização de

uma estrutura de apoio que favoreça o desenvolvimento do trabalho (acervo de livros e obras de

referência, equipe técnica para supervisão, materiais didáticos, instalações adequadas para a realização

de trabalho de qualidade), aspectos que, sem dúvida, implicam a valorização da atividade do professor.

Fundamentos dos Parâmetros

Curriculares Nacionais

A TRADIÇÃO PEDAGÓGICA BRASILEIRA

A prática de todo professor, mesmo de forma inconsciente, sempre pressupõe uma concepção de

ensino e aprendizagem que determina sua compreensão dos papéis de professor e aluno, da metodologia, da

função social da escola e dos conteúdos a serem trabalhados. A discussão dessas questões é importante

para que se explicitem os pressupostos pedagógicos que subjazem à atividade de ensino, na busca de coerência

entre o que se pensa estar fazendo e o que realmente se faz. Tais práticas se constituem a partir das

concepções educativas e metodologias de ensino que permearam a formação educacional e o percurso

profissional do professor, aí incluídas suas próprias experiências escolares, suas experiências de vida, a

ideologia compartilhada com seu grupo social e as tendências pedagógicas que lhe são contemporâneas.

As tendências pedagógicas que se firmam nas escolas brasileiras, públicas e privadas, na

maioria dos casos não aparecem em forma pura, mas com características particulares, muitas vezes

mesclando aspectos de mais de uma linha pedagógica.

A análise das tendências pedagógicas no Brasil deixa evidente a influência dos grandes

movimentos educacionais internacionais, da mesma forma que expressam as especificidades de

nossa história política, social e cultural, a cada período em que são consideradas. Pode-se identificar,

na tradição pedagógica brasileira, a presença de quatro grandes tendências: a tradicional, a

renovada, a tecnicista e aquelas marcadas centralmente por preocupações sociais e políticas. Tais

tendências serão sintetizadas em grandes traços que tentam recuperar os pontos mais significativos

de cada uma das propostas. Este documento não ignora o risco de uma certa redução das concepções,

tendo em vista a própria síntese e os limites desta apresentação.

A “pedagogia tradicional” é uma proposta de educação centrada no professor, cuja função se

define como a de vigiar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matéria.

A metodologia decorrente de tal concepção baseia-se na exposição oral dos conteúdos, numa

seqüência predeterminada e fixa, independentemente do contexto escolar; enfatiza-se a necessidade

de exercícios repetidos para garantir a memorização dos conteúdos. A função primordial da escola,

nesse modelo, é transmitir conhecimentos disciplinares para a formação geral do aluno, formação

esta que o levará, ao inserir-se futuramente na sociedade, a optar por uma profissão valorizada. Os

conteúdos do ensino correspondem aos conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações

passadas como verdades acabadas, e, embora a escola vise à preparação para a vida, não busca

estabelecer relação entre os conteúdos que se ensinam e os interesses dos alunos, tampouco entre

31

esses e os problemas reais que afetam a sociedade. Na maioria das escolas essa prática pedagógica

se caracteriza por sobrecarga de informações que são veiculadas aos alunos, o que torna o processo

de aquisição de conhecimento, para os alunos, muitas vezes burocratizado e destituído de significação.

No ensino dos conteúdos, o que orienta é a organização lógica das disciplinas, o aprendizado

moral, disciplinado e esforçado.

Nesse modelo, a escola se caracteriza pela postura conservadora. O professor é visto como a autoridade

máxima, um organizador dos conteúdos e estratégias de ensino e, portanto, o guia exclusivo do processo

educativo.

A “pedagogia renovada” é uma concepção que inclui várias correntes que, de uma forma ou

de outra, estão ligadas ao movimento da Escola Nova ou Escola Ativa. Tais correntes, embora

admitam divergências, assumem um mesmo princípio norteador de valorização do indivíduo como

ser livre, ativo e social. O centro da atividade escolar não é o professor nem os conteúdos disciplinares,

mas sim o aluno, como ser ativo e curioso. O mais importante não é o ensino, mas o processo de

aprendizagem. Em oposição à Escola Tradicional, a Escola Nova destaca o princípio da

aprendizagem por descoberta e estabelece que a atitude de aprendizagem parte do interesse dos

alunos, que, por sua vez, aprendem fundamentalmente pela experiência, pelo que descobrem por

si mesmos.

O professor é visto, então, como facilitador no processo de busca de conhecimento que deve partir do

aluno. Cabe ao professor organizar e coordenar as situações de aprendizagem, adaptando suas ações às

características individuais dos alunos, para desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais.

A idéia de um ensino guiado pelo interesse dos alunos acabou, em muitos casos, por desconsiderar a

necessidade de um trabalho planejado, perdendo-se de vista o que deve ser ensinado e aprendido. Essa

tendência, que teve grande penetração no Brasil na década de 30, no âmbito do ensino pré-escolar (jardim de

infância), até hoje influencia muitas práticas pedagógicas.

Nos anos 70 proliferou o que se chamou de “tecnicismo educacional”, inspirado nas teorias behavioristas

da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino, que definiu uma prática pedagógica altamente controlada

e dirigida pelo professor, com atividades mecânicas inseridas numa proposta educacional rígida e passível de

ser totalmente programada em detalhes. A supervalorização da tecnologia programada de ensino trouxe

conseqüências: a escola se revestiu de uma grande auto-suficiência, reconhecida por ela e por toda a

comunidade atingida, criando assim a falsa idéia de que aprender não é algo natural do ser humano, mas que

depende exclusivamente de especialistas e de técnicas. O que é valorizado nessa perspectiva não é o professor,

mas a tecnologia; o professor passa a ser um mero especialista na aplicação de manuais e sua criatividade

fica restrita aos limites possíveis e estreitos da técnica utilizada. A função do aluno é reduzida a um indivíduo

que reage aos estímulos de forma a corresponder às respostas esperadas pela escola, para ter êxito e

avançar. Seus interesses e seu processo particular não são considerados e a atenção que recebe é para

ajustar seu ritmo de aprendizagem ao programa que o professor deve implementar. Essa orientação foi dada

para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60, e até hoje está presente em muitos materiais

didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental.

No final dos anos 70 e início dos 80, a abertura política decorrente do final do regime militar coincidiu

com a intensa mobilização dos educadores para buscar uma educação crítica a serviço das transformações

sociais, econômicas e políticas, tendo em vista a superação das desigualdades existentes no interior da

sociedade. Ao lado das denominadas teorias crítico-reprodutivistas, firma-se no meio educacional a presença

da “pedagogia libertadora” e da “pedagogia crítico-social dos conteúdos”, assumida por educadores de

orientação marxista.

A “pedagogia libertadora” tem suas origens nos movimentos de educação popular que ocorreram no

final dos anos 50 e início dos anos 60, quando foram interrompidos pelo golpe militar de 1964; teve

32

seu desenvolvimento retomado no final dos anos 70 e início dos anos 80. Nessa proposta, a atividade

escolar pauta-se em discussões de temas sociais e políticos e em ações sobre a realidade social

imediata; analisam-se os problemas, seus fatores determinantes e organiza-se uma forma de atuação

para que se possa transformar a realidade social e política. O professor é um coordenador de

atividades que organiza e atua conjuntamente com os alunos.

A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” que surge no final dos anos 70 e início dos 80 se põe como

uma reação de alguns educadores que não aceitam a pouca relevância que a “pedagogia libertadora”

dá ao aprendizado do chamado “saber elaborado”, historicamente acumulado, que constitui parte

do acervo cultural da humanidade.

A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” assegura a função social e política da escola mediante o

trabalho com conhecimentos sistematizados, a fim de colocar as classes populares em condições de uma

efetiva participação nas lutas sociais. Entende que não basta ter como conteúdo escolar as questões sociais

atuais, mas que é necessário que se tenha domínio de conhecimentos, habilidades e capacidades mais amplas

para que os alunos possam interpretar suas experiências de vida e defender seus interesses de classe.

As tendências pedagógicas que marcam a tradição educacional brasileira e aqui foram expostas

sinteticamente trazem, de maneira diferente, contribuições para uma proposta atual que busque recuperar

aspectos positivos das práticas anteriores em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem, realizando uma

releitura dessas práticas à luz dos avanços ocorridos nas produções teóricas, nas investigações e em fatos

que se tornaram observáveis nas experiências educativas mais recentes realizadas em diferentes Estados e

Municípios do Brasil.

No final dos anos 70, pode-se dizer que havia no Brasil, entre as tendências didáticas de vanguarda,

aquelas que tinham um viés mais psicológico e outras cujo viés era mais sociológico e político; a partir dos

anos 80 surge com maior evidência um movimento que pretende a integração entre essas abordagens. Se por

um lado não é mais possível deixar de se ter preocupações com o domínio de conhecimentos formais para a

participação crítica na sociedade, considera-se também que é necessária uma adequação pedagógica às

características de um aluno que pensa, de um professor que sabe e aos conteúdos de valor social e formativo.

Esse momento se caracteriza pelo enfoque centrado no caráter social do processo de ensino e aprendizagem

e é marcado pela influência da psicologia genética.

O enfoque social dado aos processos de ensino e aprendizagem traz para a discussão pedagógica

aspectos de extrema relevância, em particular no que se refere à maneira como se devem entender as

relações entre desenvolvimento e aprendizagem, à importância da relação interpessoal nesse processo, à

relação entre cultura e educação e ao papel da ação educativa ajustada às situações de aprendizagem e às

características da atividade mental construtiva do aluno em cada momento de sua escolaridade.

A psicologia genética propiciou aprofundar a compreensão sobre o processo de desenvolvimento na

construção do conhecimento. Compreender os mecanismos pelos quais as crianças constroem representações

internas de conhecimentos construídos socialmente, em uma perspectiva psicogenética, traz uma contribuição

para além das descrições dos grandes estágios de desenvolvimento.

A pesquisa sobre a psicogênese da língua escrita chegou ao Brasil em meados dos anos 80 e causou

grande impacto, revolucionando o ensino da língua nas séries iniciais e, ao mesmo tempo, provocando uma

revisão do tratamento dado ao ensino e à aprendizagem em outras áreas do conhecimento. Essa investigação

evidencia a atividade construtiva do aluno sobre a língua escrita, objeto de conhecimento reconhecidamente

escolar, mostrando a presença importante dos conhecimentos específicos sobre a escrita que a criança já

tem, os quais, embora não coincidam com os dos adultos, têm sentido para ela.

A metodologia utilizada nessas pesquisas foi muitas vezes interpretada como uma proposta de pedagogia

construtivista para alfabetização, o que expressa um duplo equívoco: redução do construtivismo a

33

uma teoria psicogenética de aquisição de língua escrita e transformação de uma investigação

acadêmica em método de ensino. Com esses equívocos, difundiram-se, sob o rótulo de pedagogia

construtivista, as idéias de que não se devem corrigir os erros e de que as crianças aprendem

fazendo “do seu jeito”. Essa pedagogia, dita construtivista, trouxe sérios problemas ao processo de

ensino e aprendizagem, pois desconsidera a função primordial da escola que é ensinar, intervindo

para que os alunos aprendam o que, sozinhos, não têm condições de aprender.

A orientação proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais reconhece a importância da

participação construtiva do aluno e, ao mesmo tempo, da intervenção do professor para a

aprendizagem de conteúdos específicos que favoreçam o desenvolvimento das capacidades necessárias

à formação do indivíduo. Ao contrário de uma concepção de ensino e aprendizagem como um

processo que se desenvolve por etapas, em que a cada uma delas o conhecimento é “acabado”, o

que se propõe é uma visão da complexidade e da provisoriedade do conhecimento. De um lado,

porque o objeto de conhecimento é “complexo” de fato e reduzi-lo seria falsificá-lo; de outro,

porque o processo cognitivo não acontece por justaposição, senão por reorganização do

conhecimento. É também “provisório”, uma vez que não é

...

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