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Vidas Especiais - Jornalismo Literário

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Por:   •  28/10/2014  •  Resenha  •  801 Palavras (4 Páginas)  •  287 Visualizações

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Confesso que não estava com o mínimo entusiasmo de fazer aquela reportagem. Meio de novembro, 3 horas da tarde, um calor de aproximadamente 32 graus e a vontade enorme de se livrar daquela pauta. A única coisa em que pensava era nas férias em Porto Seguro que eu tanto sonhava.

“Eu pisei na folha seca e ouvi fazer chuá, chuá chuê chuê chuà”. Do lado de fora já se escutava coro de uma catinga de roda de capoeira acompanhado do som dos atabaques e berimbau. As aquelas vozes me contagiaram de tal forma que, não sei o porquê, a partir daquele momento tive uma sensação diferente. A garganta secou, o coração bateu um pouco mais forte. Pressenti que teria uma grande surpresa ao entrar naquele lugar.

Toco a campainha e logo em seguida o barulho de chaves abrindo aquele portão grande azul escuro de ferro.

“Boa tarde! É aqui que fica o Napne?“, disse meio trêmula e gaguejando. “Sim. Ah, você a estudante de jornalismo, não é?”, disse em voz alta, devido as cantorias na aula de capoeira, a pedagoga Janaína Ruiz.

Napne é a sigla que significa Núcleo de Atendimento a Pessoas com Necessidades Especiais. Pelo que Janaína me explicou, é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, que visa o desenvolvimento bio-psicossocial de pessoas. “O Nosso lema é acreditar no potencial dessas pessoas especiais que é imenso”, disse. O lugar atende portadores de deficiência mental, com as mais diversas síndromes.

Para Janaína, a experiência trabalhar e conviver com portadores de necessidades especiais é um aprendizado e um presente de Deus. “Estou satisfeita e fazendo o que gosto. Cada dia é um aprendizado. Mesmo sem saberem, eles nos ensinam como enxergar beleza nas coisas mais simples da vida”.

Enquanto eu e Janaína andávamos por um corredor, ela ia me contando um pouco da história da entidade. Descobri que o Napne existe há 14 anos e recebe uma verba da Prefeitura que não é o suficiente para cobrir os gastos da entidade. Em parceria com a Petrobrás conseguiu inaugurar a lanchonete que fica em frente a entida, “Vidas Especiais”, onde dois alunos, Gabriel e Vitória, são treinados para a função de balconista e caixa. O dinheiro arrecadado neste estabelecimento, ajuda a manter as despesas do Napne, além da venda de rifas, cartões confeccionados pelos próprios alunos e chás beneficentes.

Ao logo do corredor havia várias salas chamadas de oficinas terapêuticas, onde os alunos participavam de diversas atividades, informática, teatro, artesanato e capoeira. Essas oficinas os capacitam para o mercado de trabalho. Culinária, manuseio em foto-copiadora e bijuteria são algumas das oficinas oferecidas pelo núcleo.

Janaína afirma que o mais importante é apoiar o deficiente e seus familiares por meio de acompanhamento psicológico, terapêutico, pedagógico e profissional. “Com isso, o Napne já conseguiu até inserir alguns alunos no mercado, trabalhando no Mc Donald`s, nos Correios e na portaria da Codesp”.

Parávamos em cada uma das salas para saudar os alunos especiais e éramos recebidas com sorrisos e muita festa. Todos queriam se aproximar, me tocar e sentir se eu realmente era de verdade. A princípio aquilo tudo me assustava. Mas ao poucos eu percebia que aquele era o jeito deles de demonstrar carinho... Todos olhavam como se eu fosse um ser sublime. E o brilho dos olhares dessas pessoas era o mais marcante.

“Paranauê, paranauê Paraná”. Finalmente nos aproximamos da tal roda de capoeira que tanto me cativou.

Júlio, rapaz de 25 anos que tem paralisia cerebral, desce da cadeira de rodas e começa a gingar o corpo apoiado na cabeça, enquanto move as pernas aplicando e se esquivando de golpes. Depois de alguns rodopios, volta para sua cadeira, apanha o atabaque e marca o ritmo para os companheiros. O professor de capoeira dos alunos, Marcos Rodriguez diz que antes do rapaz iniciar as aulas de capoeira, os médicos haviam dito que caso do deficiente era delicado e que ele jamais moveria as pernas. Mas não foi isso que meus olhos viram.

Depois é a vez de Maria Lúcia, 18 anos, entrar no roda para jogar. Com movimentos precisos e suaves, parece uma capoeirista comum. Mas ela é especial. Maria tem Síndrome de Down.

“Eba, visita!”. Era João, aparentemente com uns 30 anos e um dos mais desinibidos da turma. Ele se levantou, saiu da roda, correu em minha direção e me surpreendeu com um abraço bem apertado que durou mais ou menos 15 segundos. “Moça, que bom que você veio ver a gente”, dizia ele enquanto me abraçava. Um dos melhores abraços que recebi na vida, apesar de me deixar um pouco sem fôlego. Senti-me como se tivesse sendo recebida na casa de um parente querido que não me via a muito tempo.

E aquela tarde calorenta de novembro, a princípio tinha tudo para ser uma perda de tempo, se tornou uma das melhores experiências que eu já tive como jornalista.

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