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A Ordem dos Advogados do Brasil na Reforma do Ensino Jurídico

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Por:   •  13/7/2013  •  Tese  •  6.981 Palavras (28 Páginas)  •  530 Visualizações

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A Ordem dos Advogados do Brasil na Reforma do Ensino Jurídico.

Introdução. Nosce te ipsum. A sabedoria délfica, de imortal tradução latina, nos deve sempre inspirar. Neste momento, a fortiori. Com efeito, deve um acadêmico, de formação superior incompleta, não advogado (ainda!), identificar as eventuais deficiências da formação que está a receber; e não é só, deve ainda indicar a postura da Ordem com relação a esta formação. Tarefa árdua para um acadêmico, que deve exercitar ao máximo a sua sensibilidade. Não nos devemos afastar da preocupação em não recair num impressionismo personalíssimo despiciendo de valor, embora consciente de que se mostra antes um relato de impressões e reflexões pessoais do que um estudo pleno do tema oferecido. Com o escopo de evitar o perigo do “achismo”, buscamos constantemente orientação nos melhores estudos ao nosso alcance, os quais nos forneceram valiosos subsídios para uma análise menos superficial do problema e seus múltiplos aspectos.

É preciso não descurar de que a crise não é privilégio, da educação, da universidade, ou das faculdades de Direito. Mister situar o ensino jurídico na problemática geral da universidade, de modo a não limitar por demais a abordagem, perdendo de vista as características gerais da formação superior hodierna.

Situado o problema, torna-se necessário então, visualizar a crise da formação jurídica (se é que se pode falar em crise). A análise parte da procura por saber onde se quer chegar com o ensino jurídico, vale dizer, para que serve a escola de Direito. A resposta não é necessariamente unívoca, ao contrário, dependerá necessariamente das funções que se pretenda atribuir ao Direito e aos seus operadores, do papel social que estes devem desempenhar. Determinada esta premissa, a crise é visualizada a partir de três pontos interdependentes, a saber: do Direito ensinado nas escolas, do método pelo qual se ensina, e, do mercado de trabalho - esta dizendo respeito diretamente à OAB.

Neste momento, o escopo do trabalho delimita-o. Importa determinar como a OAB se deve comportar num processo de reforma o Direito, ligado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, vide VENENCIO FILHO, 1982, p.324 e segs, que a qualifica como “a experiência mais importante no campo da renovação do ensino jurídico”. Vide ainda, WALD, Arnoldo, IAB1967, p.35 e segs.

Nesta ordem de idéias, não se pode prescindir do panorama geral da reforma do ensino jurídico. O movimento de reformulação é um conjunto, e a atuação da Ordem, um de seus momentos, delicado, mas parcial. A visão global permitirá um melhor enquadramento da OAB no processo como um todo.

Após o esboço, que os limites deste trabalho permitem, da estrutura dos problemas e respostas possíveis na experiência atual do Brasil, descortinam-se, também sinteticamente, as possibilidades de atuação da Ordem, com vistas a se desincumbir da inafastável missão de colaborar com a melhoria da qualidade da formação do operador do Direito em geral, e do advogado em especial, por sua vez necessariamente comprometido com a mudança social, com a transformação do Brasil em uma sociedade justa.

A crise do ensino jurídico. Uma eventual avaliação do ensino jurídico não pode prescindir do questionamento acerca do que se deseja com este ensino. A resposta a esta questão está vinculada à concepção de Direito que se pretende ensinar. Certamente a verificação da crise passa por saber se o Direito ensinado nas escolas corresponde à idéia de Direito que nos inspira - o Direito (e a sua escola) como instrumento de transformação social(30). Conexa está a questão de saber se o método de ensino reflete o conteúdo do Direito que se pretende. Não se concebe método e conteúdo, e suas crises, separados em compartimentos estanques, sua dissociação aqui não é, senão para fins expositivos.

Por outro lado, haverá crise se a formação construída na escola de Direito não atender às expectativas socias. Se o indivíduo formado na faculdade de Direito não consegue desempenhar as atividades que dele se esperam, a faculdade forma mal, e pode-se dizer que esteja em crise.

Nesta ordem de idéias, o Professor Horácio Wanderlei Rodrigues(31) esquematiza as múltiplas facetas da crise do ensino do Direito: a funcional, concernente ao mercado de trabalho e à legitimidade dos operadores jurídicos, a operacional, relativa à práxis educativa (currículo, didática, administração escolar), e a estrutural, entendida como a crise dos paradigmas axiológicos do Direito e do seu ensino.

Neste tópico procuramos identificar a crise e suas nuances mais salientes, correlacionando-as sempre que possível. Nos próximos, sempre guiados pelos mais abalizados estudiosos, tentamos oferecer um esboço de soluções imagináveis na experiência brasileira atual, tendo como norteador principal, mas não exclusivo, a atividade da Ordem dos Advogados. Antes porém, importante situar alguns fatores estruturais (da sociedade), que catalizam e reproduzem a crise.

No período recente a crise foi alimentada pela política governamental, iniciada no governo autoritário pós-golpe militar de 1964. O Professor Joaquim de Arruda Falcão(32) estrutura a crise em síntese segura. Dois são os vértices desta política, a saber, a expansão indiscriminada do ensino superior como forma de reverter a insatisfação política da classe média urbana e conseguir o seu apoio para o projeto de governo, e, a centralização dos recursos orçamentários no ensino superior das ciências exatas, necessárias à industrialização crescente, no formato do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), com a vantagem de limitar as possibilidades de críticas(33) ao sistema oriundas, geralmente, das escolas de ciências sociais. Com a expansão nada criteriosa da educação superior, proliferaram as instituições privadas, sem o devido controle de sua qualidade. Estas escolas preferem as ciências sociais, eis que sendo o lucro o seu principal objetivo, ele é maximizado nestas, em razão da baixa necessidade de investimentos. No caso específico da formação jurídica, a multiplicação das profissões para-jurídicas leva a um crescente aumento na procura por estes cursos, potencializando os lucros. A não absorção destes profissionais pelo mercado acarreta a formação de um exército de reserva, o que, aliado à inexistência de controle sobre os quadros docentes, leva ao seu barateamento. A atividade docente é mal remunerada(34), tendo que buscar sustento noutros ramos da atividade jurídica (a escola transfere parte de seu custo, pois, a outras instituições), e dedicando menos tempo e esforço à escola, o que degrada consideravelmente a qualidade do ensino ministrado. Alie-se a isto, que as faculdades de Direito permitem uma maximização da relação professor/aluno, diminuindo o custo por aluno, e, ainda uma vez, aumentando os lucros. Os alunos, com vistas nas profissões para-jurídicas não pugnam por uma formação mais completa (e especializada), por que a generalista (menos exigente) lhes é mais conveniente(35). Está instaurado o círculo vicioso que assegura a reprodução da crise do ensino jurídico - a crise se perpetua por conveniência dos atores(36). Não nos podemos enganar, o fato é que o mercado (e a sociedade em geral) rejeita os produtos deste sistema, rejeita o profissional e a cultura que o produziu(37). A resposta aos problemas estruturais da sociedade depende de mudanças de base, cuja análise mais aprofundada refoge aos objetivos deste trabalho. Retornaremos a eles, de forma superficial contudo, no momento em que relacionarmos a reforma do ensino jurídico à legitimação do Poder instituído - em especial do Judiciário - procurando demonstrar que a influência do mercado, e as conveniências dos seus atores, não podem preponderar sobre os valores democráticos e a imperiosa necessidade de transformação social. Por ora, nossa análise volta a centrar-se nos problemas da crise do ensino jurídico (stricto sensu).

Como temos sustentado, o problema do ensino jurídico é reflexo de um outro mais profundo, qual seja, o da concepção de Direito. Este, por sua vez, o tema fulcral da Filosofia do Direito, em sua relação com a justiça. Mister aqui, mais do que apresentar um conceito unívoco (que possivelmente inexiste), desmitificar o conceito de Direito demarcado pelo positivismo normativista, com todas as suas consequências. Em outras palavras, mais do que afirmar com absoluta certeza o que é o Direito, importa demonstrar que ele não é (ou não pode mais ser) o que se afirma como verdade apodíctica (e é reproduzido acriticamente nas escolas de Direito).

O positivismo normativista cria um sistema jurídico alienado e alienante. O Direito é visto como tecnologia de controle social(38), reduzindo, ad absurdum, o todo social conflitivo à norma, abstrata, impessoal. O Direito é um todo sistêmico, lógico-formal, em que as categorias (conceitos) têm existência autônoma, desconectada da realidade social. As relações entre os institutos, e entre as pessoas, ambos complexos, dotados de historicidade, são substituídas por conectivos lógicos entre conceitos abstratos(39). O manto da igualdade formal encobre as desigualdades reais, e funciona como óbice ideológico à reestruturação da sociedade. Por influência do positivismo e do dogmatismo, que o esterilizam, o Direito se tranforma em impressionismo jurídico, que não esconde a inexatidão dos conceitos. O império da lei - legalidade - domina, em desfavor da legitimidade. O primeiro passo da reforma é, necessariamente, esclarecer a inverdade desta concepção, demonstrando, outrossim, que ela corresponde a um “Direito”-instrumento de opressão, ou negação do próprio Direito, enquanto fator de emancipação.

Esta concepção de Direito, e a sua “materialidade” - as leis (aqui representando o sentido restritivo de norma), são impostas aos alunos de forma a impedir a crítica. As aulas expositivas no mais cerimonioso estilo coimbrão infestam as salas de aula. Não se estimula a participação do aluno, até porque, no predomínio do positivismo, ela é despicienda. O saber jurídico, ao invés de ser construído na Academia, numa interação entre docentes e discentes, é dado. Com o Direito reduzido à norma, tornam-se desimportantes os seus referenciais sócio-econômicos, e as aulas tornam-se meramente informativas do Direito válido. A leitura dos dispositivos legais e o Código comentado são a técnica(40) utilizada pelo Professor para “entregar” o Direito ao aluno. Os estudantes são (de)formados a partir de Códigos comentados sem o menor critério crítico, conduzindo àquilo que já foi chamado “estado de indigência jurídica”(41). Nesta perspectiva, alterada a lei, nulo o conhecimento de quem por este meio aprendeu(42). O aluno “perde” alguns anos recebendo informação legal, quando a transmissão destas, é aspecto tão somente parcial do ensino.

Os currículos, festejados objetos de reforma desde o Império(43) e as diversas etapas republicanas, ou guardam fidelidade ao conceito de Direito acima indicado, favorecendo uma formação linear, uni-disciplinar, dogmática, numa estruturação plena, disfarçada em flexivel, elencando disciplinas informativas, em detrimento das formativas, de cunho crítico - proscrito das classes jurídicas(44), ou não guardam, mas não são executados. Mesmo ostentando fachadas de especialização (em algumas escolas), os cursos não formam profissionais especializados. Aliás, a formação não é nem geral, nem especializada.

Esta concepção e esta técnica de ensino não são inocentes(45). Elas são o instrumental de reprodução do poder. O saber, produto do poder, é ao mesmo tempo, seu criador, ou recriador. Quando o saber reproduz acriticamente uma cultura de exploração, é fator de opressão. Como se viu, desde a independência do País, o Direito é utilizado como discurso ideológico (falseado pelo ideal de neutralidade) de manutenção do poder (v. n. 2 - supra). A escola (a Universidade) não é neutra, é comprometida, muito embora se pretenda, como observado, camuflar suas opções políticas(46).

As consequências são nefastas. Vejamos algumas, para o Direito enquanto ciência, para os advogados (e demais operedores do Direito), e para o Judiciário, enquanto sistema, com reflexos graves para todo o corpo social.

Para o Direito enquanto ciência é reducionista. Reduz o todo jurídico à normatividade. A ciência do Direito mostra repulsa aos outros saberes. Afastado da vida, enclausurado nos estreitos lindes do texto normativo (cognoscível, segundo a mesma doutrina, por um método lógico-formal), o operador jurídico não passa de um fantasma do arquiteto social que se pretende. O discurso da perda de prestígio profissional é sintomático(47). Em verdade, este, o operador jurídico é quem mais perde. Senão vejamos.

Não atendendo ao que espara o mercado, o profissional é rejeitado. Some-se a isto, o imenso exército de reserva, a aumentar sensivelmente a disputa. A proletarização(48) é inevitável. A crise faz com que o mercado saturado deságue na tentação monopolista, de que trataremos oportunamente, agravando ainda mais a outra face desta recusa. Esta outra face da recusa é mais grave. A sociedade, enquanto “consumidora” do mercado jurídico, também rejeita o profissional do Direito, e o ensino que o preparou. Rejeitando-o, rejeita todo o Judiciário. Não custa relembrar que as escolas de Direito detêm o monopólio da formação dos atores de um dos poderes da República. A rejeição, relembre-se: em função da falta de preparo, resulta numa crise de legitimidade(49) do sistema Judiciário. Manifesta-se com todas as suas cores mais vibrantes o problema do acesso à justiça, um dos pricipais fatores de elevação dos níveis de tensão social da sociedade hodierna. Pela consequência, confirma-se a idéia de que o ensino jurídico não se encontra vinculado apenas pelo mercado de trabalho, mas, e principalmente, com os valores de uma sociedade democrática, com a transformação social. No equilíbrio (ponderado) entre estas exigências, cujo reflexo é a poderação entre a formação técnica (especializada) e a sócio-política (geral), poderemos encontrar o melhor caminho para o ensino jurídico. A reforma urge.

A reforma do ensino jurídico. Falar em soluções para o ensino jurídico é falar em soluções para o ensino do Direito em um local e época determinados. A solução não é abstrata, antes, refere-se a um determinado contexto sócio-econômico (também a solução é dotada de historicidade). Isto não nega a importância da experiência de outros sistemas, de outros países, ao contrário, elas podem ser deveras úteis. A aplicação da experiência externa, todavia, tem, necessariamente, que passar por uma adaptação à realidade nacional. É requerida cautela, a fim de que não reincidamos no erro histórico das soluções cosméticas, ou das meramente cosméticas, que reformam para nada mudar.

Impende salientar vez mais, que a crise não é privilégio do ensino jurídico. O país atravessa já há muito uma crise sócio-econômico-política, da qual o ensino jurídico é parte. Não ignoramos, outrossim, que as soluções dependem de mudanças estruturais na sociedade como um todo, pois uma reforma do ensino desprovida de paralelos em outros setores atingidos pela crise tornar-se-ia inócua. Se o isolamento é pernicioso, assim também a espera pelas soluções estruturais, em detrimento da ação setorial. Destarte, devem os operadores jurídicos atentar para as peculiaridades da crise do ensino jurídico, com vistas a corroborar esforços no empenho global da reforma da sociedade.

A primeira reforma a ser implementada é a do Direito que se ensina nas escolas. O Direito como instrumento de dominação social há de ser substituído pelo Direito enquanto fator de emancipação, de transformação efetiva da sociedade. O Direito como instrumento de dominação não oferece, senão uma pálida idéia do que verdadeiramente seja o jurídico. Assim como é visto hoje, ele serve às classes dominantes. Mas da mesma água que faz a serpente o veneno, produz a mãe o leite da vida. Os operadores do Direito cônscios de suas responsabilidades perante a sociedade hão de “reler” o Direito. Uma atuação que considere o Direito como produto histórico, orientado à proteção dos valores mais caros à sociedade há de predominar. O método de atuação do Direito não pode mais ser reduzido, o juiz não é mero aplicador, é criador do Direito. O fato, o caso, é que estabelece os parâmetros da decisão, numa interpretação axiológico-histórica do Direito. O Direito e os seus operadores passam a conduzir a transformação da sociedade, tornando a justiça, o referencial maior do Direito. Sem esta virada, não há mister reformar o ensino do Direito. Com ela, todo esforço valerá a pena.

A reforma do ensino é multifacetada. Tentaremos abordar alguns problemas que nos parecem mais relevantes. O primeiro deles, o da administração escolar. Mister esclarecer alguns pontos. O Professor Henry Rosovsky(50), Decano da Universidade de Harvard sugere que os alunos não devam participar da administração escolar, nem se ocupar do problema do ensino que lhes é ministrado. Argumenta que o aluno passa apenas quatro anos na Universidade, seu compromisso é mínimo, a inexperiência é máxima. Além disso, não sabe as matérias, caso contrário, não seria aluno, logo, não pode ter responsabilidades sobre os currículos ou sobre o ensino, embora possa legitimamente comentar a qualidade das aulas. É preciso entender melhor o problema. Antes do mais, a realidade universitária americana é demasiadamente divorciada da brasileira. Na verdade, é muito importante a participação do aluno nos processos decisórios da Universidade, senão como fiscal, como destinatário destas decisões. O estudante não pode ser somente objeto desta decisão, há de ser sujeito(51). A idéia de trazer a realidade do estudante para o processo educativo, e incentivar o desenvolvimento do espírito crítico, passa necessariamente pela participação direta dos alunos nas decisões da comunidade universitária. Se a experiência é mínima, e com isso, ad argumentandum, se poderia concordar, a ausência de participação estimula a inércia. Ademais, é uma afirmação leviana a de que não há comprometimento. O problema é outro: os critérios decisórios não podem ser quantitativos. Com efeito, se é certo que a participação é imperiosa, mais certo é que ela deve ser proporcionalmente qualitativa(52). A proposta uma pessoa, um voto, representa o extremo oposto, e também não pode ser implementada, sob pena de comprometimento da excelência acadêmica. Na ponderação destes extremos, respeitado pelo menos o mínimo de participação ao alunado, reside a equilibrada solução para a questão.

A questão curricular demanda uma atenção mais detida. Preliminarmente, cumpre acentuar que uma boa estrutura curricular não implica necessariamente excelência acadêmica. Já foi dito que desimporta a rubrica sob a qual é ministrado, importa seja um ensino de qualidade, comprometido com os valores maiores da sociedade. Feita esta ressalva, passamos a analisar algumas nuances do novo currículo dos cursos jurídicos(53), que por ser materialmente(54) vinculante das faculdades, merece referência. O novo currículo (conteúdo) mínimo expõe nas suas linhas de força a essência das propostas que se têm feito nos últimos anos(55), notadamente no que tange à estatuição de três períodos(56), quais sejam, o de formação geral, o de formação profissional, e o de especialização (facultativa). Muito embora a idéia de autonomia total das escolas na fixação dos currículos seja sedutora, a questão, como acentuamos é de importância relativa. Ademais, o novo currículo trouxe novidades animadoras. A exigência de monografia(57) é uma delas. Além das vantagens diretas, as monografias podem levar à integração entre os cursos de graduação e pós-graduação (os alunos destes poderiam funcionar como orientadores dos alunos daqueles), com ganhos manifestos para ambos. A obrigatoriedade do estágio, antes facultativo, com a sua inclusão no currículo, retira do ostracismo e da inocuidade a prática forense, a bem da verdade, antes, muito pouco prática. Espera-se seja bem sucedida esta boa inovação (frise-se que tal estágio curricular não substitui o estágio supervisionado pela OAB(58)). A imposição de um acervo bibliográfico mínimo, de obras atulizadas (!), com distribuição proporcional às matérias oferecidas, foi de rara felicidade. Perdeu, contudo, a oportunidade de avançar mais. O momento era, e ainda é azado para ousar. Seria conveniente a inclusão do Direito Comparado (e/ou Estrangeiro, e/ou Comunitário) e de um idioma estrangeiro(59). A facilidade das comunicações, e a famigerada globalização, a qual, se bem conduzida, pode revolucionar (para bem) a sociedade, já estão a impor uma política de estudos nestes ramos. O Direito Comparado, com efeito, parece-nos fundamental, pois além de tudo, permite ao estudante compreender o caráter contingente, histórico-temporal ou político-espacial dos institutos e postulados(60), desenvolvendo atitude crítica. Quanto ao Direito Romano, a ausência beira a irresponsabilidade. Já não persistem os problemas de identidade nacional de séculos passados, e, como acentua Moreira Alves, na esteira de Carnelluti, a lacuna cultural decorrente da sua não inclusão no currículo é gravíssima, pois, o Direito Romano, se não se respira na Universidade, passou a ocasião apropriada, que não volta mais(61). Nada obsta, entretanto, a que as escolas adotem as matérias nos seus cursos, na parte que deverá complementar o currículo mínimo, para torná-lo pleno(62).

Talvez a extensão do curso pudesse ao menos ser discutida. A carga horária diária de atividades (normalmente quatro horas) é muito pequena(63). Nestas condições, cinco anos demonstram-se insuficientes. Noutros países desenvolvidos, ninguém obtém a possibilidade de atuar profissionalmente com Direito em menos de seis anos (nos referimos especificamente aos Estados Unidos(64) e à Alemanha(65)).

Outro problema fulcral é o do tipo de formação. Sob o argumento da necessidade de formação geral, os profissionais se tornaram incapacitados. Com a falácia profissionalista, o pragmatismo sepultou a formação geral. Não se forma nada. A melhor orientação, a qual, registre-se, foi adotada pelo MEC, parece ser a da composição. A virtude, ensinava o sábio estagirita, está no meio. A idéia é conjugar ensino formativo e informativo(66), buscando o bacharel completo, na medida em que isto é possível, não descurando, ainda, da necessidade de especialização. Esta a orientação dos sistemas educacionais mais bem sucedidos, como o alemão, onde a formação visa a fornecer ao corpo social o volljurist(67). Esta tendência não é somente das escolas de Direito, antes, é tendência geral da Universidade. Neste sentido aduz Boaventura de Souza Santos, que “verifica-se, assim, um certo regresso ao generalismo, ainda que agora concebido, não como saber universalista e desinteressado próprio das elites, mas antes como formação não-profissional para um desempenho pluriprofissionalizado. O relatório da OCDE (...) privilegia “a preparação ampla para uma grande variedade de condições subsequentes imprevisíveis” em detrimento “de um treinamento específico para uma tarefa que daqui a cinco ou dez ou vinte anos pode não existir””(68). Com efeito, a ausência de matérias que estimulem o raciocínio e a atitide crítica, tornam o profissional esclerosado prematuramente, “impedindo por completo sua adaptação às novas situações sociais”(69), assegurando a dominação. É a interdisciplinariedade, interna e externa(70), que permite uma visão global dos fenômenos otimizando sua compreensão. Já dizia um grande Mestre, a verdade só se deixa apreender por quem rodeá-la. O caminho está traçado, mister caminhar. A OAB, como se verá, pode desempenhar relevante papel na caminhada.

Um ponto que não pode passar desapercebido é o da qualificação e valorização dos professores, interdependentes entre si. Com o objetivo de elevar a qualidade docente, sugere-se a exigência de concurso público(71) para os cargos de professor, forte nos ideais democrático e igualitário, inclusive em instituições privadas. Além, a proposta de exigir um curso de pós-graduação stricto sensu, ao menos onde há oferecimento destes cursos, como nos grandes centros (onde se encontra também a maior concentração de faculdades), assemelha-se conveniente(72), com a vantagem de incenticar o desenvolvimento destes cursos. A adoção destes procedimentos concorre para a valorização dos corpos docentes, sem a qual não se pode pensar a reforma do ensino jurídico(73), inclusive com elevação salarial evidente, eis que a oferta diminuiria abruptamente, em presença de uma demanda crescente (impõe-se, à toda evidência, a cocessão de um prazo para adaptação progressiva), além de afastar os ocupantes de cargos públicos sem qualificação acadêmica(74).

O método de aula é questão sensível. Se, por um lado, a aula expositiva não mais satisfaz, além de cercear a atitude crítica (como já foi acentuado), e a aula dialogada é o caminho mais interessante, por outro lado, sua adoção é muito difícil. Em primeiro lugar, trata-se de costume de elaboração secular, e cuja mudança, leis não podem operar. É preciso desenvolver uma nova mentalidade no ensino jurídico brasileiro, com vistas a operacionalizar a aula dialogada. A pós-graduação deve contar matérias didáticas que desenvolvam tal hábito nos futuros docentes, capacitando-os à aula dialogada(75), muito mais exigente, para docentes e discentes. Por outro lado, a implementação do case system é mais simples. Este método proporciona a perspectiva que mais encanta os que cuidam do problema do ensino jurídico hoje, a law in context approach(76). Atua com atração irresistível a tendência a ver o Direito orientado para a solução de problemas práticos(77). A adoção do case method não implica a exclusão total da aula expositiva; não são excludentes, ao contrário, complementares. Não se concebe é o imobilismo que representa a exclusão inversa. A utilização de seminários pode ser producente como meio de implementação deste método, mas o fim a que se quer chegar é a prática normal, em qualquer disciplina da resolução de casos concretos para efetivação do ensino. Além de ressaltar a importância desta prática como meio de reinserir a escola na sociedade, e trazer o contexto do estudante para o processo educativo (v. supra), impende acrescentar que o sistema de casos permite uma abordagem interdisciplinar do Direito, favorecendo a apreensão do fenômeno social no seu todo significativo. Longum iter est per praecepta, breve et efficax per exempla.

As idéias e opiniões aqui esboçadas certamente não esgotam a questão, mas possivelmente a equacionam em seu núcleo fundamental. O passo doMEC, embora tímido, já representa sinal de avanço. Certo é que as reformas não podem ser efetuadas “de cima para baixo”. A mudança na mentalidade é essencial para a melhoria na qualidade do ensino jurídico em nosso país. Para tanto, os diversos segmentos que compõem os quadros jurídicos devem unir forças, eis que são os mais claros interessados na reforma. Mister, a partir de agora, conhecer o papel de um destes segmentos, o maior e mais representativo, a OAB neste movimento de reforma. Antes, porém, alguns esclarecimentos sobre a Ordem.

A OAB. Desde a sua fundação, ainda no Império, preocupam a Ordem os problemas da cultura jurídica. Haroldo Valladão(78) relata que a Gazeta dos Tribunais, que teria sido a nossa primeira revista jurídica, inspirou a fundação do então Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil (1843). Desde então a Ordem(79) advoga, como ordem de classe, os interesses dos seus membros. Não possui responsabilidade direta pelo ensino do Direito. Outras são as suas funções.

Segundo consta, a Ordem foi criada como órgão de seleção e disciplina dos advogados. Seus objetivos, contudo, são mais amplos. É responsável pela absorção em seus quadros dos bacharéis egressos das faculdades, pela ética do profissional no exercício de suas atribuições (no processo ou não), fiscaliza a ordem institucional, representa políticamente os advogados, et coetera. A bem da verdade, assume posições para a qual não foi imaginada institucionamente, mas para as quais é impelida pelo ímpeto de seus integrantes. É verdade que também são advogados que instrumentalizam os poderes totalitários, anti-democráticos, mas a classe não se faz acompanhar enquanto corpo político. A história recente do Brasil testemunha o papel de resistência, às vezes com o sacrifício de vidas humanas, desempenhado pelos advogados durante os anos de regime militar. Se houve quem falasse com voz firme pela restauração da liberdade e da democracia, este alguém foi o advogado(80). Com a redemocratização, em que a OAB desempenhou papel central(81), mudaram os desafios, e, logo, as estratégias de atuação e objetivos da Ordem. Em suma, retornando o Brasil do período de exceção, quando a Ordem tem atuação também excepcional, volta os olhos a OAB aos seus atributos institucionais. Aí começa uma história menos nobre.

A Ordem sai muito fortalecida do processo de democratização. Politicamente forte. Ademais, após o período de lutas, redireciona as preocupações aos problemas institucionais, de classe, corporativos(82). Em detrimento das preocupações com o acesso à justiça, e a própria legitimação do sistema, prevalecem os interesses corporativos.

O agravamento da crise do mercado de trabalho intesifica o corporativismo. A falência do sistema como um todo, conquanto tenha origem na inadequação do ensino jurídico, é produto também do corporativismo dos operadores jurídicos, que pretendem melhorar a situação da classe através da reserva de mercado (que logrou estatura constitucional - Constituição da República, art. 133).

A tentativa de solver a crise do mercado de trabalho através daquilo a que se usou chamar “tentação monopolista”(83)(84), além de anti-democrática, produz o efeito inverso, aumenta o descrédito do profissional e agrava a situação. O descrédito, aliado à ineficiência do aparelho judicial, produzem um efeito perverso (e reverso), esvaziam mais ainda o mercado de trabalho. Há muito já acentuava Falcão que este é um monopólio que o mercado trata de esvaziar(85). Nem melhoram as condições do mercado dos advogados, nem garantimos o acesso à justiça. Dentre os efeitos conta ainda a realimentação do sistema, descrédito e desemprego concorrem para por a perder vocações, a advocacia torna-se vocação residual(86)...

Após curta ruptura com os ideais libertários, sobrepujados pela cultura monopolista, deve a OAB redirecionar seus esforços para a solução da crise do mercado de trabalho. A solução passará necessariamente pela restauração da legitimidade do Poder Judiciário. A base deste processo é a reforma do ensino jurídico.

O papel da OAB. Preliminarmente cumpre acentuar que a Ordem não tem reaponsabilidade direta pelo ensino jurídico. Esta idéia foi sintetizada por LAVENERE, “É notório o interesse da OAB com o aprimoramento do exercício profissional da advicacia; e, por consequência, com o ensino jurídico”(87). Ne sutor ultra crepidem.

Sem embargo, pode, e deve a Ordem adotar muitas medidas com vistas à melhoria da qualidade de ensino, e por conseguinte, da formação profissional.

Impende gizar, de início, que a OAB não pode controlar o ensino. Às instituições de ensino é garantida autonomia didático-científica (instalada em sede constitucional). Mas pode avaliar, e converter um sistema de avaliação em fiscalizador das instituições de ensino. Neste sentido, é de se tecer loas à institucionalização de uma Comissão (de ciência e ensino jurídico) para este fim, e que prestou relevantes serviços(88). Com a avaliação, é possível informar a população sobre as escolas, além de objetivar as análise, muitas vezes fundadas em impressionismos e “achismos”. Ainda na idéia de avaliação, a Ordem pode realizar um controle externo de qualidade dos manuais acadêmicos(89), aprovando-os ou não para os cursos. Tal indicação, certamente não vinculante, poderia inibir o oportunismo editorial, de que são vítimas muitos estudantes carentes de orientação mais segura em seus estudos. Mas a atuação da Ordem não se restringe à avaliação de cursos ou manuais.

O novo Estatuto da OAB, em boa hora, determina a obrigatoriedade do Exame de Ordem para quem quer que queira exercer a advocacia. Este exame pode desempenhar papel relevantíssimo na melhoria das condições da advocacia no país.

Em primeiro lugar, o Exame pode controlar a qualidade do ensino jurídico. Bacharéis mal formados, que antes se tornavam advogados sem mais esforços, agora passam por uma prova de qualidade. Tal exame pode, outrossim, regular o acesso à carreira. O tema é polêmico, mas é certo que onde os cargos de magistrados estiverem todos ocupados, vagas não serão criadas para absorver o excedente. Bem assim os cargos da iniciativa privada. Por que não poderia a Ordem limitar o número de inscritos como forma de impedir a saturação do mercado? O exame tornar-se-ia concurso, e a advocacia deixaria de ser vocação residual. Para Azevedo(90), em princípio, nada obstaria(91). O Exame pode ir além.

Com efeito, o exame de Ordem pode funcionar como indutor da melhoria da qualidade do ensino jurídico(92). Poderoso indutor. Sendo certo que grande parte dos estudantes de Direito pretende inscrever-se na Ordem, o direcionamento dado pelos exames (concursos) de Ordem podem influir decisivamente na formação universitária. A contribuição da Ordem poderia ser no sentido de exigir nos exames as disciplinas formativas a que nos referimos anteriormente. Na verdade, a avaliação da Ordem não pode cingir-se à informação, ao contrário, deve centrar-se na formação do Bacharel. Tenha-se presente a tendência de valorização da formação geral sobre a especializada. Neste sentido, os demais concursos públicos (MP, magistratura, etc...) poderiam também passar a avaliar a formação geral dos concursandos, com o objetivo de direcionar e privilegiar o ensino das respectivas disciplinas (formativas). A idéia não está isenta de críticas.

O exame de ordem, em verdade, oferece vários riscos(93), os quais não podem ser desconsiderados. O primeiro é o de que, a exemplo dos vestibulares(94) e concursos públicos, não suscite melhoria alguma na qualidade do ensino, produzindo antes a proliferação de cursinhos preparatórios (privados e caros), igualmente descompromissados com a qualidade do ensino, excluindo assim os menos capacitados economicamente dos exames e da advocacia (perversa seleção economica). Data venia, queremos crer tal não se daria. De efeito, cursinhos não ensinam disciplinas formativas, antes, proliferam-se às custas de disciplinas informativas cada vez mais exigidas nos concursos. Qual curso poderia, nos modelos em que hoje existem, oferecer formação qualitativa em ciência política ou sociologia? A experiência demonstra que os chamados cursinhos pertencem a ocupantes de cargos públicos, que se valem da sua experiência anterior e do cargo que ocupam para atrair alunos, ávidos por informação. Ao nosso sentir, a avaliação da formação ao invés de incentivar, inibiria estes cursinhos.

O outro risco, este mais grave, é o do patrulhamento ideológico(95) através do exame de Ordem. A experiência estrangeira demonstra que a preocupação é procedente(96). Mas o risco não nos deve afastar do caminho. Havemos de criar meios de evitar tal vício, como por exemplo, a composição heterogênea das bancas examinadoras, tal como ocorre noutros concursos, ou até mesmo a obrigatoriedade de gravação dos exames, quando orais, (conservadas por um tempo determinado) para efeitos de recurso, ou eventual propositura de ação judicial. Pode-se mesmo compor bancas de outros estados, tornando ineficazes pressões regionais. Além do mais, não guiamos nossos passos pela excepcionalidade, pelo vício, mas pelos resultados benéficos obtidos.

Outras atitudes podem ser tomadas pela Ordem, com caráter tópico, para induzir e estimular a melhoria da qualidade do ensino jurídico. A Ordem pode instituir prêmios jurídicos, nos vários ramos do Direito, pode promover uma política de traduções de obras jurídicas de interesse, setor no qual o Brasil é paupérrimo, e cujo custo é muito elevado para as instituições unitárias, pode promover ciclos de debates, conferências, seminários e atividades culturais deste tipo, jurídicas ou não. Muitas destas atitudes já são adotadas(97) pelo Conselho Federal e seccionais, devendo ser estimuladas e até institucionalizadas. Mesmo não sendo instituição de ensino, nada impede que a Ordem, em conjunto com alguma(s) faculdade(s) ofereça um curso tendo por escopo suprir as necessidades de formação muito especializada, de difícil tratamento num curso universitário. A experiência do CEPED(98) pode ser analisada como eventual modelo.

Entre os anos de 1967 e 1972 foi realizada uma experiência de renovação do ensino do Direito - o CEPED. Com apoio financeiro de organismos internacionais, experimentou-se, com grande sucesso, uma nova experiência metodológica (de certa forma, inspirada nos moldes propostos pos San Tiago Dantas). Oliveira(99) relata a substância da experiência: “Porque aí está o grande risco: o de que um ensino formulado a partir de um método de indução termine por não conseguir chegar aos valores (...). É sintomático, por exemplo, como indício de o quanto é real esse risco, o fato de a experiência do CEPED (sem dúvida meritória como experiência de formação especializada em nível de pós-graduação) não ter produzido nenhuma análise crítica da opção axiológica feita pelo legislador em matéria de lei de mercado de capitais, apesar de esse assunto ter figurado entre os que mereceram - a julgar pelos artigos publicados - mais constante atenção nos cursos do CEPED”. Em realidade, o CEPED foi meio de treinamento de advogados para o serviço dos grupos internacionais que entravam no Brasil, e necessitavam de instrumental jurídico para tanto(100). Mas não se pode negar seus méritos, a saber, extrema eficiência na consecução de seus objetivos, e inovação metodológica. A OAB pode servir-se da experiência, evidentemente redimensionando o curso para reorientá-lo axiologicamente. Fato é que a experiência de formar, de certa forma fora da faculdade, um grupo de profissionais especializados em uma determinada matéria, a partir de métodos modernos, sem aspirações à permanência, antes programado para a transitoriedade, pode servir à OAB para apresentar ao mercado profissionais que as faculdades teriam dificuldades em formar, devido ao alto grau de especialização técnica(101).

Ainda com relação à atividade da OAB, uma idéia merece ser considerada. Ao contrário de outras carreiras, como a militar e a diplomática, o ingressante na advocacia não passa por nenhum processo de socialização. Queremos com isso dizer que o novo advogado não passa por um estágio(102) de acomodação na Ordem. Não há a exposição do bacharel à cultura da classe (institucional), o que dificulta ao extremo a preservação de uma identidade da advocacia. A ética na advocacia se ressente muito desta ausência. Há perigos subjacentes à idéia, como, vez mais, o patrulhamento ideológico, ou a homogeneização das personalidades, profundamente prejudicial ao desenvolvimento da profissão, dificultando as relações do grupo com a sociedade, necessariamente plural (heterogênea). Os perigos, entretanto, não devem obliterar os debates, e a sugestão merece ser considerada.

Estas considerações não esgotam a temática da participação da OAB no processo de reforma do ensino jurídico. Todas as outras propostas relatadas no decorrer do estudo podem, e devem contar com a participação da Ordem, desde a concepção até a implementação, e avaliação ulterior dos resultados obtidos. Estas propostas, todavia, foram as que nos pareceram mais interessantes, demandando mais atenção por parte da classe dos advogados.

Considerações concludentes. É despiciendo discutir se o ensino jurídico se encontra em decadência ou não(103). Mas o senso comum informa que está próximo ao seu paroxismo, principalmente pela sua repercussão na falta de legitimidade do aparelho judiciário(104). Imperioso lembrar que as faculdades de Direito formam com exclusividade os membros de um dos poderes da Nação. O Professor Falcão(105) toca a questão em síntese significativa, quando observa que “dizer que a crise do ensino de hoje difere de 20/30 anos atrás, não implica dizer que se tenha resolvido as inadequações (...). Se me perguntassem diria que nos anos 60, a leitura consevadora do famoso texto de San Tiago Dantas, identificou, mas reduziu a crise do ensino à crise da metodologia didática. E de fato a metodologia era inadequada. Os anos 70 e 80 identificaram a crise do ensino Kelseniano acrítico diante da legalidade autoritária. Este formalismo acrítico era também inadequado. Hoje colhemos os frutos de não termos resolvido com sucesso nem uma nem outra crise, o que fez aparecer uma nova dimensão, ser responsável pela ineficiência de instituições jurídicas fundamentais”. Como tivemos oportunidade de salientar, trata-se do mais grave efeito da crise do ensino jurídico, sobrepondo-se mesmo sobre a gravíssima crise do mercado de trabalho que, de há muito saturado, aflige toda a advocacia.

O estudo demonstra que inexiste uma panacéia capaz de resolver a um só golpe os problemas do ensino do Direito. Impende reconsiderar a concepção do Direito, sublinhando seu papel de transformação, sob pena de não o fazendo, negligenciarmos de modo superlativo suas potencialidades.

A reforma consiste em dotar o bacharel, futuro operador do Direito, arquiteto social, de instrumentos capazes de permitir a sua colaboração no longo caminho de transformação da sociedade Após, torna-se inevitável a referência a San Tiago Dantas, cuja preocupação com o ensino jurídico é o marco da conscientização da comunidade jurídica para a grave crise que se abatia sobre a formação dos profissionas do Direito. As releituras de San Tiago, deveras críticas, mas de extrema atualidade, conduzem a uma melhor compreensão do fenômeno ensino jurídico como inserto no contexto social.

Chegando aos dias atuais, é preciso não descurar de que a crise não é privilégio, da educação, da universidade, o. Com uma perspectiva multidisciplinar, num processo dialético de aprendizado, que é construído, e não dado, e voltado para a solução dos problemas que a vida apresenta, o ensino jurídico poderá colaborar com a emancipação da sociedade. Merece transcrição a lição de Comparato(106): “O jurista não é mero expositor do Direito nem apenas professor. A sua virtude profissional, por excelência é aquela frônessis grega, que os romanos traduziram por prudentia, a aptidão deliberativa sobre o agir humano, a qual, por isso mesmo, como bem salientou Aristóteles, diz respeito sobretudo a fatos particulares e não aos universais. É mais uma sabedoria que se alimenta da experiência humana do que uma ciência fundada em reflexões especulativas”.

Os advogados enquanto operadores jurídicos, e a Ordem dos Advogados do Brasil, como órgão de classe deve estar comprometida com esta reforma, podendo desempenhar relevante papel, principalmente no que tange à indução, através do Exame de Ordem, da melhoria da qualidade do ensino do Direito.

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