A Queda da CAsa
Por: eduardoneves1 • 24/10/2023 • Resenha • 11.019 Palavras (45 Páginas) • 52 Visualizações
A QUEDA DA CASA: APONTAMENTOS SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO NA OBRA DE MILTON HATOUM
Cristhiano Aguiar[1]*
RESUMO: Este artigo propõe sistematizar alguns aspectos gerais da representação do espaço na obra do escritor amazonense Milton Hatoum. Os livros analisados são Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Órfãos do Eldorado.
PALAVRAS-CHAVE: Espaço; Milton Hatoum; Ficção brasileira contemporânea.
ABSTRACT: This paper undertakes an overall reading about spatial representation topics regarding three novels writen by brazilian writer Milton Hatoum: Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Órfãos do Eldorado.
KEYWORDS: Space; Milton Hatoum; Contemporary brazilian fiction.
A obra de Milton Hatoum no contexto da literatura brasileira contemporânea e amazônica
O presente artigo se propõe a pensar a obra do escritor amazonense Milton Hatoum a partir de uma palavra-chave: espaço. Pensaremos de que modo o espaço é articulado em sua produção ficcional. Antes de analisarmos Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Órfãos do Eldorado, devemos pensar um pouco sobre qual é o lugar atual, segundo a crítica, da obra de Hatoum no contexto da literatura brasileira contemporânea e, especificamente, da produção literária amazonense. Indagar a respeito desse local é, já, pensar a obra escolhida espacialmente.
Em seu artigo “Breves apontamentos para a história literária brasileira”, Helena Bonito Pereira empreende uma síntese de algumas das principais tentativas de sistematização da nossa produção literária recente. O percurso começa com Alfredo Bosi e Antonio Candido: para o autor de História Concisa da Literatura, a literatura brasileira pós-70 é marcada pela crise na cultura letrada em seu sentido tradicional, pela literatura-reportagem, pela continuidade da temática regional (Moacyr Scliar, seria o exemplo, embora alinhá-lo apenas nessa temática pode ser hipótese aberta a questionamentos) e pela ênfase nas questões da família (na obra de Nélida Piñon). Poéticas do absurdo e da sexualidade, como é o caso da obra de João Gilberto Noll, assim como o brutalismo de autores como Rubem Fonseca são outros destaques da historiografia de Bosi (PEREIRA, 2011, p.35). Candido, por sua vez, identifica, a partir de um recorte temporal que se aproxima do de Bosi, uma linha de narrativas tradicionais, citando como exemplo a obra de Antonio Callado. Tal vertente se desenvolve ao lado de uma literatura “inconformista”, cuja escrita seria “contra a escrita elegante, a convenção realista, lógica narrativa e até mesmo contra a ordem social” (PEREIRA, 2011, p.36). Os temas sociais, vinculados à migração, marginalidade e criminalidade permeiam intensamente esta nova produção, ainda segundo Candido (PEREIRA, 2011, p.36).
O jornalístico, o regional, o engajamento político, o realismo, a vida urbana e a sátira são marcas, segundo Malcom Silverman, da ficção produzida entre as décadas de 60 e 80 (PEREIRA, 2011, p.38). Silviano Santiago, por outro lado, destaca como tendência pós-70 uma maior aproximação com a produção hispano-americana, a influência da reportagem, do regionalismo e das alegorias políticas (PEREIRA, 2011, p.39). Outra importante característica consiste na presença mais acentuada da indústria cultural e das novas tecnologias no âmbito da criação literária. Longe de ser uma característica preocupante, ou um sinal de decadência do literário, isto pode ser fecundo:
Talvez o aspecto mais interessante da presença da cultura de massa seja o conflito entre a adesão a diversas formas de consumo (nem sempre massificados, no sentido da perda de qualidade), em especial o do cinema e o da música, e a crítica, muitas vezes envolta em velada ironia, com respeito a esses mesmos componentes da massificação, que transparece nos próprios textos ficcionais. Efeito da invasão tecnológica, a contaminação por outras mídias complica um pouco, mas não inviabiliza a criação literária. Pode ter até contribuído para a intensificação de um recurso narrativo amplamente empregado nas obras contemporâneas, o da fragmentação ou desintegração formal assumida como princípio artístico (Pereira, 2011, p.41-42)
A importância das novas tecnologias pode ser sentida, por exemplo, nos textos e nos modos de atuação dos escritores reunidos em antologias como as da Geração 90 e Geração Zero Zero (PEREIRA, 2011, p.42). Comparando a literatura de ficção produzida nos anos 60-80 com a produzida entre os anos 90-00, chega-se à conclusão de que o regionalismo, embora transformado, e os dramas urbanos e familiares continuam a marcar presença, assim como a importância cada vez crescente de reflexões sobre a própria linguagem narrativa e o uso da intertextualidade (PEREIRA, 2011, p.43-45). Esgotado também está, afirmam Schollhammer em Ficção brasileira contemporânea (2009) e Pellegrini na sua coletânea de ensaios Despropósitos: estudos de ficção brasileira contemporânea (2008), os grandes ciclos nacionais na literatura brasileira[2]: “Pode-se dizer, pois, que nesse aspecto, a referida busca da expressão nacional, representando o sentido agônico da convivência entre nacional e estrangeiro, já não é mais o único caminho da produção da literatura brasileira” (PELLEGRINI, 2008, p.20, grifos da autora).
Em meio a uma produção tão variada e efervescente, na qual às vezes dezenas de autores contemporâneos publicam novos livros a cada mês, Milton Hatoum tem se firmado como um dos escritores de maior destaque. Poucos autores brasileiros têm sido tão premiados, traduzidos e celebrados quanto Hatoum. Seu primeiro romance, Relato de um certo Oriente, foi publicado quando o escritor amazonense tinha 37 anos e logo ganhou o Prêmio Jabuti de melhor romance. Formado em arquitetura pela USP, Hatoum trabalhou como professor universitário em Manaus, porém o acúmulo de premiações e o sucesso dos seus escritos o levaram a deixar a vida acadêmica e se dedicar apenas à carreira de escritor. Acumulou, desde 1989, postos como professor-visitante ou escritor-residente em importantes universidades e os seus três primeiros romances receberam algumas das mais importantes premiações brasileiras: além do Jabuti, o Portugal Telecom, o APCA, o Prêmio Bravo!. Em 2008, foi agraciado com a Ordem do Mérito Cultural pelo Ministério da Cultura. Sua carreira pode ser tomada como um bom estudo de caso da profissionalização crescente do mercado editorial brasileiro, bem como da profissão do escritor[3], profissionalização, contudo, que não acontece de maneira uniforme para todos os autores.
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