TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

A TRANSFERÊNCIA

Por:   •  20/10/2018  •  Trabalho acadêmico  •  1.076 Palavras (5 Páginas)  •  104 Visualizações

Página 1 de 5

No seminário de Lacan sobre A transferência, encontramos na citação do Banquete de Platão uma chave preciosa para demarcar a maneira própria do amor operar no processo psicanalítico pela função do desejo do analista. Sócrates diz nada saber do amor, senão o que escutou de uma mulher. É nesse lugar curioso cedido ao feminino que se parte na busca de resgatar uma dimensão mais ampla para o amor que, como Márcia Sobreira lembra, comporta sempre uma visada ao infinito. Diotima critica que o amor, que amplo senso estaria vinculado ao desejo do que é bom e nos faz felizes, ficou restrito a indicar a busca da metade de si mesmo. E indo além, interroga-se sobre qual seria o ato particular no qual desejar o bom toma o nome de amor, ou seja, questiona: que “bom “ é esse que está em jogo no amor? E responde que é a beleza, seja pelo corpo, seja pela alma. Ela explica que a certa altura da vida precisamos produzir, e o amor busca a beleza porque ela é fecunda, implica engendramento, convoca a poiesis,  definida como a causa que faz “passar o que quer que seja do não ser ao ser” [1][3]. É por esta via que o homem se faz criador. Assim, embora com sua natureza mortal, consegue participar do imortal como lhe for possível. Faz-se simultaneamente acolhimento do precário e expressão de expansão.

A transferência evidencia a dimensão estrutural que o amor toma na constituição do sujeito humano. Podemos perceber que o discurso de Diotima serve para falar da função do amor no laço analítico porque, nele, o amor se desloca de sua posição de colagem no objeto, sem entretanto tirá-lo de causa, e com isso descortina um universo bem mais amplo de possibilidades para o fazer amoroso. Quando o objeto, ou melhor, a fantasia que atrela o sujeito ao objeto revela-se em sua inconsistência – o que é efeito da travessia acima mencionada –, espera-se que o desejo do analista  convoque um campo relativo ao desejo de fazer, ou melhor, opere na direção na qual o saber encontra-se  vinculado a um saber-fazer, um savoir-faire. Este é o saber que distingue o desejo do analista e lhe permite fazer algo com a verdade.  Esse saber não tem nada a ver com nenhum tipo de erudição, ou acúmulo de informação, mas se refere à possibilidade de se tocar, eu diria, “o espírito da Coisa”. Trata-se de, pela poiesis psicanalítica, operar com o amor enquanto meio de transporte “do que quer que seja do não ser ao ser”, ainda que esse ser não seja senão fruto de ato de criação e, portanto, contorno e não supressão de um vazio insuturável. Vazio frente ao qual se pode fazer alguma coisa. Assim, é a dimensão fecundante da beleza o que opera no amor que interessa ao desejo do analista. Ponto no qual caberia investigarmos a relação desse amor com um gozo Outro, feminino, suposto existir diante da evidente insuficiência do gozo fálico, promotor da torção que permite o surgimento de um analista.

Assim, se espera que o analista intervenha, não a partir do sujeito que ele é, mas da função que ele sustenta. Não se trata de uma mera abstenção subjetiva, mas sim da implicação de uma experiência de  dessubjetivação que é fruto de sua própria análise. Para isso, é preciso que ele faça um percurso que venha lhe possibilitar tanto uma queda do Outro enquanto assegurador do Ideal da verdade, quanto um certo luto do objeto com o qual tentamos obturar nossa falta a ser. O analista, intervindo do lugar de semblante do objeto que é causa de desejo para o sujeito que ele escuta, busca que algo deste desejo possa ser demarcado em análise. Quero sublinhar que sua capacidade de intervir a partir desse objeto a, proposto por Lacan,  é algo que é efeito da própria análise do analista. Ou seja, é ela que pode vir a permitir que haja um consentimento nessa relação na qual o objeto passa a atuar como causa ativamente. É a partir da própria experiência do analista com esse curioso  objeto a em sua análise, esse objeto que se afigura como pólo de atração de toda demanda e de condição absoluta para a existência do desejo, que uma interrogação sobre o desejo pode produzir essa exceção, que é um desejo que não é desejo do Outro. Em seu trabalho, Geraldo Piquet o menciona como desejo do desejo não do, mas no outro, ressaltando esse outro com o minúsculo, já que o outro ao qual um analista se dirige não pode senão ser abordado como sujeito dividido.

...

Baixar como (para membros premium)  txt (6.3 Kb)   pdf (80.8 Kb)   docx (14 Kb)  
Continuar por mais 4 páginas »
Disponível apenas no TrabalhosGratuitos.com