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Comuna de Paris: Última Revolução Plebeia ou Primeira Revolução Proletária?

Por:   •  6/3/2021  •  Pesquisas Acadêmicas  •  4.880 Palavras (20 Páginas)  •  111 Visualizações

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        Comuna de Paris: última revolução plebéia ou primeira revolução proletária?[1]

                Daniel Aarão Reis Filho

                

                

                        

        1. Paris, cidade-luz, cidade-trevas

        Para começar,   o palco, onde se verificaram os acontecimentos. Ao longo  do século XIX, a cidade de Paris manteve o ritmo de crescimento que já a tornara, há muito, a primeira cidade de França e uma grande metrópole mundial. No primeiro terço do século a população praticamente duplicou: de 500 mil, em 1800, para cerca de um milhão, em 1836. Em 1872, quase uma outra duplicação: 1.800 mil habitantes. Aspirando para si praticamente todo o crescimento demográfico francês , 2/3 de sua população ativa ganham a vida como assalariados, metade vive do trabalho manufatureiro.

        O vertiginoso crescimento, no entanto, não subverteu as estruturas sociais, industriais e urbanas tradicionais. As atividades econômicas principais, a importância relativa das pequenas empresas e dos pequenos patrões, a composição da população, a relação entre patrões e assalariados, aspectos que reiteram mas do que alteram as realidades do início do século. Neste sentido, do ano II da Grande Revolução Francesa a 1871, Paris est resté Paris[2]. Dados sobre suas estruturas sociais o atestam de forma eloquente: em 1848, 346 mil assalariados e 58.500 patrões. Em 1872,  454 mil assalariados, cerca de 80 mil patrões. Mantida, portanto, uma proporção entre patrões e empregados oscilando de 1 para 5 a  1 para 6.

        As condições de organização e exploração da força de trabalho reproduzem padrões da assim chamada primeira revolução industrial: jornadas de trabalho extensas, alcançando, às vezes, 15 a 16 horas por dia, recurso indiscriminado ao trabalho feminino e infantil, quase nenhuma proteção institucionalizada, insalubridade na habitação e no lugar de trabalho, surtos de desemprego, fome e miséria, apartheid social e geográfico, intensamente acelerado pelos grandes trabalhos de Haussmann, que modificaram a paisagem da cidade deixando intocadas as estruturas sociais, expulsando a plebe urbana para o sul e para o norte de aglomeração parisiense. Em suma, Paris já é cidade-luz, mas conserva sombras pesadas, cidade-trevas, semelhantes às  pintadas por Hugo, Dickens e Engels[3]: os trabalhadores como cidadãos de segunda classe,  uma gente não-gente, sem direitos, marginalizada, sufocada.

        Dilacerada pelas contradições internas, a cidade ergue-se, com suas tradições revolucionárias, de 1789, 1792, 1830 e 1848, no contexto de uma França basicamente rural e conservadora[4], de 36 milhões de habitantes, onde 70% da população vivem no campo ou em cidades de menos de dois mil habitantes.

        

        2. A guerra franco-prussiana: estopim de uma revolução involuntária

        A década anterior à eclosão da Comuna assistiu, entre os mitos e a demagogia próprias do reinado de Napoleão III, a uma real, embora limitada, abertura para os trabalhadores franceses. Expressão maior desta tendência foi a aprovação de uma lei de greve, de 1864, permitindo-se, com restrições, os movimentos de paralisação do trabalho (era formalmente proibido o recurso aos  piquetes, associados ao uso da violência, severamente coibida e sancionada). Lembre-se ainda a ida de uma delegação francesa, oficialmente autorizada,  ao encontro internacional realizado em Londres, em 1864, que resultou na formação da Associação Internacional dos Trabalhadores, AIT.

        Paris (re)organiza-se. Um autor conseguiu relacionar cerca de quatrocentas sociedades cooperativas de consumo, mais de cem sociedades cooperativas de produção, duzentas sociedades de poupança e crédito mútuo, cerca de sessenta sociedades de resistência e solidariedade, outras sessenta câmaras sindicais operárias e muitos outros grupamentos, bibliotecas populares, círculos educativos, etc....[5]. Um mundo não tão visível dos bulevares, mas agitado, em efervescência. E que investe na recuperação  da memória. Para esta atmosfera de reatamento de laços perdidos, contribuirá a popularização de toda uma literatura política, sobretudo uma notável redescoberta do passado revolucionário, concretizada na edição de biografias de lideranças, sem contar obras sobre correntes políticas, aspectos particulares da Grande Revolução e a reedição dos Classiques de la Révolution ( Robespierre, Marat, Danton, Vergniaud, etc.), em 1867-1868[6] .

        É  a este caldeirão que chegaram as notícias desmoralizantes das derrotas de Wissemburg (04 de agosto) e de Forbach (06 de agosto), seguidas, menos de um mês depois, pelas do desastre de Sedan (01-02 de setembro de 1870). A guerra franco-prussiana, urdida por ambições e causas imediatas amplamente ignoradas, ou mal dominadas,  subitamente deflagrada, provocara, no entanto, como sempre, quando o inimigo é o prussiano, um surto nacionalista. A sucessão de derrotas desencadeou movimentos de indignação e protesto. Por outro lado, afluíam  também as notícias das primeiras demonstrações de descontentamento, iniciadas na província: manifestações em Creusot e tentativa de proclamação de uma Comuna em Marselha (08 de agosto), proclamação de uma Comuna em Lyon (13 de agosto)[7].

        A proclamação da República, em 04 de setembro, configura a recusa à capitulação e  a decisão de  resistir[8]. A França parece não se querer vencida, desvencilha-se do Império e do Imperador, como que  atribuindo a derrota ao regime e ao seu supremo chefe. Forma-se  então um governo de Defesa Nacional, sugerindo-se o início de uma segunda etapa na guerra, ou de uma segunda guerra.

        Entretanto, depois de alguns sucessos na região do rio Loire, desmoronaram os exércitos franceses. O armistício de 28 de janeiro de 1871 suspende as operações militares e autoriza o desfile dos prussianos em Paris. Com uma ressalva, e de capital importância, a Guarda Nacional, formada pelos cidadãos mobilizados de Paris, mantém-se intacta, e armada,  com o controle dos seus canhões .

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