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Por:   •  17/11/2013  •  1.474 Palavras (6 Páginas)  •  525 Visualizações

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A natureza da filosofia e o seu ensino

Desidério Murcho

Universidade Federal de Ouro Preto

Introdução

Neste artigo defende-se duas idéias principais. Primeiro, que compreender a natureza aberta e especulativa da filosofia é uma condição necessária para uma compreensão fecunda do seu ensino. E segundo, que para se ter uma compreensão fecunda do ensino da filosofia é necessário distinguir cuidadosamente as competências estritamente filosóficas da informação histórica, e a leitura filosófica ativa dos textos dos filósofos da sua mera compreensão.

Abertura e especulação

A filosofia distingue-se de disciplinas como a história ou a física por apresentar poucos resultados consensuais: a maioria dos problemas centrais da filosofia continua em aberto. Não há respostas amplamente consensuais1 sobre se temos ou não livre-arbítrio, se Deus existe, quais são os fundamentos da ética, ou sobre a natureza da arte. Isto contrasta com a história, a biologia ou a física; nestas disciplinas há muitíssimos resultados amplamente consensuais.

Contudo, seria um erro pensar que nestas disciplinas não há, como em filosofia, problemas em aberto. Há problemas em aberto em todas as disciplinas, mas no caso da filosofia temos muitíssimos mais problemas em aberto do que resultados consensuais. E é até defensável que é nas fronteiras da física, por exemplo, que se encontra a verdadeira natureza da disciplina, e não na imensidão de resultados acumulados ao longo dos séculos.2

É importante compreender o que significa dizer que a maioria dos problemas centrais da filosofia continua em aberto. Esta afirmação não significa três coisas.

Em primeiro lugar, não significa que não há resultados; claro que há — as diferentes idéias defendidas pelos diferentes filósofos são resultados da filosofia. Só que não são resultados substanciais consensuais, ou seja, resultados substanciais que a generalidade dos filósofos aceite. Alguns filósofos defendem que temos livre-arbítrio, outros defendem que não temos; alguns defendem que o mal moral e natural é compatível com a existência de um Deus teísta, outros defendem que não; alguns que a arte pode ser definida, outros defendem que a arte não pode ser definida; alguns defendem que as intenções não contam na avaliação moral das ações, outros defendem que contam.

Em segundo lugar, não significa que não há alguns resultados consensuais em filosofia. Também os há, mas estes não são substanciais, no sentido em que consistem sobretudo em resultados negativos ou transversais. Os resultados negativos são a descoberta de que um determinado argumento ou teoria não funciona, como é o caso do argumento da causa primeira, ou a teoria verificacionista do significado. Os resultados transversais são o estabelecimento de distinções ou meramente instrumentais, como é o caso da distinção entre o mal natural e o mal moral, por exemplo, ou entre designadores rígidos e designadores não rígidos (outra coisa diferente, esta já substancial, é saber se os nomes próprios são designadores rígidos, como defende Kripke). Em ambos os casos, não se trata de resultados teóricos substanciais; no primeiro caso, porque se trata de resultados que nos dizem apenas o que é falso, e não o que é verdadeiro; no segundo, porque são resultados transversais, neutros quanto às discussões substanciais, ou seja, resultados que os filósofos que defendem teses opostas aceitam.

Em terceiro lugar, defender que a filosofia é fundamentalmente uma disciplina em aberto não é necessariamente o prelúdio de um elogio ao permanente "questionamento" sem rumo, ao amor pelo questionamento em si, desprezando resultados como os das ciências, que nos permitem andar de avião, curar a tuberculose ou compreender a estrutura íntima dos átomos. Na verdade, esta posição dificilmente é sustentável. O que pretendemos quando estudamos o problema do livre-arbítrio é saber se temos ou não livre-arbítrio; queremos saber se existe Deus ou não; queremos saber se os nomes próprios são designadores rígidos ou não. Há uma diferença subtil entre querer continuar a estudar filosofia apesar de esta não nos dar resultados consensuais substanciais, e desprezar tais resultados para podermos aceitar o caráter aberto da filosofia. A segunda atitude é uma forma disfarçada de cientismo, como veremos, pois pressupõe que só vale a pena querer resultados consensuais substanciais quando temos métodos que os garantam. Pelo contrário, compreender o caráter aberto da filosofia significa querer resultados consensuais substanciais, como qualquer pessoa que faz qualquer outro estudo quer resultados, apesar de sabermos que são escassos. Mas tentamos e voltamos a tentar e voltamos a tentar. Tentamos porque queremos resultados consensuais substanciais, ainda que saibamos que a probabilidade de os obter é pequena.

O problema do ensino da filosofia

Poderá parecer que afirmar que a filosofia é uma disciplina em aberto, sem resultados substanciais consensuais, é uma forma de apoucar a disciplina, de a denegrir ou subalternizar. Contudo, como veremos, há razões para pensar que esta percepção resulta de cientismo. Em qualquer caso, é importante declarar desde já que o caráter aberto da filosofia em nada diminui o seu valor cognitivo ou social, a sua seriedade acadêmica ou escolar, ou a sua importância existencial.

Em qualquer caso, as instituições de ensino — tanto universitário como pré-universitário — estão sobretudo preparadas para ensinar aos estudantes os resultados consensuais substanciais das diferentes disciplinas das humanidades, das ciências da natureza ou da matemática. As instituições de ensino procuram apresentar aos estudantes tais resultados de modo a que este possa compreendê-los e passe a dominá-los com proficiência. Ao estudante compete unicamente compreender os resultados fundamentais da sua disciplina, e eventualmente saber aplicá-los no desempenho de uma profissão associada.

Se tentarmos aplicar este modelo de ensino

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