Milícias No Brasil
Pesquisas Acadêmicas: Milícias No Brasil. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: A1A123 • 22/3/2015 • 1.640 Palavras (7 Páginas) • 144 Visualizações
MILÍCIAS NO BRASIL
Em conformidade ao texto da CPI das Milícias, aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em 2008, que diz: “Desde que grupos de agentes do Estado, utilizando-se de métodos violentos passaram a dominar comunidades inteiras nas regiões mais carentes do município do Rio, exercendo à margem da lei o papel de polícia e juiz, o conceito de ‘milícia’ consagrado nos dicionários foi superado. A expressão “Milícias” se incorporou ao vocabulário da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro e começou a ser usada frequentemente por órgãos de imprensa quando as mesmas tiveram vertiginoso aumento, a partir de 2004. Ficou ainda mais consolidado após os atentados ocorridos no final de dezembro de 2006, tidos como uma ação de represálias de facções de narcotraficantes à propagação de ‘milícias’ na cidade”. Nas oitivas realizadas pela CPI das ‘milícias’ ao longo dos meses de junho a novembro, estudiosos, profissionais de segurança, delegados e membros do Ministério Público não foram unânimes quanto à uma definição do termo, acendendo aqui pela primeira vez o termômetro indicador da falta de definição legal das elementares do tipo.
Na linguagem comum no Brasil o termo “milícia” designa grupos compostos principalmente por policiais militares, que, fora do seu serviço oficial, tomam para si a função de proteger e oferecer “segurança” em bairros dominados ou supostamente ameaçados por traficantes. Há quem considere tais grupos um “mal menor” do que os criminosos que eles pretendem combater atribuindo-lhes um determinado grau de legitimidade.
Na verdade, escondem-se atrás do termo “milícia” associações ilegais que podem ser igualmente classificadas como Crime Organizado. Observa-se, portanto, que a designação “milícia”, que sugere a existência de uma função legítima, é enganadora. As seguintes observações e reflexões de natureza histórica, jurídica e política contribuem para explicar este fato com a devida precisão.
O termo “milícia” deriva da palavra latina “militia”, que, por sua vez, decorre da palavra “miles” – “soldado” ou “combatente”. Significa, portanto, “serviço militar” ou “poder militar”. Este termo é caracterizado por um alto grau de abstração, fato que dificulta sua definição e utilização científica. Embora se trate de um termo cujo conteúdo e significados mudaram consideravelmente no decorrer dos últimos séculos, é possível identificar um consenso mínimo sobre os elementos centrais do conceito acadêmico atual.
O conceito acadêmico, na opinião dominante, refere-se a “uma força militar composta de cidadãos ou civis que pegam em armas para garantir sua defesa, o cumprimento da lei e o serviço paramilitar em situações de emergência, sem que os integrantes recebam salário ou cumpram função especificada em normas institucionais”. Deste modo, o termo “milícia” abrange não somente certos grupos paramilitares, como também uma forma específica de organização das forças armadas terrestres, o “exército miliciano”. Tal exército consiste em forças armadas regulares do Estado, baseado unicamente no serviço militar: seus integrantes são civis comuns somente convocados em tempos de guerra para defender sua pátria e suas comunidades.
A definição é exclusiva no sentido de que o requisito central – a prestação voluntária de serviços de segurança para a comunidade, isto é, sem exigir uma contraprestação pecuniária ou explorar economicamente as pessoas sob seu domínio – evita a inclusão conceitual de grupos paramilitares não-altruísticos e de duvidosa motivação. Com base neste elemento, vários grupos armados popularmente designados como “milícias” não se encaixam neste pressuposto.
O mesmo vale para os grupos comumente chamados de “milícias” atualmente existentes no Brasil. Em primeiro lugar, não se classificam como milícias no sentido acadêmico, porque são principalmente compostos por funcionários públicos, que já deveriam ter por obrigação garantir ordem e a segurança coletiva. Não são cidadãos comuns, por mais que atuem fora do seu horário de serviço. Segundo, porque a principal motivação dos integrantes destes grupos é, sobretudo, de natureza financeira. Eles surgem nos bairros mais carentes, caracterizados pela ausência de instituições e serviços estatais, explorando os moradores locais por meio da cobrança de “taxas de segurança”.
Constata-se, portanto, que existe no Brasil uma discrepância entre a linguagem cotidiana, que denomina determinados grupos paramilitares de “milícias”, e o conceito acadêmico amplamente reconhecido. Em decorrência desta diferenciação, também perceptível em outros países, surgiram autores que propõem a revisão e ampliação do conceito atual. Segundo a nova proposta, as milícias da “primeira geração”, no sentido tradicional ou stricto sensu, seriam virtualmente diversas de uma eventual “segunda geração” de milícias, no sentido moderno ou lato sensu, encaradas como grupos paramilitares desleais ao Estado e a sua população, isto é, fora de seu controle, e motivados, em primeiro lugar, por objetivos pessoais.
A grande maioria dos pesquisadores se opõe à adoção da recente proposta. Sua crítica principal entende que grupos paramilitares que atuam sem alguma autorização pelo Estado, de modo clandestino e desleal, não merecem uma categoria distinta de outros atores não estatais, sejam terroristas, guerrilheiros, insurgentes, rebeldes ou grupos criminosos organizados. Estes desafiam igualmente o Estado, suas instituições e suas leis, ao passo que as “verdadeiras” milícias defendem a “coisa pública” (res publica) em tempos difíceis, quando o Estado encontra-se manifestamente sobrecarregado com o dever de garantir ordem e segurança no seu território. Como ainda veremos, essa a razão porque as ordens jurídicas nacionais e internacional concedem-nas um status legal privilegiado, diversamente dos grupos criminosos que atuam à margem e fora da lei. Diante deste pano de fundo, não convence o contra-argumento da opinião minoritária de que as “milícias da segunda geração” tratar-se-iam de um fenômeno novo, nascido da globalização, e tipicamente encontrado em Estados econômica e politicamente frágeis e incapazes de impor seu monopólio de poder.
A Constituição Federal de 1988 usa os termos “estado de defesa” e “estado de sítio” e confere, pelo tempo que perdurar a circunstância excepcional enfrentada, poderes extraordinários ao Poder Executivo para combate destas situações. Nessas
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