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O Caso Dos Subsídios No Brasil

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Por:   •  18/11/2013  •  9.918 Palavras (40 Páginas)  •  486 Visualizações

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O caso dos subsídios do algodão entre Brasil e EUA.

O uso efetivo da retaliação cruzada como prova final da eficácia do sistema de solução de controvérsias da OMC: redenção ou ruína?

Em 06 de novembro de 2009 o Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior do Brasil, mais conhecida como "CAMEX", publicou a Resolução nº 74 onde instaurou no seu artigo 1º "procedimento de consultas públicas relativa à Lista Preliminar de códigos da Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM), que poderão estar sujeitos à aplicação de contramedidas em decorrência do não cumprimento, por parte dos Estados Unidos da América, das decisões e recomendações adotadas pelo Órgão de Soluções de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio no contexto do contencioso ‘Estados Unidos da América – Subsídios ao Algodão’ (WT/DS 267)". Depois desta vieram as Resoluções nº 15 e 16 de março de 2010, que definiram a lista dos produtos que poderão ser sobretaxados, e consultas públicas sobre a retaliação cruzadas em propriedade intelectual, respectivamente.

Tratam-se estas resoluções dos primeiros atos concretos do Estado Brasileiro visando aplicar efetivamente as contramedidas autorizadas em 31 de agosto de 2009 pela OMC, através das decisões WT/DS267/ABR/1 e WT/DS267/ABR/2 [01], quais sejam a Retaliação Cruzada de setor (produtos) e a Retaliação Cruzada de acordos, que poderão cair sobre o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS, sigla em inglês) e sob o Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, sigla em inglês). Pela primeira vez na história do Sistema de Solução de Controvérsias um país em desenvolvimento dá fortes sinais de que irá de fato retaliar um país desenvolvido. A efetivação das retaliações, principalmente da retaliação cruzada entre acordos, é o último recurso de que dispõe os membros da OMC para tentar compelir um país demandado a cumprir uma decisão do Órgão de Soluções de Controvérsias (OSC). O Brasil está pondo a prova a eficácia do atual Sistema, feito este nunca realizado por nenhum outro país membro mesmo quando autorizados pela OMC [02], o que pode significar a sua consagração ou, talvez, o início de sua ruína.

As regras do Entendimento de Solução de Controvérsias previstas no anexo II do Acordo constitutivo da OMC, o Tratado de Marrakesh, foram reconhecidas como um dos maiores avanços nas relações econômicas internacionais, e um dos maiores feitos proveniente da Rodada do Uruguai. O Órgão de Soluções de Controvérsias que nada mais é que uma especialização funcional do Conselho Geral da OMC, segundo Amaral Júnior, foi criado para corrigir vícios que impregnavam o sistema anterior do GATT (artigos XXII e XXIII): a excessiva fragmentação, a morosidade procedimental, mas principalmente o não cumprimento das recomendações e decisões dos países. Destaca, ainda, o autor:

O Entendimento de solução de Controvérsias revigorou o papel das normas de julgamento no plano do comércio internacional, requisito imprescindível para o funcionamento do mercado global. A previsibilidade dos agentes econômicos desaparece se não houver autoridade competente para interpretar as divergências com base em normas jurídicas, por meio de um juízo de legalidade sobre as pretensões em conflito, indispensável para que se passe do mundo abstrato das normas para o mundo concreto da realidade. A propósito o artigo 3.2 do ESC afirma: O sistema de solução de controvérsia da OMC é elemento essencial para trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio. Os Membros reconhecem que esse sistema é útil para preservar direitos e obrigações dos Membros dentro dos parâmetros dos acordos abrangidos e para esclarecer as disposições vigentes dos referidos acordos em conformidade com as normas correntes de interpretação do direito internacional público. (AMARAL JÚNIOR, 2008, p.103-104)

Apesar do ESC [03] privilegiar a conciliação, a mediação e os bons ofícios para a melhor solução da demanda em qualquer fase do painel, e de terem estes aplicação muito mais destacada no Sistema multilateral do comércio internacional, este para ser confiável e acessível a todos os seus membros, principalmente os países em desenvolvimento, precisa de mecanismos que garantem a prevalência da aplicação da lei sobre o poder econômico, consagrando o verdadeiro Estado de Direito. Um Sistema Legal forte e confiável é muito interessante para os países em desenvolvimento, principalmente em demandas contra países desenvolvidos que se recusam a adotar os relatórios dos painéis do OSC.

Neste contexto surge a importância da contramedida prevista no art. 22.3 do ESC chamada de retaliação cruzada, que nada mais é do que a suspensão temporária dos direitos consagrados anteriormente nos acordos da OMC, tomada como instrumento de pressão para que um país demandado cumpra o relatório que lhe é desfavorável e que deliberadamente não o cumpre através da mudança da sua legislação interna contrária as normas do comércio internacional. Melhor dizendo, trata-se a retaliação cruzada entre acordos de uma ferramenta posta à disposição pelo ESC como último recurso possível para se fazer cumprir uma decisão da OMC, e é atualmente, talvez, a única "arma" de que dispões os países em desenvolvimento contra os países desenvolvidos, que apesar de serem os precursores de todo o sistema relutam em observá-lo quando lhe são desfavoráveis decisões do OSC.

Curiosamente, a previsão da Retaliação Cruzada no ESC foi adotada a partir da iniciativa dos Estados Unidos da América e referendada por todos os países desenvolvidos. Preocupados com a possibilidade de não cumprimento pelos países em desenvolvimento das decisões proveniente do OSC nas demandas que envolvem Propriedade Intelectual e sendo que estes países quase não possuem marcas e patentes de seus produtos nacionais ao contrário dos países desenvolvidos, uma eventual retaliação dentro do acordo TRIPS seria inócua para os primeiros. Foi prevista então no ESC a retaliação cruzada para atingir produtos e serviços dos países em desenvolvimento carente de propriedade intelectual.

Todavia, esta previsão funcionou no sentido contrário ao que pretendia os EUA, favorecendo justamente os países em desenvolvimento. De 1995 até 2008, por duas vezes a OMC autorizou a aplicação da retaliação cruzada contra a Comunidade Europeia e os EUA nos casos das Bananas do Equador e do US-Gambling de Antigua e Barbuda, respectivamente, autorizando estes países a suspender os direitos decorrentes do Tratado de Propriedade Intelectual do qual se beneficiavam. Contudo, devido ao pequeno porte destas economias e da total falta de interesse político e econômico em enfrentar os maiores e os mais poderosos países do mundo, as retaliações não foram efetivadas não se chegando a testar as ultimas consequências do Sistema de Solução de Controvérsias.

Muito se especulou durante todos estes anos o que aconteceria se a retaliação cruzada fosse autorizada a favor de um país em desenvolvimento capaz econômica e politicamente de efetivar esta retaliação. Finalmente esta hora chegou! A OMC através das decisões WT/DS267/ABR/1 e WT/DS267/ABR/2 autorizou o Brasil a retaliar os Estados Unidos da América pelo descumprimento do relatório do painel e do Órgão de Apelação que reconheceram a ilegalidade dos subsídios dados por este último aos seus produtores de algodão. Os programas de subsídios geraram uma queda mundial do preço do produto e prejudicou injustificadamente os produtores brasileiros e de outros tantos países terceiros interessados na demanda, atingindo o mercado mundial do produto de forma relevante. Contrariamente às previsões de grandes autores e estudiosos do ESC, o Brasil conseguiu provar perante os árbitros que não seria praticável nem efetivo para a sua economia a suspensão dos direitos dos EUA com relação somente ao comércio de bens e produtos. De nada adiantaria sobretaxar os produtos americanos em 100% para se atingir o valor equivalente ao prejuízo gerado com os subsídios ilegais, mas ao contrário tal medida só iria prejudicar ainda mais o seu mercado interno. Para tanto, foi autorizada a suspensão temporária dos direitos dos EUA consagrados nos acordos de Propriedade Intelectual (TRIPS) e de serviços (GATS).

Ao contrário do que fizeram Equador e Antigua, o Brasil sinaliza abertamente a sua intenção de efetivar tais retaliações, principalmente contra o acordo de TRIPS. Contudo, muito pouco se sabe dos efeitos práticos da efetivação desta retaliação. Na história da OMC nunca um país membro chegou até este nível de indução do cumprimento da decisão. Toda retaliação, é inegável, seja ela feita em produtos, serviços ou Propriedade Intelectual gera prejuízos ao mercado interno, além de custos políticos e comerciais que podem ser maiores que os ganhos auferidos. Mesmo o Brasil que possuiu, atualmente, um comércio diversificado e não tão dependente dos EUA sofrerá prejuízos na efetivação da retaliação.

Daí pergunta-se, seria esta retaliação eficaz a ponto de forçar outros setores dos EUA que nada tem a ver com o algodão a pressionar o governo a mudar o programa de subsídios? Esta é a essência do instituto da retaliação cruzada, prejudicar um setor suficientemente forte, que não tem qualquer relação com a demanda, e que seja capaz de interferir internamente para forçar a mudança da legislação ilegal condenada pela OMC e que lhe prejudica indiretamente. E se isto não ocorrer como o planejado? E se o país demandado através de uma análise da relação do custo beneficio entre manter a política ilegal e cumprir a decisão da OMC escolher a primeira? Qual seria o próximo passo? Pelas regras do ESC não existe mais nenhuma medida a ser tomada. A medida interna ilegal se perpetuaria e a decisão da OMC seria mera opinião sem valor, e os países em desenvolvimento mais uma vez engoliriam o prejuízo, pelo seu próprio bem.

O presente artigo, portanto, busca a partir da análise deste caso emblemático entre Brasil e EUA com relação aos subsídios de algodão, analisar o instituto da retaliação cruzada entre acordos, principalmente de TRIPS, seus fundamentos legais, seus méritos e problemas de aplicação, e pretende por a prova a real eficácia do Sistema de Solução de Controvérsias até então considerado o mais efetivo dentre os Sistemas de responsabilidade internacional. Para tanto, partirá de um breve resumo de todo o Sistema, descreverá o caso dos subsídios de algodão e analisará o teor das decisões que autorizaram a retaliação cruzada. Ao final retirará conclusões cabíveis e apresentará as soluções que estão na pauta de discussão sobre o aprimoramento do Sistema de Solução de controvérsias da OMC no que se refere à fase de implementação das suas decisões.

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2. Requisitos legais da Retaliação Cruzada.

Os princípios e os procedimentos legais para a autorização da retaliação cruzada estão previsto no art. 22.3 do ESC, e devem seguir a seguinte ordem:

a) Retaliação paralela ou de mesmo setor: o princípio geral é o de que a parte reclamante deverá procurar primeiramente suspender concessões ou outras obrigações relativas ao mesmo setor em que o grupo especial ou órgão de Apelação haja constatado uma infração ou outra anulação ou prejuízo;

b) Retaliação cruzada entre setores: se a parte considera impraticável ou ineficaz a suspensão de concessões ou outras obrigações relativas ao mesmo setor, poderá procurar suspender concessões ou outras obrigações em outros setores abarcados pelo mesmo acordo abrangido;

c) Retaliação cruzada entre acordos: se a parte considera que é impraticável ou ineficaz suspender concessões ou outras obrigações relativas a outros setores abarcados pelo mesmo acordo abrangido, e que as circunstâncias são suficientemente graves, poderá procurar suspender concessões ou outras obrigações abarcadas por outro acordo abrangido.

Ao aplicar os princípios acima, a parte deverá levar em consideração (art. 22.3, d):

i) o comércio no setor ou regido pelo acordo em que o grupo especial ou órgão de Apelação tenha constatado uma violação ou outra anulação ou prejuízo, e a importância que tal comércio tenha para a parte;

ii) os elementos econômicos mais gerais relacionados com a anulação ou prejuízo e as consequências econômicas mais gerais da suspensão de concessões ou outras obrigações.

Ainda, o art. 22.3 (f) também define o que é setor e o que é acordo para os propósitos da retaliação:

i) no que se refere a bens, todos os bens;

ii) no que se refere a serviços, um setor principal dentre os que figuram na versão atual da "Lista de Classificação Setorial dos Serviços" que identifica tais setores; Na lista integrante do Documento MTN.GNG/W/120 são identificados onze setores.

iii) no que concerne a direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, quaisquer das categorias de direito de propriedade intelectual compreendidas nas Secções 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7 da Parte II, ou as obrigações da Parte III ou da Parte IV do Acordo sobre TRIPS.

Para efeito do 22.3 parágrafo g, entende-se por "acordo":

i) no que se refere a bens, os acordos enumerados no Anexo 1A do Acordo Constitutivo da OMC, tomados em conjunto, bem como os Acordos Comerciais Plurilaterais na medida em que as partes em controvérsia sejam partes nesses acordos;

ii) no que concerne a serviços, o GATS;

iii) no que concerne à direitos de propriedade intelectual, o Acordo sobre TRIPS.

Para a parte demandante conseguir a autorização para a retaliação cruzada entre setores deverá seguir todos estes princípios e procedimento, mas principalmente fundamentar junto aos árbitros que a retaliação paralela no mesmo setor não será praticável e efetiva, ou seja, não capaz de atingir o grau de prejuízo auferido pela infração, ou que se esta retaliação irá prejudicar mais o país demandante do que o país demandado. Ainda, para conseguir a retaliação cruzada entre acordos além de provar a falta de praticidade e efetividade, deverá o pais demandante provar que as circunstâncias que envolvem o caso são suficientemente graves e prejudiciais para a sua economia para autorizar o pleito.

Outro ponto muito importante da Jurisprudência da OMC é que para se conseguir a autorização da retaliação cruzada entre acordos o demandante não precisa provar que esta será praticável e efetiva no caso concreto. Tem que somente provar que a retaliação entre setores não o é. (SPADANO, 2008, p. 526). Isto é de grande valia, uma vez que nunca se saberá ao certo e ainda mais de forma antecipada quais efeitos a aplicação prática da retaliação causará, até mesmo porque ela nunca chegou a ser implementada.

Por fim, os árbitros se restringem a estes aspectos legais e econômicos descritos no art. 22.3 em suas análises, e muito se especulou se um país em desenvolvimento com grandes economias como Brasil, Índia e China, conseguiria provar a falta de praticidade e eficácia em um eventual pedido de retaliação. Esta dúvida, contudo, foi sanada em 31 de agosto de 2009 com a autorização do Brasil em retaliar os Estados Unidos no caso do algodão, caso este que será analisado a seguir.

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3. O Caso dos Subsídios do Algodão entre Brasil e EUA.

A demanda, iniciada em setembro de 2002 com pedido de consulta por parte do Brasil, envolveu o questionamento de subsídios concedidos pelos Estados Unidos à produção e à exportação de algodão no período de 1999 a 2002, e recebeu o número no OSC DS/267. Foram questionados tanto subsídios "acionáveis" como "proibidos" nos termos do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. O total de subsídios questionados foi da ordem de US$12,5 bilhões.

Além de Brasil e Estados Unidos figuram como terceiras partes: Argentina, Austrália, Benin, Canadá, Chade, China, Comunidades Europeias, Índia, Japão, Nova Zelândia, Paquistão, Paraguai, Taiwan e Venezuela.

Em 21 de março de 2005, o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC adotou os relatórios do Painel (WT/DS267/R) e do Órgão de Apelação (WT/DS267/AB/R). As decisões adotadas no contencioso condenaram amplamente os subsídios norte-americanos, tanto com relação aos subsídios proibidos, como no tocante aos subsídios acionáveis.

No que diz respeito aos subsídios proibidos, o Painel e o Órgão de Apelação consideraram que três programas de garantias de crédito à exportação [05] — GSM 102, GSM 103 e SCGP — configuravam subsídios à exportação, aplicados de forma incompatível com os compromissos dos EUA no Acordo sobre Agricultura da OMC, não somente com relação ao algodão mas a um conjunto mais amplo de produtos agrícolas. Julgou-se que tais subsídios eram violatórios tanto de disposições do Acordo sobre Agricultura como do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Como resultado, os EUA deveriam retirar os subsídios "sem demora, e não mais tarde que 1o de julho de 2005".

Com respeito aos subsídios acionáveis, o Painel e o Órgão de Apelação consideraram que três programas de apoio interno norte-americanos — "Marketing Loan" [06], "Counter-Cyclical Payments" [07] e "Step 2" [08] — causam prejuízo grave ao Brasil, tendo gerado supressão significativa dos preços do algodão no mercado internacional, em violação ao Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Em decorrência, os EUA deveriam "remover os efeitos adversos causados por esses subsídios, ou retirar os subsídios, até 21 de setembro de 2005". O "Step 2", além de entrar na categoria de subsídio acionável, também foi condenado como subsídio proibido.

Vencidos os prazos para que os EUA dessem cumprimento às decisões do Órgão de Solução de Controvérsias, o Brasil solicitou, em dois pedidos separados, apresentados em julho e em outubro de 2005 (WT/DS267/23 e WT/DS267/27), autorização para retaliar em um montante total de cerca de USD 4 bilhões. No entanto, com a indicação de que poderia haver avanços no processo de implementação, o Brasil concordou em suspender os procedimentos de arbitragem iniciados para definição dos valores de retaliação (WT/DS267/25 e WT/DS267/29).

Até o momento, as medidas de implementação norte-americanas, no que se refere aos subsídios acionáveis, limitam-se à eliminação do programa "Step 2", a partir de 1º de agosto de 2006. Os principais programas de apoio interno ("Marketing Loan" e "Counter-Cyclical Payments") permanecem intocados. Com relação aos subsídios proibidos, além da revogação tardia do "Step 2", o Governo norte-americano promoveu mudanças administrativas na operação dos programas de garantias de crédito à exportação (nova escala de prêmios para os programas GSM 102 e SCGP; suspensão do GSM 103) e encaminhou à consideração do Congresso proposta que, em tese, possibilitaria tornar os prêmios cobrados para tais programas mais condizentes com seus custos e com a realidade do mercado.

Diante do escopo limitado das medidas de implementação adotadas pelos Estados Unidos, e havendo transcorrido cerca de 1 ano dos prazos estabelecidos para cumprimento das determinações do OSC, o Brasil decidiu solicitar a conformação de um painel de revisão na OMC (Artigo 21.5 do DSU) para examinar a adequação do processo de implementação levado a cabo pelo Governo norte-americano. O painel de implementação foi estabelecido em 28 de setembro de 2006.

Ao longo dos trabalhos, o Brasil argumentou que os EUA não deram pleno cumprimento às decisões do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) no contencioso, na medida em que os programas de apoio doméstico remanescentes ("Marketing Loan" e "Counter-Cyclical Payments") continuaram a causar prejuízo grave ao Brasil e que o programa GSM 102 de garantias de crédito à exportação, a despeito das modificações nele introduzidas, continuou a configurar subsídio proibido à exportação.

O painel de implementação, em relatório divulgado às partes em 15 de outubro de 2007 e circulado aos demais membros da OMC em 18 de dezembro de 2007 (WT/DS267/RW), confirmou a apreciação brasileira quanto à insuficiência das medidas introduzidas pelos Estados Unidos para cumprir as decisões do painel original e acatou amplamente os principais pleitos brasileiros.

O painel de revisão deu razão ao Brasil ao decidir que os subsídios "Marketing Loan" (MLs)" e "Counter-Cyclical Payments (CCPs) continuam a causar prejuízo grave sob a forma de significativa supressão do preço do algodão no mercado mundial, em violação ao artigo 6.3(c) do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Para chegar a essa conclusão, o painel se apoiou nos seguintes fatores:

• magnitude da fatia de mercado dos EUA na produção e exportação mundiais de algodão (20% e 40%, respectivamente) e a correspondente influência substancial dos EUA no mercado mundial e na formação dos preços internacionais do produto;

• avaliação de que os MLs e CCPs afetam o nível de área plantada e de produção, tendo em vista sua natureza obrigatória e vinculada ao movimento de preços, bem como seu efeito estabilizador sobre a renda dos produtores. Esses subsídios isolam os produtores norte-americanos dos sinais de mercado quando da baixa de preços (ou seja, os produtores continuam produzindo independente dos preços de mercado do produto);

• considerável volume de pagamentos sob o ML e o CCP;

• hiato significativo entre os custos de produção e a renda obtida pelos produtores norte-americanos no mercado. Os subsídios seriam fator decisivo para a viabilidade da produção de algodão nos EUA; e

• o fato de todas as simulações apresentadas pelas partes na controvérsia corroborarem a percepção de que os MLs e os CCPs levaram a um aumento da produção e exportação de algodão dos EUA que, por sua vez, causaram supressão do preço internacional.

Quanto às garantias de crédito à exportação sob o programa GSM 102, o painel de implementação concluiu que os EUA continuam a violar disposições do Acordo de Agricultura e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, ao concederem subsídios proibidos à exportação de diversos produtos agrícolas, incluindo o algodão. O painel considerou que o programa GSM 102 constitui subsídio à exportação por continuar a ser oferecido com prêmios inadequados para cobrir seus custos operacionais e perdas de longo prazo (alínea "j" da lista de subsídios proibidos do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias).

O relatório do painel de revisão foi circulado em 18 de dezembro de 2007, dando novamente ganho de causa ao Brasil. Antes da adoção do documento pelo OSC, os Estados Unidos entraram, em 19 de fevereiro de 2008, com procedimento de apelação contra a decisão do painel. O OA, em relatório final circulado em 02 de junho de 2008, deu novamente ganho de causa ao Brasil, confirmando as decisões do painel de implementação.

Com a adoção dos relatórios pelo OSC em 20 de junho, o Brasil, ao amparo do artigo 22.6 do DSU, acionou, em 25 de agosto de 2008 (WT/DS267/38 e WT/DS267/39), procedimento arbitral para definir o valor e as modalidades para a eventual adoção de contramedidas em relação aos Estados Unidos. Em 31 de agosto de 2009, os árbitros divulgaram sua decisões (WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2), onde foi autorizado o Brasil a retaliar os Estados Unidos, autorizando até mesmo a retaliação cruzada entre acordos podendo atingir os acordos TRIPS e GATS.

3.2 – Retaliações autorizadas. Análise das decisões WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2.

O Brasil fez dois requerimentos separados no OSC (WT/DS267/38 e WT/DS267/39) requerendo a suspensão das concessões (retaliações), uma relacionada aos subsídios proibidos (STEP 2 e GSM 102) e outra com relação aos subsídios acionáveis (Counter-Cyclical Payments e Marketing Loan). Os dois requerimentos correram em paralelo onde funcionaram os mesmos árbitros que decidiram separar as decisões por tratarem de pedidos relacionados a subsídios de diferentes categorias, (WT/DS267/ARB/1 e WT/DS267/ARB/2). As decisões basicamente se dividem em duas partes, sendo a primeira parte referente à autorização para apresentar contramedidas, bem como a determinação do seu valor, e a segunda parte, diz respeito especificamente à autorização para retaliação cruzada. A primeira parte das decisões, obviamente, possui teor distinto por versarem sobre diferentes subsídios, mas no que diz respeito ao pedido de autorização para a retaliação cruzada sobre os acordos TRIPS e GATS (segunda parte) as duas decisões possuem o mesmo teor, sendo este parte o ponto central do presente estudo.

Todavia, mesmo possuindo na sua primeira parte disposições diferente, os valores das retaliações, utilizando dados do ano fiscal de 2006 como referências, foram praticamente o mesmo. Os árbitros no item 6.5 [09] da decisão WT/DS267/ARB/1 entenderam que o Brasil estaria autorizado a impor sanções comerciais no valor de US$ 147,4 milhões em função da aplicação de subsídios proibidos GSM 102 (WT/DS267/ARB/1), e na decisão WT/DS267/ARB/2 chegou-se ao valor de US$ 147,3 milhões relacionados aos subsídios acionáveis (Countercyclical Payments e Marketing Loan), a menos que os EUA ponham fim aos programas declarados ilegais. No que concerne ao valor do "gatilho" para se passar à retaliação cruzada em TRIPS e GATS, este foi o mesmo nas duas decisões (US$ 409,00 milhões).

Como o programa de crédito à exportação GSM 102 possui um maior impacto no custo das retaliações, o presente item deste estudo fará referencias na maior parte das vezes à decisão WT/DS267/ARB/1. Todavia, todos os comentários e análises também se aplicam à decisão WT/DS267/ARB/2.

A WT/DS267/ARB/1 foi divida em seis partes da seguinte forma: I – Introdução; II – Abordagens gerais dos árbitros sobre o caso; III – Propostas do Brasil de contramedidas contra o programa Step 2; IV – Propostas do Brasil de contramedidas contra o programa GSM 102; V – Requerimento de autorização do Brasil para aplicar contramedidas sobre os acordos TRIPS e GATS; VI – Conclusões e decisão.

Sobre os capítulos I e II da decisão trata-se de uma repetição do caso, o que não foge ao disposto no item 3.1 deste trabalho pelo que não se vê necessidade de uma análise mais apurada neste momento. Sobre o capítulo III, os árbitros decidiram que não há que se falar em aplicações de contramedidas, pois os Estados Unidos retiraram do seu ordenamento jurídico interno o programa Step2, tal como também já foi destacado no item 3.1, pelo que entenderam prejudicado o pedido de contramedidas do Brasil neste ponto específico.

Apesar da importância do capitulo IV, que foi a parte da decisão que realmente autorizou a aplicar contramedidas (retaliação no mesmo setor) e que calculou os seus valores com base nos prejuízos causados pelos subsídios e na expectativa de benefícios a serem auferidos pelo Brasil com a aplicação das retaliações, uma análise mais apurada desta parte da decisão iria alongar demais o trabalho. A análise mais apurada deste capítulo foge ao principal tema do presente estudo que é a efetivação da retaliação cruzada e a sua eficácia no Sistema de solução de controvérsias da OMC.

Contudo, comentários breves dos itens 4.278 e 4.279 do Capítulo IV da decisão são essenciais para se entender todo o caso, pois são neles que se encontram a autorização e a definição dos valores de contramedidas a que o Brasil tem direito, selando de uma vez por todas o caso DS 267, não havendo mais que falar que este não está sendo prejudicado pelo não cumprimento do relatório do OSC por parte dos Estados Unidos.

O item 4.278 [10] destaca a conclusão dos Árbitros de que o total de US$ 1.122 bilhões de dólares propostos pelo Brasil não é o valor adequado para as contramedidas. Segundo eles, com base numa visão mais acurada das distorções do mercado causados pelo programa GSM 102, modificando os cálculos propostos pelo Brasil, chegou-se à conclusão de que o valor mais apropriado para as contramedidas levando em consideração as transações entre os dois países no ano fiscal de 2006 que envolvem o programa GSM 102, seria de US$ 147.7 milhões de dólares.

Apesar de afastarem os cálculos brasileiros, os Árbitros no item 4.279 [11] atenderam ao pedido do Brasil para que nos próximos anos fiscais se possa fazer novo cálculo das contramedidas variável de acordo com "o total de pedidos de exportação requeridos sobre o programa GSM 102 para o mais recente ano fiscal concluído". Destacaram que o cálculo destes novos valores será feito com base em um formula pré-definida que garantirá a transparência e a aplicação apropriada das contramedidas e variará de acordo com o ano fiscal mais recente concluído e dependerá, entre outras coisas, do total de valor das transações tomadas sobre o programa GSM 102 entre Brasil e Estados Unidos. Os termos desta variação estão contidos na formula prevista no Anexo 4 [12] da decisão e nos itens 5.231 e 5.232 da decisão.

O tópico 3.2 e seguintes do presente trabalho, portanto, sempre tendo por base os itens 4.278 e 4.279, se dedicará à analise mais acurada dos capítulos V e VI da decisão, que tratam especificamente da autorização da retaliação cruzada sobre TRIPS e GATS. Demonstrará como o Brasil tentou e conseguiu em parte provar junto aos árbitros que a retaliação somente em produtos não seria praticável (viável) e efetiva, e que o caso envolve circunstâncias suficientemente graves que autorizariam o uso da retaliação cruzada. Para tanto, o Brasil primeiro descreveu os princípios que envolvem o artigo 22.3 da ESC e o que entendia ser "praticável e efetivo" na teoria, e demonstrou setor por setor da economia brasileira destacando porque a retaliação neste setor não o seria, e por fim descreveu as circunstâncias graves do caso.

Analisará também a conclusão dos árbitros que destacaram que o Brasil apesar de não ter conseguido provar de forma direta e incontroversa que a retaliação em bens somente não seria viável e efetiva em relação à economia brasileira, diante das graves circunstâncias econômicas que envolvem o caso, e da decisão em se adotar um cálculo variável para adoção das contramedidas dependendo do volume de importações dos Estados Unidos para o Brasil do último ano fiscal concluído, ficou reconhecido que esta retaliação somente em bens poderia significar um grave e irracional prejuízo ao país demandante, sendo-lhe autorizada a retaliação cruzada em TRIPS e GATS (itens 5.200 e 5.201 da decisão).

3.2.1 – Determinação de conceitos. Considerações teóricas dos árbitros do que seria falta de praticidade e efetividade, e as circunstâncias graves que envolvem o caso do algodão.

Para conseguir a autorização para a retaliação cruzada entre acordos, nos termos do art. 22.3 do ESC, o Brasil fundamentou o seu pedido com base nos princípios descritos nos seus itens, a, b, c, d. Teve o desafio e a obrigação de provar junto aos árbitros que as contramedidas somente em bens não seriam praticáveis e efetivas em relação a economia brasileira. Não precisava, outrossim, de provar que a retaliação cruzada seria de fato viável e efetiva, o que é de grande vantagem para o país demandante e neste ponto andou bem a jurisprudência da OMC, uma vez que até o momento não se sabe antecipadamente se a retaliação cruzada será de fato viável e efetiva já que nunca chegou a ser utilizada como força de indução ao cumprimento de uma decisão do OSC.

O Brasil primeiramente discorreu sobre a teoria que envolve estes princípios, em um segundo momento apontou setor por setor da sua economia o porquê que as contramedidas em bens não seriam viáveis ou efetivas no caso concreto, e demonstrou aos árbitros de forma clara e objetiva que os aspectos econômicos que envolvem as contramedidas em bens, tais como aumento da inflação, diminuição do bem estar dos consumidores, diferença das economias das partes envolvidas, o perigo de estagnação do desenvolvimento do país, as graves distorções que os subsídios do programa GSM 102 causaram e causam no mercado mundial dos produtos agrícolas e o reflexo político do caso, seriam circunstâncias suficientemente graves para autorizar a retaliação cruzada, nos termos da letra "d" do art. 22.3 do ESC.

Os Árbitros seguiram basicamente este roteiro no advento da sua decisão, e primeiro conceituaram a ausência de praticidade (viabilidade) e efetividade da retaliação, e as circunstâncias suficientemente graves para autorizar a retaliação cruzada enfatizando que estes requisitos previstos no artigo 22.3 do ESC seriam cumulativos e não alternativos como defendia o Brasil, apesar de estar escrito na lei "impraticável ou ineficaz". Contudo, no item 5.70 voltaram atrás e adotaram o posicionamento do Brasil de que para se conseguir a autorização para retaliação cruzada bastaria provar que a retaliação seria inviável ou inefetiva, não havendo necessidade de se provar os dois requisitos cumulativamente. (itens 5.69 e 5.70)

Sobre a ausência de praticidade (viabilidade) da retaliação, os árbitros adotaram a argumentação do Brasil, e dos casos precedentes das Bananas (Equador e C.E.) e do US-Glambling (Antigua e EUA) de que "praticidade" de uma suspensão de direitos seria a possibilidade de sua aplicação na prática, e a essência de sua aplicação é a sua disponibilidade real e sua viabilidade diante de um caso concreto. (5.71 a 5.73)

No que diz respeito à "efetividade", a decisão não adotou o argumento brasileiro, baseado no caso precedente das Bananas, de que a ausência de efetividade seria a falta de capacidade de induzir o cumprimento da decisão da OMC. O Brasil considerou que a efetividade de uma retaliação seria medida de acordo com a sua capacidade e sua força de fazer cumprir uma decisão. A efetividade seria, segundo este, diretamente proporcional à força de se induzir ao implemento de uma decisão. Concordou, contudo, com a visão dos árbitros do caso das Bananas de que existiria falta de efetividade na retaliação caso a suspensão de certos direitos e obrigações ao invés de trazer benefícios para o país demandante lhe causariam na verdade mais males e prejuízos. Em outras palavras, quando a parte reclamante causar para si mesmo um prejuízo desproporcional que de fato lhe não lhe permitiria utilizar a retaliação, isto seria uma base para conclusão de que esta suspensão não seria "efetiva". E concordou com o argumento dos Estados Unidos que a capacidade de induzir a implementação da decisão não é o ponto central da discussão sobre a efetividade, mas sim se a parte teria a capacidade e a possibilidade de implementar a retaliação, que no fim teria o poder de induzir a implementação. Esta seria, portanto, a consequência e não a causa da "efetividade". (5.79 e 5.81)

Por fim, tomando como referência o caso do US-Gambling, enfatizou que o art. 22.3, c, do ESC não traz qualquer parâmetro ou referência especifica para ajudar os Árbitros a definir o que seriam "circunstâncias suficientemente graves", e para tanto deve-se basear tal definição nos elementos trazidos pela letra "d" do art. 22.3. Deve ser levando em conta a anulação ou prejuízo do comércio afetado, e qual a sua importância para o país demandante, e os elementos econômicos que envolvem o caso. Todavia, reconheceu que se está diante de um conceito indeterminado que comporta alto grau de flexibilidade na avaliação das circunstâncias, e que estas podem ainda ser mais abrangentes que os parâmetros da letra "d", e adotando o posicionamento do caso US-Gambling, chegou-se a conclusão que tal verificação ser daria caso a caso. (5.82 a 5.84).

Com estes conceitos definidos, os árbitros passaram a analisar a plausibilidade da determinação de que não seria praticável ou efetivo no caso do algodão suspender as obrigações somente no comércio de bens, e se as circunstâncias seriam graves o suficiente, para autorizar a suspensão das obrigações resguardadas nos acordo TRIPS e GATS. (5.91)

3.2.2 – Análise do caso concreto. Viabilidade e efetividade em cada setor da economia brasileira – Argumentos apresentados pelo Brasil e as considerações dos Árbitros.

Antes de adentrar especificamente às circunstâncias fáticas que envolviam o caso, os árbitros indagaram e responderam duas questões: primeira, qual seria o montante de retaliação a ser considerado para se averiguar a sua praticidade e viabilidade para a economia Brasileira? Melhor dizendo, os montantes das duas decisões sobre subsídios acionáveis e proibidos poderiam ser somados nesta consideração ou se aplicaria o montante de apenas uma delas? Segunda, quais seriam as implicações da diferença do nível de contramedidas solicitadas pelo Brasil e o montante considerado aceitável pelos árbitros, sendo a diferença de mais de dois bilhões de dólares? Seria ainda possível com uma diferença tão brutal de valores justificar a necessidade da retaliação cruzada?

A resposta a primeira foi demasiada simples. Tendo em vista que as contramedidas das duas decisões seriam aplicadas ao mesmo tempo não havia porque não considerar a soma das duas decisões (que perfaziam o valor de US$ 294,7 milhões), para se averiguar a praticidade e viabilidade das retaliações somente em bens, e as circunstâncias graves do caso. (5.101)

Com relação à segunda indagação o Brasil correu o risco de ver o seu pleito de retaliação cruzada ser indeferido diante da monumental diferença entre o pedido total de retaliação de US$ 2.681 bilhões e o valor considerado adequado pelos árbitros de US$ 294,7 milhões. Se a diferença encontrada foi tão grande, e o pedido do Brasil foi anterior e fundamentado com base no valor de quase três bilhões de dólares, como provar, levando em conta as argumentações precedentes, que a retaliação em U$ 294.7 milhões de dólares não seria prática nem efetiva para a economia brasileira? Os Árbitros consideraram esta diferença o aspecto mais crítico do caso, e justamente pelo fato de o Brasil ter chegado a valor tão alto e tão dispare com o que entenderam ser o plausível ficou claro que o país demandante (Brasil) não apreciou corretamente os princípios do art. 22.3 do ESC, pelo que concluíram que não foram observados os procedimentos e princípios deste artigo, o que inviabilizaria o pedido de retaliação cruzada brasileiro. (5.104)

Contudo, foi reconhecido que o Brasil, mesmo assim, teria o direito de apresentar um novo pedido de contramedidas no mesmo nível que o apresentado na decisão (art. 22.7 do ESC), e não seria racional e instrutivo não apreciar as razões apresentadas, e se decidiu aplicar o valor de U$ 294.7 milhões de dólares no contexto descrito pelo o Brasil, a fim de provar a falta de praticidade e viabilidade somente na retaliação em bens. (5.108)

A bem da verdade, o pedido brasileiro, que primeiramente chegou até US$ 4 bilhões, não foi irresponsável ou exagerado e se baseou na jurisprudência da OMC que na maioria dos casos leva em conta todo o prejuízo mundial decorrente dos subsídios ilegais e não só dos prejuízos sofrido pelo Brasil. Não se tratou, como a primeira vista poderia parecer, de um "chute" ou de um pedido exagerado onde se requer o "muito mais" para se garantir "alguma coisa". A decisão de incluir todo o prejuízo mundial no calculo baseado na jurisprudência do OSC foi legítimo, mas por muito pouco não foi o responsável por uma eventual derrota brasileira.

A decisão por sua vez jogou muito para baixo o valor das contramedidas, o que deixou bem nítida as cautelas que envolvem a autorização da tão complexa retaliação cruzada para países em desenvolvimento do calibre do Brasil contra países desenvolvidos. Tanto é assim, que os advogados americanos que cuidaram do caso o consideraram mais vitorioso para os EUA do que para o Brasil, o que é um absurdo dado o longo período em que os subsídios ilegais vêm causando prejuízos para o mercado mundial e os lucros para o país que justamente deveria cumprir a decisão da OMC de livre vontade.

Respondidas as duas indagações os árbitros passaram a analisar o caso concreto, e como primeiro fator consideraram o perfil global das importações de mercadorias vindas dos Estados Unidos para o Brasil e rejeitaram o principal argumento Brasileiro de que as diferenças das economias dos dois países por si só já seria prova suficiente de que a retaliação somente em mercadorias não seria viável e efetiva. Segundo o Brasil, o comércio de bens entre os dois países significa 15% do seu total de importações (US$ 18.7 bilhões), e este valor representa somente 1,7% do total das exportações dos EUA (US$ 1.16 trilhões), o que demonstra que uma sobretaxa nas tarifas de importações não iria afetar suficientemente as exportações americanas de forma a tornar a retaliação de fato efetiva, sendo que as condutas ilegais continuariam a se perpetuar.

Todavia, segundo os Árbitros, estes números demonstraram que o Brasil na verdade tinha a sua disposição US$ 18.7 bilhões de exportações americanas que potencialmente poderiam suspender as concessões e outras obrigações, devendo-se provar no caso concreto, setor por setor que os US$ 294.7 milhões em bens não seriam suficientes para garantir a viabilidade e praticidade da retaliação. Esta decisão foi tomada com base nos marcos teóricos descritos no item 3.2.1 do presente trabalho, onde se determinou que a "praticidade e viabilidade" da retaliação deveria ser verificada na prática, não levando em consideração aspectos gerais e teóricos como a diferença das economias entre países, e com relação à efetividade esta não teria como base a capacidade de indução ao implemento da decisão, como queria demonstrar o Brasil. Assim, se passou a analise de setor por setor das importações dos EUA para o Brasil. (5.135 a 5.143)

Passando ao perfil detalhados das exportações entre os países demandantes, os árbitros decidiram que em relação a bens de capital, bens intermediários e outros bens que constituem insumos para a economia brasileira, representando 95% do total de US$ 18.7 bilhões de importações dos EUA, e diante da ausência de qualquer contra argumentação, aceitou-se que não seria viável ou eficaz suspender concessões ou outras obrigações em relação a essas categorias de bens, sem prejudicar a economia e o desenvolvimento do Brasil (5.153) O mesmo posicionamento recebeu o setor de computadores, onde também não houve maiores contra argumentos por parte dos americanos (5.175)

Por outro lado no que concerne aos bens de consumo tais como medicamentos, alimentos, armas, livros e setor automotivo, que representam 86% dos US$ 1.27 bilhões que sobraram das exportações dos EUA sem os bens de capital, os árbitros não se convenceram que não seria viável ou efetivo a retaliação envolvendo todos estes bens, tal como ficou reconhecido nos bens de capital.

Sobre medicamentos o Brasil argumentou que estes representam US$ 909.5 milhões anuais (2007) das exportações entre este e os EUA, e que a elevação de preços dos produtos iria por demais dificultar a busca destes em outros mercados. Além disto, as compras de antibióticos são feitas pelo Ministério da Saúde, após árduas negociações de preços e seguindo as dificultosas e morosas regras da contratação pública. O aumento dos custos destes, portanto, iriam prejudicar a saúde e o bem estar do seu povo. Todavia, estes argumentos foram afastados, por entenderem os árbitros que o Brasil não forneceu indicações precisas de como seria inviável buscar os mesmos medicamentos em outros mercados, e quais seriam as dificuldades práticas neste troca que iriam encarecer o produto no mercado. (5.167-5.168)

Com relação aos produtos alimentícios, que representam US$ 88.7 milhões, o Brasil argumentou que mais brasileiros têm renda suficiente hoje para comprar itens alimentares do que antes e que o desenvolvimento econômico e social deveria ser preservado a todo custo. Entretanto, o Brasil aceitou que determinados itens classificados como alimentos, poderiam ser considerados produtos de luxo, embora a quantidade e o valor desses produtos sejam bastante limitados. Os árbitros reconheceram que se a suspensão de concessões ou outras obrigações gerarem a consequência de privar os consumidores da oportunidade de aquisição de alimentos poderia-se legitimamente concluir que tal suspensão não seria "viável ou eficaz". No entanto, isso só seria possível caso não houvesse oportunidade de substituir as fontes destes produtos, sejam elas nacionais ou importadas. Todavia, segundo eles, o Brasil não conseguiu explicar as dificuldades de se buscar novas fontes para todos os produtos alimentícios, o que inviabilizou o reconhecimento da falta de "praticidade e efetividades" da retaliação no que diz respeito a estes bens de consumo. (5.170-5.171)

Melhor sorte levou o Brasil com relação aos livros, para o qual se estima o valor total das importações dos Estados Unidos em US$ 28,9 milhões. O Brasil observou que o aumento das tarifas seria altamente prejudicial para o objetivo político e social de maior acesso da população à educação e à melhoria da qualidade do ensino . Além disso, o artigo 150, inciso VI (d), da Constituição Federal brasileira isenta publicações impressas de impostos de importação, de modo que não seria possível adotar contramedidas em relação à livros. Os Árbitros decidiram que os livros, quase por definição, são produtos totalmente diferenciados, de tal forma que não é possível presumir que um título seja facilmente substituído por outro, mesmo levando em consideração que existem muito mais livros dedicados à diversão do que ao ensino propriamente dito. (5.172)

Por fim quanto ao setor automotivo (para o qual as importações provenientes dos Estados Unidos ascendem US$ 62,6 milhões por ano) o Brasil argumentou que não deveria ser atingido pela retaliação, uma vez que contramedidas em carros de "General Motors", e "Ford", por exemplo, provavelmente iriam atingir suas subsidiárias brasileiras afetando as suas operações no Brasil, o que também seria prejudicial para a sua economia. As importações de veículos dos Estados Unidos dependem de estabelecidas redes de distribuidores autorizados e serviços de manutenção, o que tornaria praticamente impossível para os importadores mudarem de fornecedor. Os Árbitros reconheceram o mérito dos argumentos brasileiros relativos à estrutura do chamado "Comércio Intra-firma" do setor automotivo de que a suspensão poderia ser prejudicial para subsidiárias brasileiras de importação dos carros e também concordaram que as autopeças de diferentes fabricantes não são necessariamente substituíveis umas pelas outras. À luz destes elementos, e na ausência de argumentos específicos dos Estados Unidos contra a situação no mercado automotivo no Brasil, aceitou-se que a suspensão neste setor implicaria "custos graves e irracionais". (5.173)

Os árbitros, portanto, concluíram que com base nos elementos apresentados acima, o Brasil não conseguiu provar que não seria "praticável" nem "efetivo" a suspensão das obrigações relacionadas com toda a gama de produtos de consumo, sendo que o Brasil poderia buscar outros fornecedores para grande parte destes. (5.177)

Apesar desta conclusão (somente a partir daqui o Brasil pode se considerar vencedor da demanda), reconheceram que dentro das grandes categorias de "medicamentos" e "alimentos", determinados produtos não poderiam ser facilmente substituídos, em particular, alguns medicamentos, incluindo aqueles que estão sujeitos aos direitos de propriedade intelectual e provenientes de um fornecedor específico. Reconheceram, também, o mérito da argumentação do Brasil de que certos medicamentos, como antibióticos, são fornecidas através de licitação pública de tal forma que uma mudança de fornecedor pode se tornar impraticável. Ainda, constaram que os medicamentos e alimentos considerados como um todo e em conjunto, representam a grande maioria dos bens de consumo do Brasil relativos às importações provenientes dos Estados Unidos e que ambos contêm uma vasta gama de produtos, que vão de escovas de dente e pasta dental até medicamentos e itens de segurança. Nestas circunstâncias, entenderam que a parte das importações nessas categorias de produtos que cabe aos Estados unidos poderia fornecer um bom indicador do risco para a economia brasileira em se buscar outras fontes de abastecimento disponíveis no mercado. (5.180)

Feitas estas observações, os Árbitros chegaram ao ponto mais importante de toda a decisão (item 5.181) que abriu caminho para a autorização da retaliação cruzada (itens 5.200 e 5.201), onde estabeleceram sem qualquer precisão matemática exata para essa determinação, que até o limite de 20% das exportações dos EUA para o Brasil, este poderia ser capaz de encontrar fontes alternativas de abastecimento para estas três categorias restantes de bens de consumo (armas, medicamentos, e alimentos). Seria, portanto, viável ou efetivo para o Brasil retaliar os EUA somente em bens até este limite de 20% do total de suas importações destes produtos. Acima deste limite reconheceram a dificuldade em se buscar outros fornecedores o que acarretaria custos graves e irracionais ao mercado brasileiro.

Excluídos os bens de capital, os bens intermediários, os insumos, e os computadores, livros e automóveis, com base no ano fiscal de 2006 e nas importações de 2007, 20% do total destas importações naquele ano de medicamentos, alimentos, armas, e outros bens de consumo chegou-se ao valor de US$ 409.7 milhões, o que mais tarde ficou estabelecido como o "gatilho" ou limite para se começar a utilizar a retaliação cruzada em TRIPS e GATS. Percebe-se que as contramedidas autorizadas nas duas decisões no valor de US$ de 294.7 milhões não superaram o limite de US$ de 409.7 milhões, o que levou à conclusão que o Brasil, com base naquele ano fiscal não poderia sequer utilizar a retaliação cruzada. (itens, 5.182 e 5.183)

Contudo, o valor da retaliação cruzada é variável a cada ano fiscal, sendo que com base no ano fiscal de 2008, chegou-se ao total do valor de retaliações a que o Brasil teria direito em US$ 829.3 milhões, e o "gatilho" em US$ 561.0 milhões [13]. Os itens 5.180, 5.181 e 5.182 são fundamentais para se entender a essência da decisão, onde os Árbitros reconhecem de maneira direta a falta de praticidade e efetividade das contramedidas quando ultrapassado o limite de 20% do total de importações entre EUA e Brasil em alimentos, medicamentos, armas e outros bens de consumo. [14] Este entendimento serviu de fundamentos para autorização da retaliação cruzada, selada no item 5.201 da decisão WT/DS267/ARB/1. Pode-se, portanto, dizer que a partir deste momento e sobre estas condições, autorizada estava a retaliação cruzada entre acordos.

3.2.3 – A autorização para a retaliação cruzada a partir das circunstâncias econômicas suficientemente graves que envolvem o caso.

À luz do exposto acima, os Árbitros chegaram à seguinte conclusão: com base nos elementos apresentado na época da decisão, o Brasil não poderia plausivelmente ter chegado à conclusão de que não seria viável ou eficaz suspender concessões ou outras obrigações somente em matéria de comércio de bens, levando em consideração que o valor das contramedidas encontradas não ultrapassaram US$ 294,7 milhões. (item 5.200 [15])

Todavia, os Árbitros ressalvaram (aqui se encontra na decisão a autorização para a retaliação cruzada) que o valor das contramedidas admissível no presente processo é variável (item 4.279). Este valor de US$ 294.7 milhões foi calculado com base no ano fiscal de 2006 e nas importações do Brasil em bens de consumo no ano de 2007. Ainda levando em consideração os mesmo dados, ficou estabelecido que poderão ser objeto de contramedidas os bens de consumo importados dos Estados Unidos até o limite de US$ 409,7 milhões de dólares ("gatilho"). Caso o valor das contramedidas a que o Brasil teria direito em um determinado ano aumentar para um valor que excede esse limite, atualizado em virtude da mudança do total das importações do Brasil provenientes dos Estados Unidos (fórmula descrita no item 5.231), ficou entendido que a suspensão de concessões ou obrigações aplicadas somente ao comércio de bens não seria mais "praticável ou eficaz" na acepção do artigo 22.3 (c) do ESC. (item 5.201 [16]). Ou seja, restou autorizada a retaliação cruzada entre acordos quando, e somente se, o valor das contramedidas transpor este limite.

Ainda, fez-se questão de enfatizar na decisão que para se conseguir suspender as obrigações na acepção do art. 22.3 (c) do ESC, além de demonstrar que não seria "viável ou efetiva" a retaliação no âmbito do mesmo acordo, era necessário provar que as "circunstâncias que envolvem o caso são suficientemente graves". Neste ponto o Brasil teve o seu mérito reconhecido pelos Árbitros, tendo em vista que foram observados os princípios da letra (d) do art. 22.3 do ESC, e que a determinação do que seriam "circunstâncias graves" que envolveriam o caso foram destacados o impacto das contramedidas sobre o comércio de bens do Brasil, e as consequências econômicas mais amplas sofridas em decorrência do não cumprimento pelos EUA das recomendações da OMC no caso especifico das exportações subsidiadas pelo programa GSM 102. (itens 5.212 a 5.215)

Afastou-se o argumento dos Estados Unidos de que os produtores brasileiros mantiveram-se muito competitivos no setor agrícola durante todo o período da contenda, mesmo com os subsídios e sem aplicação das contramedidas, uma vez que essa consideração não altera a essência da situação. Permanecer competitivo não modifica o essencial fato de que estes subsídios têm o efeito gravíssimo de distorcer o comércio no mercado mundial do algodão e de outros produtos. Dada a estrutura e a concepção dos subsídios em questão, e tendo em conta o período de tempo durante o qual estão em vigor, estas distorções são virtualmente, como foi colocado pelo Brasil, um elemento "estrutural" e indissociável do mercado mundial para os produtos afetados, incluindo o algodão, enquanto continuarem a viger. De acordo com a determinação do nível das contramedidas admissível nesta decisão, ficou demonstrado que os efeitos da distorção comercial não são insignificantes, e esses impactos são sentidos não só nos mercados dos Estados Unidos e do Brasil, mas em outros mercados para os produtos em causa. Por fim o Brasil observou que em tempos de crise de crédito, o impacto ao comércio será ainda maior na medida em que o programa GSM 102 continuar em voga. Essas considerações, aos olhos dos Árbitros os levaram à conclusão de que "as circunstâncias são suficientemente graves", e autorizaram a retaliação cruzada nos termos do art. 22.3 do ESC. (5.220)

Assim, pela terceira vez na histórica da OMC, foi autorizada a retaliação cruzada que no caso do algodão é variável a cada ano fiscal subsequente concluído, cujo cálculo do seu valor dependerá da variação das importações dos EUA para o Brasil, nos termos da formula apresentada nos itens 5.231 [17] e 5.232 [18] e da metodologia prevista no anexo IV da decisão WT/DS267/ARB/1.

Com base nesta formula, como já foi dito no item acima, o governo brasileiro auxiliado pela CAMEX [19], utilizando os dados do último ano fiscal disponível dos dois países (2008), calculou que o Brasil poderá retaliar os Estados Unidos em bens no valor de US$ 561,0 milhões, e acima deste valor começaria a possibilidade da retaliação cruzada em TRIPS e GATS até a quantia máxima de US$ 829.3 milhões. [20]

3.3 – A efetivação da retaliação cruzada. Atos concretos adotados pelo Brasil.

Ao contrário de Equador no caso das Bananas e Antigua no caso do US-Gambling que foram autorizados a retaliar de forma cruzada entre acordos, o Brasil já adotou uma série de atos concretos que demonstram a sua nítida intenção de realmente usufruir do seu direito legal à retaliação.

O Poder Executivo brasileiro através da sua Câmara de Comércio Exterior – CAMEX, órgão integrante do Conselho de Governo, que tem por objetivo a formulação, adoção, implementação e a coordenação de políticas e atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços, incluindo o turismo, publicaram as Resoluções nº 74, de 06 de novembro de 2009, nº 15 de 08 de março de 2010, e nº 16 de 15 de março de 2010, que buscam traçar os procedimentos técnicos da retaliação cruzada a serem aplicados na prática, dentre eles consultas públicas, divulgação de listas de produtos, prazo para implementação e propostas de medidas de retaliação em propriedade intelectual. A intenção da CAMEX ao fazer consultas aos setores interessados é de nítida divisão de responsabilidades, de transparência e reciprocidade com o mercado brasileiro para que seja diminuído ao máximo o prejuízo natural gerado com a sobretaxa de qualquer produto importado, e com a suspensão dos direitos envoltos a propriedade intelectual.

A Resolução nº 74, de 06 de novembro de 2009, instaurou "procedimento de consultas públicas relativa à Lista Preliminar de códigos da Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM), que poderão estar sujeitos à aplicação de contramedidas em decorrência do não cumprimento, por parte dos Estados Unidos da América, das decisões e recomendações adotadas pelo Órgão de Soluções de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio no contexto do contencioso ‘Estados Unidos da América – Subsídios ao Algodão’ (WT/DS 267)". Foi dada a oportunidade para vários setores do mercado brasileiro demonstrarem, através do roteiro de manifestação previsto na Resolução, o quanto poderiam ser prejudicados caso fossem sobretaxados os produtos importados dos quais necessitam para produzir ou comercializar.

Depois de ouvidos os setores interessados, a CAMEX em 08 de março de 2010, através de sua Resolução nº 15, divulgou a "lista de mercadorias objeto de suspensão de concessões assumidas pelo Brasil em razão do Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1994, em relação aos Estados Unidos da América e fixa as alíquotas do Imposto de Importação, com vigência de 365 dias, para as mercadorias referidas no art. 1º, quando originárias dos Estados Unidos da América, conforme Anexo a esta Resolução. [21]"

A partir de 07 de abril de 2010, ou seja, 30 dias após a publicação da lista (art. 4º), esta resolução entraria em vigor e a sobretaxa de 102 produtos americanos de toda a variedade, que vai de 12% até 100%, seria necessariamente aplicada nas importações. Estas sobretaxas expressam através de estimativas de comércio um valor máximo de retaliação em bens de US$ 591.0 milhões, ou seja, U$S 30.0 milhões a mais do que o Brasil poderia retaliar em bens como margem de segurança, sobrando para a retaliação em TRIPS US$ 238.0 milhões, medidas estas que começaram a ser tomadas através da Resolução nº 16, de 15/03/2010, e que de fato irão pressionar os interesses americanos. Estes valores poderiam ter sido impugnados pelos EUA na OMC assim que foram enviados pelo Brasil, mas não o foram.

Em complementação às medidas já adotadas, a Resolução nº 16 em seu art. 1º instaurou, "nos termos da Medida Provisória nº 482, de 10 de fevereiro de 2010, o procedimento de consulta pública sobre as medidas de suspensão de concessões ou obrigações do País relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros, em relação aos Estados Unidos da América." Assim com se fez na retaliação em bens, a CAMEX resolveu consultar todos os interessados, preferencialmente as associações, antes de adotar as medidas concretas de retaliação cruzada em TRIPS.

Uma serie de propostas de medidas, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, se encontram no Anexo III da Resolução, sobre as quais podem os interessados livremente dar a sua sugestão. Estas medidas foram baseadas na MP nº 482/2010, escrita e publicada com o objetivo específico de dar fundamentação legal ao ato executivo da CAMEX.

Segundo o Anexo IV, item 5 da Resolução que trata de sua fundamentação, "o Anexo III contém minuta das medidas que poderão ser tomadas pelo Governo brasileiro, de forma isolada ou cumulativa, e que incidem sobre certos direitos de propriedade intelectual, bem como sobre a remuneração que for devida, e visam a atingir requerentes, titulares ou licenciados de direitos de propriedade intelectual que sejam pessoas naturais nacionais dos Estados Unidos da América ou nele domiciliadas, ou ainda pessoas jurídicas domiciliadas ou com estabelecimento naquele país. As medidas listadas no Anexo III têm por fundamento a Medida Provisória nº 482, de 2010, em especial os incisos II, III, IV, V, VII e VIII de seu artigo 6º." [22]

Com a adoção destas medidas do Poder Executivo brasileiro, o Brasil se mostra confiante que estas sejam suficientes para induzir os EUA a cumprir a decisão do OSC, ou pelo menos fechar um acordo descente que encerre de uma vez por todas o caso DS/267, e cessem os prejuízos causados ao país e ao mercado mundial pelos subsídios ilegais americanos.

4. Retaliação Cruzada no âmbito do Acordo TRIPS.

Relatado todo o caso do algodão entre Brasil e Estados Unidos e demonstrada a real intenção de se efetivar a retaliação cruzada em bens e no âmbito dos acordos TRIPS, tal como se vê nas Resoluções da CAMEX nº 74/2009 e nº 15 e nº 16 de 2010, e na Medida Provisória nº 482, de 10 de fevereiro de 2010, é necessário analisar quais as consequências práticas desta efetivação, ou seja, quais os benefícios e os prejuízos poderão advir na prática.

Infelizmente muito pouco se sabe sobre assunto, e quase não existem estudos sobre ele. A OMC agora com o caso do algodão somente autorizou a retaliação cruzada por três vezes na sua história, sendo que nas duas primeiras no caso das Bananas do Equador x Comunidade Europeia, e no caso dos Jogos eletrônicos de azar de Antigua x EUA, a retaliação não foi efetivada. Pela primeira um país em desenvolvimento que possui uma grande economia pretende fazê-lo. Trata-se de um assunto na sua essência muito novo e sem qualquer parâmetro de comparação.

A retaliação cruzada sem dúvida possui seus méritos e a lógica sobre a qual foi construída é de inegável valor. Na ausência de uma autoridade internacional capaz de fazer cumprir a decisão da OMC, atingir dentro do país infrator outros setores suficientemente influentes para forçar a mudança das condutas ilegais, é atualmente a única medida coercitiva disponível dos países em desenvolvimento nas contendas com os países desenvolvidos, que são avessos a cumprir as decisões do Sistema por eles mesmo criado.

Todavia, esta efetivação tem um custo muito grave. Toda retaliação, invariavelmente, afeta a economia interna do próprio país retaliador na medida em que se encarecem os produtos importados, podendo gerar desabastecimento interno, além de todo o desgaste político e comercial envolvido, entre outras consequências.

Segundo Gregory Shaffer, muito embora o sistema judicial da OMC seja caracterizado pelo legalismo procedimental e pela aplicação da lei, ele permanece sendo orientado pelo poder econômico na sua essência. A retaliação é um mecanismo que depende do poder que o país exerce no mercado. "Assim, os países desenvolvidos podem pressionar os menos desenvolvidos a obedecer as regras e normas da OMC, posto que o acesso aos mercados dos maiores é essencial para a exportação dos menores. Os países pequenos já não exercem tal influência". (2007, p. 183). Daí que a indução ao cumprimento de uma retaliação depende muito mais do poderio econômico do que do aparto legal, situação esta que tende muito mais a favor dos países desenvolvidos. Esta lógica, infelizmente, ainda é inegável também e pode ser visa na própria jurisprudência da

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