OBJETIVANDO UMA DISCUSSÃO: UMA BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA PROPOSTO
Por: fors tommo • 22/11/2019 • Artigo • 3.645 Palavras (15 Páginas) • 173 Visualizações
A ESCOLA E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: É PRECISO FALAR SOBRE O ASSUNTO
Carlos Brito
OBJETIVANDO UMA DISCUSSÃO: UMA BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA PROPOSTO
Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...
(Trecho da música Como nossos pais de Belchior)
A imagem clássica e quase arquetípica de família que parece habitar nossas quimeras é definida como Extensiva: Muitos filhos, crescendo e se desenvolvendo junto dos tios, primos, avós. Ela faz parte de uma comunidade com a qual estabelecemos relações de troca e participação geralmente em um lugar harmonioso sem grandes conflitos. É dirigida por um pai presente, seguro e poderoso em suas atitudes e crenças, gerenciada carinhosamente por uma mãe afetuosa e amorosa. O cotidiano desse grupo reúne-se em volta de uma grande e farta mesa de refeições.
Parece não haver espaço para dúvidas quanto à representação de família acima delineada nas diversas possibilidades de narrativas contemporâneas, e, principalmente, em nosso inconsciente coletivo. Essa questão se confirma quando solicitamos às crianças, adolescentes e até mesmo a adultos que desenhem uma família. Na grande maioria das vezes, a representação gráfica aponta para uma família composta de pai, mãe, filhos, várias vezes acrescida de características mencionadas no parágrafo acima.
Quais seriam os motivos que nos prendem ao modelo clássico e tradicional de família vigente desde o século XIX? Quais as razões que nos levam a pensar que o modelo tradicional de família seria o mais saudável para a constituição do psiquismo infantil? Que razões levam quase sempre as famílias que transgridem a esse arranjo terem dificuldades de inclusão social? Qual a justificativa que as escolas teriam para não incluir a questão das novas configurações familiares em suas temáticas, reuniões, pedagogias com as famílias?
A realidade familiar atual parece ser bem outra. Pequenos núcleos, formados por um casal e poucos filhos, quando não são famílias reconstituídas, com filhos de um ou de outro cônjuge, ou famílias monoparentais, ou ainda famílias de casais homossexuais. Essas famílias se instalam nos lugares em que há trabalho. Muitas vezes longe de suas origens e as refeições familiares só acontecem quando a pesada rotina de trabalho, estudo e atividades extras permite. Realidade essa bem distante de nossas quimeras idealistas e saudosistas.
Como a escola de hoje vem debatendo em seus projetos pedagógicos a questão premente das novas configurações familiares? Temas como guarda compartilhada, alienação parental, famílias homoparentais, produções independentes vêm sendo incluídos nessas reflexões? A sociedade espera que a escola debata essas questões em reuniões e discutam em sala de aula com as crianças e adolescentes? A escola seria a única instância responsável para refletir sobre esse assunto?
O objetivo do artigo que ora se inicia é apresentar alguns aspectos relativos às transformações que vêm ocorrendo na estrutura e relacionamento familiar, de modo a ressaltar o caráter pouco explorado da área e estimular reflexões sobre as novas configurações familiares, acreditando na necessidade premente de acolhimento e discussão sobre o tema nas escolas, incluindo não apenas os educadores, mas principalmente as crianças, adolescentes, famílias e a sociedade em geral.
Contextualizando o sentido de família na história da humanidade
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...
( Trecho da música Como nosso pais de Belchior)
“A família é a grande destinatária da tendência, humana e universal, de terceirizar nossos fracassos e justificar nossas frustrações, jogando a culpa pelo nosso destino nos outros” (CORSO, 2011, p.59).
A afirmação acima apresenta uma leitura bem contemporânea sobre a questão da construção da subjetividade dentro de um grupo familiar. Nessa linha de raciocínio, podemos também especular que o ressentimento que os filhos dedicam aos seus pais é o recurso psíquico que vai ser usado por muitos e parece ser difícil escapar dessa armadilha.
Por outro lado, seria correto pensar que a representação acima estaria enraizada arquetipicamente na trajetória evolutiva da família na história da humanidade?
Ao longo dos tempos, a evolução do sentido de família vem mostrar que nem sempre foi assim. Ou seja, pensar um grupo familiar, tendo como mote central a questão das intesubjetividades familiares, parece ser um fenômeno recente, surgido a partir do aparecimento da psicanálise de Freud, no século XIX.
Tendo como ponto de partida a mitologia grega, podemos observar que a ideia de família sempre esteve ligada a ideia de transmissão. A Teogonia, de Hesídio, não é apenas um mito da origem dos deuses, mas conta, sobretudo, a história da transmissão de poder.
Segundo Roudinesco (2002), podemos distinguir três grandes períodos evolutivos na construção do sentido de família. Em um primeiro momento, a família dita como “tradicional” servia acima de tudo para assegurar a transmissão de um patrimônio. Os casamentos de então, eram arranjados entre os pais sem que a vida sexual e afetiva dos futuros cônjuges, em geral unidos em tenra idade, fossem levados em consideração.
Parece ficar claro, nesse contexto, a relevância de uma autoridade patriarcal, bem como, a transmissão de tradições culturais.
A sexualidade, no tempo em que as uniões acima eram determinantes, não mantinha uma relação direta com a questão do desejo. O desejo sempre teve motivos mais inconscientes e intrincados do que a lei dos homens determina, mas as famílias dessa época eram organizadas pelo sistema jurídico e de costumes, nunca pelos desígnios dos impulsos sexuais ou amorosos.
Numa segunda fase, a família dita “moderna” torna-se o receptáculo de dinâmica afetiva cujo modelo se impõe entre o final do século XVIII e meados do
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