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REFLEXÕES ANTROPOLÓGICAS SOBRE O "MÉTODO PAULO FREIRE"

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Por:   •  26/2/2014  •  5.436 Palavras (22 Páginas)  •  620 Visualizações

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REFLEXÕES ANTROPOLÓGICAS SOBRE O “MÉTODO PAULO FREIRE”

Era o ano de 1962, época em que ganhavam força os movimentos sociais populares. No Recife o Movimento de Culturura Popular inicia um projeto de alfabetização de adultos. O projeto culminaria na polêmica experiência de Angicos (RN), onde um desconhecido professor causara grande impacto na opinião pública ao alfabetizar 300 trabalhadares em apenas 45 dias. A partir de então ficaria marcado no Brasil, e posteriormente no mundo inteiro, o nome de Paulo Reglus de Neves Freire.

Após a referida experiência, Paulo Freire foi convidado pelo então ministro da educação, Paulo de Tarso, a coordenar a Campanha Nacional de Alfabetização, idealizada pelo governo João Goulart. Nessa campanha seria utilizado o “método Paulo Freire”- como ficou conhecido – em âmbito nacional. Após serem, no início dessa experiência, evidenciados os conteúdos ideológicos do método, este passou a ser alvo de furiosas críticas por parte dos ideólogos e subalternos da esclarecida elite dominante. Com a efetivação desta classe no poder, através do golpe de 1964, Freire foi preso e exilado.

Paulo Freire não surge apenas “desobedecendo” os conceitos, já pré-estabelecidos, do que ele chamava de escola burguesa, mas também quebrando importantes paradigmas no pensamento pedagógico. Nota-se claramente que Freire só poderia ter feito essa quebra, da maneira que a fez, por perceber o homem através de uma visão antropológica. Naquela época ele surpreendeu a todos ao afirmar duas coisas importantes: o analfabeto tem conhecimento; a educação é um ato político.

O pensamento de Freire entendia a relação dinâmica entre homem e natureza. O analfabeto tem conhecimento porque, como ser humano, também é sujeito da ação humana sobre o mundo. As afirmações de Paulo Freire foram reveladoras para a educação: “o homem faz o mundo e é feito pelo mundo”; ou “os homens agem sobre o mundo para transformá-lo, e ao transformarem o mundo eles também se transformam”. Dificíl é não lembrar das palavras de Clifford Geertz: “o homem é ao mesmo tempo produtor e produto da cultura”.

Partindo dessa visão antropológica de homem, e de uma concepção dialética (e até mesmo marxista1) de história, o professor Paulo Freire elabora o seu método - que aqui chamaremos de antropológico - de alfabetização de adultos.

Para opôr-se à educação tradicional, Freire cria novas categorias de classificação que vão existir em oposição às categorias tradicionais. O espaço “sala de aula” foi substituido por “círculo de cultura”; o termo “professor” por “coodernador de debates” ou, simplesmente “monitor”; o termo “aluno” por “alfabetizando” ou “educando”; e finalmente não haveria mais “transmissão de conhecimento” mas sim “produção de conhecimento”2.

Visando adequar o processo educativo às características do meio, era realizada, pelos monitores, uma pesquisa no local onde viviam os indivíduos inscritos no círculo de cultura. Essa pesquisa era na verdade baseada em observação paricipante.

“Tal como o próprio Paulo Freire desenvolveria depois em suas idéias sobre pesquisa participante, comum significa, aqui, co-participando entre pessoas dos dois lados do trabalho de alfabetizar: agentes de educação e as gentes da comunidade.” (Brandão 1996:28)

O objetivo da pesquisa participante era perceber, no cotidiano, o universo vocabular e temático do grupo específico. Estraia-se desse universo as palavras mais significativas, que seriam chamadas de palavras geradoras e desencadeariam os temas geradores.

Ao que nos parece as palavras geradoras eram também os termos mais reificados3 pelo oprimido que, como mostraremos, será capaz de criar uma abstração desses termos através da técnica antropológica de distanciamento e aproximação – possível com a utilização de recursos visuais.

Feita a seleção das palavras geradoras o grupo reunia-se no círculo de cultura e iniciava o debate. De início era mostrado ao grupo uma série de figuras (no início eram quadros, posteriormente passou-se a utilizar slides), as chamadas “fichas de cultura”. Essas fichas tinham como objetivo provocar a distinção entre o “mundo da natureza” e o “mundo da cultura”, e, por meio de um processo consciente, a decodificação dessa distinção na consciência do alfabetizando. Na primeira figura4 observa-se um homem e uma mulher – que segura um livro – cercados por animais e rodeados por plantas. O homem segura uma enchada e está descalço. A posição dos dois sugere diálogo. São colocadas então, de maneira bem simples, várias questões do tipo: o que a figura mostra? Quais são as partes, os elementos dela? O que será que ela quer dizer? Com o que se parace? E após a distinção natureza-cultura o monitor coloca em debate se o homem faz cultura através da natureza. Chega-se portanto à conclusão de que os homens estão no mundo com a natureza (animais, plantas, terra, etc.), porém é o homem quem age sobre o mundo para transformá-lo. A marca dos homens é “o fazer”. E ao agir sobre o mundo o homem se transforma. Se o homem não o faz é porque existe um processo que o desumaniza.

Na segunda gravura observa-se um trabalhador, também com uma enxada, segurando um livro. Ao seu redor existem várias coisas: um poço, uma casa, uma horta e um curral. É importante notar o que Paulo Freire escreveu sobre essa gravura e sobre sua visão de homem:

O homem é aqui visto como “um criador e recriador que, através do trabalho, vai alterando a realidade.(…). Com perguntas simples, tais como: quem fez o poço? Por que o fez? Como o fez? Quando?, que se repetem com relação aos demais “elementos” da situação, emergem dois conceitos básicos: o de necessidade e o de trabalho e a cultura se explicita num primeiro nível, o de subsistência5. O homem fez o poço porque teve necessidade de água. E o fez na medida em que, relacionando-se com o mundo, fez dele seu objeto de conhecimento. Submetendo-o, pelo trabalho, a um processo de transformação. Assim, fez a casa, sua roupa, seus instrumentos de trabalho. A partir daí, se discute com o grupo, em termos evidentemente simples, mas criticamente objetivos, as relações entre os homens, que não podem ser de dominação nem de transformação6, como as anteriores, mas de sujeitos”(Paulo Freire 1967:80).

Na sequência do debate são mostradas mais três figuras quase em conjunto. Na primeira delas observa-se um sertanejo caçando aves com um rifle. Na segunda, um índio caçando

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