Resenha 7 O Hiato
Por: darknoble22 • 20/11/2022 • Resenha • 929 Palavras (4 Páginas) • 525 Visualizações
No documentário "Hiato", de Vladimir Seixas, o autor conta a história da "invasão" de mais de 300 moradores sem terra e de comunidades carentes das periferias do Rio de Janeiro no Shopping Rio Sul que ocorreu no ano de 2000. Tal excursão em massa desta população rumo a um dos centros comerciais mais frequentados pela elite carioca, considerada uma manifestação pacífica, causou desconforto nos vendedores e frequentadores do shopping, que não esperavam esse "tipo" de público. Ou seja, como é mostrado claramente pelas imagens, o que chocou as pessoas que estavam no shopping não foi a quantidade de pessoas, mas sim o fato de pessoas daquela classe social terem ultrapassado certos “limites” ou “barreiras” socialmente postas entre eles e os ricos.
Observa-se, portanto, que o documentário escancara a realidade do nosso Estado democrático de direito ao demonstrar que muitas pessoas, apesar do que está escrito na Constituição, não tem muitos de seus direitos fundamentais acolhidos. No caso em questão fica claro que os manifestantes que só queriam “ver o shopping”, como eles mesmos disseram, não tem a verdadeira liberdade de ir e vir, pois nossos direitos são condicionados pela nossa capacidade de TER, de possuir algo.
As pessoas que não tem bens materiais, que são de certa etnia, usam certas roupas e moram em determinado lugar são excluídas e não fazem parte do círculo social. O ato nos faz questionar o suposto igualitarismo que existe na sociedade, até que ponto adianta termos uma Constituição com princípios democráticos e igualitários se na mente do povo existe um preconceito enraizado e imutável.
Vladimir gravou o documentário sete anos após os acontecimentos e a região onde aquelas pessoas viviam, segundo ele, continuava arrasada da mesma maneira. Elementos como cidadania, direitos humanos, estado de bem estar social e outros, se mostram distante daquela realidade. A ida ao shopping fazia parte dos esforços de uma semana de ações por parte dos movimentos sociais do Rio de Janeiro referente aos sete anos da chacina de Vigário Geral onde foram assassinadas mais de vinte pessoas. Esse episódio do shopping foi o único que tencionou essa discussão em um nível maior de abstração. É dito que na época os jornais locais esperavam uma onda de saques e ‘arrastões’, mesmo tendo sido os próprios manifestantes que avisaram a imprensa do acontecimento. Observa-se, portanto, que apesar de inicialmente parecer um paradoxo o fato de pessoas com demandas tão concretas realizarem uma intervenção desse tipo, acontece que foi esse diferencial que fez esse ato ter tido tanta repercussão.
Por um lado parece que os manifestantes tinham apenas uma vontade intrínseca em qualquer ser humano: fazer parte de um grupo. É natural querer se inserir na coletividade e sentir que pertence a um grupo de pessoas, sustentando uma carência biológica e social. Porém, tendo em vista o contexto dos sete anos da chacina do Vigário Geral também fica explícito que como combater essa invisibilidade também é uma forma deles lutarem por suas vidas.
Além disso, em determinado momento do filme, um dos manifestantes ao analisar as imagens feitas sete anos antes expressa sua revolta com o fato dos próprios funcionários e funcionárias das lojas também terem “nojo” deles, apesar deles mesmos também serem pobres, pegam ônibus lotados e “serem comedores de arroz e feijão”. Essa brilhante observação, sem dúvidas, pode ser considerada um exemplo concreto do fenômeno da identificação vertical descrito por Damatta em “Carnavais, Malandros e Heróis”. Segundo o autor, o Brasil, de forma distinta de países essencialmente modernos, teria uma hierarquização social de cunho tradicional que impede a construção de uma consciência horizontal e teria como componente principal de seu sistema cultural uma maior identificação social com aqueles que estão em uma posição social acima. Dessa forma o Autor explica que até entre a classe mais pobre, aquele indivíduo que possui qualquer aproximação com o poder seria considerado superior. No caso em questão, apesar dos vendedores serem também pobres, por eles trabalharem nesse lugar luxuoso frequentado pelas elites eles seriam superiores.
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