Tempo Palimut
Tese: Tempo Palimut. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: joesle • 9/4/2014 • Tese • 1.596 Palavras (7 Páginas) • 221 Visualizações
O PALIMPSESTO DO TEMPO
Cena 1:
Julho de 1986 - Fernanda Montenegro começa o espetáculo no Teatro de Arena no Rio com dez minutos de tolerância, mas vinte minutos depois ainda tem gente entrando. Às 21h30 as portas são fechadas e alguns espectadores não conseguem entrar. E reclamam!
Cena 2:
Dezembro de 2003 - Na estréia de Antônio Fagundes, em Portugal, os três mil lugares do teatro estão praticamente ocupados. Alguns lugares ficam vagos devido ao atraso de cerca de 200 pessoas, que reclamam da pontualidade. Abrem-se as cortinas na hora marcada para iniciar a peça. Os atrasados que protestaram na porta voltam à bilheteria e compram ingressos para domingo. E no segundo dia não há nenhum atraso!
Cena 3:
Julho de 1986 - O ministro do Planejamento João Sayad chega com atraso de quarenta minutos à sede do Banco Mundial em Washington para assinar o maior empréstimo individual até então concedido pelo banco a um país. O presidente do Banco, Barber Conable, chega pontualmente ao meio-dia, espera meia hora e, como tinha outros compromissos, vai embora, deixando para o encontro um representante do segundo escalão, conforme relato do então correspondente da Folha, Paulo Francis.
Cena 4:
Outubro de 2003 - O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, viaja na véspera para assistir à instalação na ONU de um "Diálogo de Alto Nível", marcado para as 10h do dia seguinte. Atrasa-se e, quando chegou ao plenário, ele estava vazio. Ele já estava na ONU pouco antes das 10h, mas esquece que deveria se credenciar, e ainda conversa durante vinte minutos admirando os painéis "Guerra e Paz", de Cândido Portinari. Sobe ao plenário e tem a surpresa: o evento durara uns dez minutos e já acabara. Diária típica do Hotel Morgans, onde ficou hospedado, pago pelo contribuinte brasileiro: US$ 500.
Cena 5:
Março de 2004 - A neta do senador Antônio Carlos Magalhães, que a levou ao altar, casa-se com um empresário paulista, mas tem de esperar no carro acompanhada do avô, pois chega antes do noivo à igreja. Na hora em que entrega a noiva no altar, o senador dá um puxão de orelha no noivo pelo atraso.
Cena 6:
Basta! Escrevo e trabalho com o assunto há algum tempo, vez por outra falando da naturalidade que o brasileiro lida com atrasos. E não vejo muito progresso de lá pra cá. Meus novos textos parecem repetir as mesmas idéias escritas há vinte e muitos anos, agora com uma linguagem mais moderna e elegante, mas a essência, aquilo que é o mais básico e mais central, permanece, como se fosse um palimpsesto que, apagado várias vezes, revela, de novo, o mesmo conteúdo. Aí eu me pergunto se estou defasado, fora de época e contexto e, a cada nova notícia que leio sobre o assunto, confirmo que não.
Na coluna Ponto de Vista, que mantém na revista Veja, o excelente Cláudio de Moura Castro publicou em 24 de março de 2004 o artigo "O tempo do desenvolvimento", onde faz uma comparação entre os nossos hábitos e os de outros povos em relação a tempo, atrasos e suas conseqüências. Sua frase "quanto mais tempo se perde por desorganização ou esperando pelos outros, menos tempo se utiliza produzindo e menos riqueza é gerada; e isso sem ganhar em lazer" é firme e esclarecedora. Ele diz também que "o respeito pelo tempo dos outros aumenta a produtividade social, pois o tempo de todos não é desperdiçado pelas esperas". E na revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios de março de 2004, Adriana Fonseca publicou o artigo "Momentos valiosos", onde escreveu "(...) apesar de tudo o que já se falou sobre gestão de tempo nos últimos anos, porque ainda continuamos a entregar trabalhos fora do prazo, a nos atrasarmos para compromissos e a ficarmos estressados com o trabalho?".
Sempre tentei entender porque tantas pessoas se atrasam para compromissos e encontros marcados. Quem cumpre horários sempre discute ou briga com os atrasados, e o primeiro contato, que muitas vezes dita o rumo de uma conversa ou encontro, pode ficar comprometido com o mal estar gerado nesse momento. Tudo por causa da hora. Mas será tão simples assim? Apenas uma desatenção para com o outro? Ou uma questão de disciplina interna, de falta de organização ou outros fatores importantes que devem ser analisados?
Vejamos alguns deles:
Atraso como exercício de poder
Dispor do tempo dos outros é uma forma de exercitar poder que, no Brasil, tem sua prática bastante difundida. O médico amontoa gente na sala de espera (viu como precisam de mim, como sou importante?). A reunião só começa quando o chefe chega seja o presidente, diretor, chefe de seção ou encarregado de turno e isso pode demorar dez minutos ou mais de uma hora. O Presidente da República ou o Ministro de Estado atrasam audiências por várias horas, mas como reclamar se vão pedir favores? Conhecido vice-presidente acabava atendendo às 2 da manhã, mas e daí? Precisam de sua indicação política! Puro exercício de poder, uma forma clássica de egoísmo, um antônimo de caridade, se é que me entendem.
Mas todo mundo se atrasa
Os espetáculos teatrais ingleses começam no horário marcado, e você pode ser o rei de copas, mas vai ter que aguardar o final do primeiro ato, lá atrás, em pé, e só sentará durante o intervalo. Thomas Watson, fundador da IBM, trancava a porta ao início das reuniões e impunha penalidades aos atrasados. O condutor do trem-bala japonês desculpa-se com os passageiros pelo atraso de um minuto ocorrido na partida da viagem, e a cada momento volta a se comunicar pelo sistema de som explicando como o atraso está sendo compensado e, é claro, volta a se desculpar. Mas como estamos na terra das palmeiras, a Pindorama, te aconselham a relaxar.
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