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Uma Leitura Sensível Da Cidade: A Cartografia Urbana

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Por:   •  4/10/2014  •  4.029 Palavras (17 Páginas)  •  451 Visualizações

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A partir da análise de mapas da cidade de Porto Alegre, enfocados como produção histórica da cidade, proponho, neste trabalho, dar “visibilidade” às sensibilidades que neles afloram. Meu pressuposto é de que os mapas das cidades são produzidos como ideário de representação, registro de memória, inventário do imaginário, narrativa histórica da geografia e da paisagem urbana. Vistos, assim, como discurso1, os mapas produzem as identidades do espaço urbano e suas mudanças ao longo do tempo, ao darem visibilidade a significados constituídos historicamente.

2Como representação do mundo, a carta é uma construção imaginária que tem o poder não só de orientar e dirigir o olhar e a percepção (do real), como também de inventar a paisagem urbana que representa. Trata-se, então, de mostrar as identidades e as mudanças urbanas, ou seja, os acontecimentos que as diferentes plantas de uma cidade apresentam ao longo do tempo, situando-os em sua conjuntura histórica e em seu contexto geográfico e paisagístico (local). Em suma, responder a uma indagação: que cidades essas cartas produzem?

3Contudo, essa indagação vai na contramão do entendimento que se tem, habitualmente, do que sejam os mapas, entendimento este que permite a Teixeira2, em sua “Cartografia Urbana”, fazer uma descrição dos mapas que, ainda que dominante, não ultrapassa o nível do senso comum:

“Os mapas, cartas e plantas (...) mostram os traçados urbanos de cidades ou de partes de cidades (entendendo-se aqui por cidade qualquer núcleo urbano independentemente do seu tamanho). Através destas cartas, podemos observar o traçado das cidades, a natureza dos seus espaços urbanos, a estrutura de quarteirão e a estrutura de loteamento, a localização de edifícios e de funções, bem como observar as características físicas do sítio e as suas relações com o território”.

4A descrição que Harley3 faz dessa forma usual de entender o que sejam os mapas é bem mais competente e crítica, ao mostrar o modo como ela se constituiu na história da cultura ocidental, estabelecendo-se como a forma correta e científica de definir a cartografia urbana. Diz ele:

“A percepção usual da natureza dos mapas é de que eles são um espelho, uma representação gráfica de algum aspecto do mundo real. A definição encontrada em vários dicionários e glossários de cartografia confirma esta visão. Dentro das restrições da técnica de pesquisa, da habilidade do cartógrafo e do código dos signos convencionais, o papel dos mapas é apresentar um depoimento factual acerca da realidade geográfica. (...). Na nossa cultura ocidental, pelo menos desde o Iluminismo, a cartografia tem sido definida como ciência factual. A premissa é de que o mapa deve oferecer uma janela transparente sobre o mundo. Um bom mapa é um mapa acurado”.

5A partir dessa colocação, o autor pergunta: “Há, por ventura, uma resposta alternativa à questão ‘o que é um mapa?’”, Harley4 responde que, “para os historiadores, uma definição apropriada seria a de que um mapa é uma construção social do mundo expressa por meio da cartografia”. Assim, longe de ser um simples “espelho” da natureza, “uma representação de algum aspecto do mundo real”, os mapas, para Harley, “reescrevem o mundo – como nenhum outro documento – em termos de relações de poder e de práticas culturais, preferências e prioridades”. Em outras palavras, diz ele: “O que lemos num mapa é tanto uma relação com um mundo social invisível e uma ideologia quanto uma relação com os fenômenos vistos e medidos na natureza”. Assim, os mapas mostrariam sempre “muito mais do que uma soma de um conjunto de técnicas”. É precisamente este entendimento que lhe permite dizer que “a aparente duplicidade dos mapas – sua qualidade de escorregadio – não é um desvio idiossincrático de um ilusório mapa perfeito. Pelo contrário, [essa duplicidade] está no coração da representação cartográfica”. É ao que ele diz a mais do que aquilo que aparentemente diz, que é preciso dar visibilidade num trabalho historiográfico.

6Ao longo do tempo, os mapas das cidades mostraram suas ruas, seus prédios, Igrejas, pontes, seu espaço abrangente, seus limites geográficos e políticos. Suas culturas urbanas foram, assim, modeladas, formatadas pelo modo como o espaço foi organizado. E foi a cartografia, como uma gramática do espaço, que ordenou, classificou, normatizou e organizou o espaço urbano, de acordo com regulações cartográficas definidas historicamente, isto é, de acordo com as regras dominantes em determinado tempo e lugar. Por isso a cartografia, aqui, é vista como um dispositivo criado para produzir efeitos específicos e por isso, também, este estudo pretende indagar não “o que ela é” ou “o que ela significa”, mas como ela faz o que faz, ou seja, como ela funciona como uma prática política e cultural.

7Porto Alegre, cidade situada no extremo sul do Brasil, foi fundada oficialmente em 26 de março de 1772. No entanto, o primeiro mapa que temos da cidade data de 1833. Seu traçado inicial feito em1772 pelo Capitão Alexandre José Montanha, na região desapropriada da Sesmaria de Santana pertencente inicialmente a Jerônimo de Ornelas5, nunca foi encontrado. Em 1940, o historiador Tupi Caldas elaborou um esboço do que teria sido esse traçado6 (Fig.1). A prova que se tem dessa demarcação é um documento datado de 12 de julho de 1772, no qual o Capitão Montanha foi convocado pelo Governador, para demarcar as meias datas para os casais moradores do Porto de São Francisco, deixando suficiente terreno para a nova freguesia7. Um ano após, em 1773, o Governador José Marcelino de Figueiredo transfere a Capital da província Rio-grandense para Porto Alegre, por ordem do Vice-Rei. Apesar disso, Porto Alegre só será transformada em vila em 1810, o que lhe abre o caminho para uma autonomia progressiva.

8Logo após a independência do Brasil em 1822, uma carta Imperial datada de 14 de novembro do mesmo ano, eleva Porto Alegre à categoria de cidade. Em 1825, tem-se notícia da realização de uma planta topográfica para o ordenamento de sua ocupação feita por José Pedro César; Segundo Macedo8, “a planta foi entregue à câmara em 29 de outubro de 1825 para controlar a ocupação dos terrenos de marinha e para fornecer os alinhamentos”. Dessa planta não se conhece nem o original, nem cópias.

9Como é sabido, a cartografia das cidades emerge, na história, ligada à necessidade de delimitar, conhecer e governar o território urbano. As noticias que se tem dos primeiros mapas de Porto Alegre mostram que eles respondiam a essa necessidade.

10Data de 1833 a primeira planta existente

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