A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica
Por: Maisa Klein • 9/5/2016 • Artigo • 1.119 Palavras (5 Páginas) • 566 Visualizações
A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica
Benjamin nos apresenta um histórico da oportunidade de reprodução da obra de arte. Sempre se pôde reproduzir a obra de arte. A reprodução técnica da obra de arte é um fenômeno novo. Os gregos só conheciam a fundição e a cunhagem, reproduzindo em série apenas os bronzes, as terracotas e as moedas. Com a xilogravura, conseguiu-se a reprodução do desenho. A tipografia introduziu imensas transformações na literatura. A litografia, no séc. XIX, permite pela primeira vez às artes gráficas não apenas entregar-se ao comércio das reproduções em série, mas produzir obras novas. A fotografia, por sua vez, viria a exceder a litografia. A característica principal do processo fotográfico é, para Benjamin, a predominância do olho sobre a mão, que foi liberada das responsabilidades artísticas mais valorizadas, isto é, estabelece o uso constante do olho, fixo sobre a objetiva, no lugar da mão: o olho apreende mais depressa do que a mão desenha – o processo de reprodução tornou-se muito mais rápido. A reprodução técnica da obra de arte atinge um nível tal que se impõe, ela própria, ironicamente, como forma original de arte. Mesmo a mais perfeita reprodução das obras de arte precisa da presença, do hic et nunc (aqui e agora) da obra de arte, de sua existência única, no lugar em que se encontra. É a essa presença que se liga a história da obra, com as inúmeras transformações por que passa ao longo do tempo, seja pelo seu manuseio, seja pelos cuidados a elas dispensados por quem dela foi proprietário. Esse hic et nunc da obra é a sua autenticidade. Diante da reprodução feita pela mão do homem, em geral uma falsificação, o original mantém sua autoridade. O mesmo não ocorre com a reprodução técnica: a fotografia, por exemplo, pela ampliação da imagem, ressalta aspectos do original que escapam à visão natural, além de poder levar a cópia do original até o espectador. A catedral abandona seu lugar para instalar-se no estúdio de alguém, por exemplo. A orquestra pode ser ouvida em casa. Há, então, uma espécie de desvalorização do hic et nunc da obra de arte. A autenticidade de uma coisa é tudo aquilo que ela contém e é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico. Como este depende da materialidade da obra, quando ela se esquiva do homem através da reprodução, também o testemunho se perde. O que se atinge, o que se atrofia, na reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua (da obra) aura. A reprodução transforma o evento antes produzido apenas uma vez em fenómeno de massa, serial, permitindo ao objeto reproduzido oferecer-se à visão e à audição em quaisquer circunstâncias, conferindo-lhe atualidade permanente. O cinema, expressão máxima da permanência e da massificarão do objeto reproduzido tem um aspecto destrutivo e catártico, representando a liquidação do elemento tradicional dentro da herança ou património cultural. Aura é “a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”. Observar, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um ramo, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse ramo. Graças a essa definição, é fácil identificar os fatores sociais que condicionam a decadência atual da aura: as massas, para Benjamin, exigem que as coisas se tornem-lhes tanto humanas quanto espacialmente mais próximas e, além disso, ao acolher as reproduções, desvalorizam o carácter daquilo que é dado apenas uma vez – há uma aflição de reprodução, que visa a propiciar um domínio maior do objeto, uma necessidade irresistível de possuí-lo, de tão perto quanto possível, na sua cópia, na sua reprodução. As massas querem superar o carácter único de todos os factos através de sua
reprodutibilidade. A cópia impressa de uma imagem artística (de uma escultura, por exemplo), apontando à estandardização, rouba o objeto de sua aura. A singularidade de uma obra, isto é, sua qualidade única e exclusiva, é idêntica à sua integração na tradição cultural de uma sociedade. Tanto os gregos quanto os clérigos medievais apreciavam uma antiga estátua de Vénus pelo que ela encerrava de único, por sua aura, como objeto de culto e como ídolo maléfico, respectivamente. Tal apreciação se dava devido ao facto de que as obras de arte nasciam a serviço de um ritual, primeiro mágico, depois religioso. A perda da aura expressa a perda de qualquer vestígio da função ritualista, seja antiga, seja medieval, da obra – essa função que foi o suporte do valor utilitário da obra. Tal ligação (entre obra e função ritualista) ainda permanece, transformada ou secularizada, por exemplo, no culto dedicado à beleza das obras desrespeitas do Renascimento (em outras palavras, o valor único da obra de arte “autêntica” tem sempre um fundamento teológico, por mais remoto que seja). Com a chegada da máquina fotográfica, os artistas passam a adoptar a “arte pela arte”, que é, no fundo, uma teologia da arte, uma arte pura que se recusa a desempenhar qualquer papel social e a submeter-se a qualquer determinação objetiva. A arte não é, então, nessa perspectiva, um meio, mas um fim em si. Com a reprodutibilidade técnica, há a emancipação da obra de arte de sua existência parasítica, imposta pelo papel ritualista. A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida. As obras passam a ser reproduzidas constantemente, tendo sua aura e também sua autenticidade dissolvidas. No instante em que o critério da autenticidade, segundo Benjamin, deixa de aplicar-se à produção artística, toda função social da arte passa a fundar-se não mais no ritual, mas em uma nova forma de praxis: a política. A obra pode ser considerada como objeto de culto (valor de culto) ou como realidade demonstrável (valor de exibição). A produção artística inicia-se mediante imagens que servem ao culto. O alce pintado nas cavernas pelo homem paleolítico consiste num instrumento de magia, só ocasionalmente exposto aos outros homens. O valor de culto quase que obriga as obras a manterem-se secretas. Quando se emancipam do seu uso ritual, as obras de arte são mais frequentemente exibidas, expostas. A possibilidade de as obras serem expostas, sua disponibilidade, ampliou-se muito com os vários métodos de reprodutibilidade técnica. O predomínio do valor de exibição concede à obra de arte novas funções. Assim como na pré-história a preponderância do valor de culto levou a obra a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico, e só mais tarde como obra de arte, do mesmo modo a preponderância hoje conferida a seu valor de exposição atribui-lhe funções completamente novas, entre as quais a “artística” , a única de que temos consciência e talvez revela-se mais tarde como secundária.
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