A Quarta Parede
Por: Bel Bechara • 21/2/2023 • Ensaio • 3.662 Palavras (15 Páginas) • 72 Visualizações
A Quarta Parede
Alícia, 34 anos, é restauradora. Ela trabalha na restauração de um quadro em que está pintada uma mulher que olha através de uma janela. Alícia trabalha na retirada de uma camada de tinta, buscando recuperar as cores originais do quadro. A mulher da pintura possui traços faciais muito parecidos com os de Alícia. Além disso, ela possui o olhar perdido e distante, assim como Alícia naquele momento.
Alícia trabalha com uma equipe de três pessoas na restauração do quadro. Ela está desatenta e inquieta, manipulando em silêncio diversas ferramentas, sem prestar nenhuma atenção em seus colegas.
Alícia derruba um pote de tinta na mesa. Contrariada, procura um pano para limpar a bagunça, mas um assistente limpa tudo antes que ela consiga sequer achar o pano. Ainda distraída, ela quase usa no quadro uma substância errada. É impedida por Cláudia, 29 anos, uma de suas assistentes, que a alerta sobre o erro. Transtornada, sem se despedir, Alícia pega sua bolsa e vai embora, deixando seus assistentes sem entender nada. Preocupados, eles conversam sobre o fato de nunca terem visto Alícia tão desgovernada e triste. Cláudia sai apressada, na intenção de tentar conversar com Alícia.
Cláudia consegue alcançar Alícia na saída do prédio. Cláudia trabalha com Alícia há muito tempo e tornou-se uma amiga íntima dela. Cláudia tenta conversar sobre Caio, marido de Alícia, que está prestes a separar-se dela e mudar-se para uma cidade distante. Cláudia pergunta para Alícia por que ela não propõe a Caio que fique, já que está na cara que nenhum dos dois quer aquela separação. Cláudia insiste que não dá para deixar o orgulho destruir uma relação daquelas, basta tomar uma atitude, assumir que não querem terminar tudo. Alícia, irritada com a pergunta, alega que Cláudia entendeu tudo errado, que ela está apenas com uma crise alérgica e vai dar uma volta, não tem nada a ver com Caio.
Alícia anda a pé por uma rua movimentada e barulhenta no centro da cidade. Passa em frente a um teatro e olha a programação: está sendo encenada a peça “O Jardim das Cerejeiras”, de Tchecov. Ela senta-se em uma praça em frente ao teatro e observa a movimentação na bilheteria. Dirige-se até lá e, depois de certa hesitação, compra dois ingressos.
Chegando em casa, Alícia percebe as malas de Caio prontas em um canto da sala. Senta na cadeira e desaba em um choro baixinho. Caio aparece e a surpreende chorando. Ele a abraça forte, dizendo não querer deixá-la daquele jeito. Alícia desvencilha-se, pede desculpas e alega que está chorando porque quase estragou um quadro importante no trabalho, mas que ele não precisava se preocupar porque ela já estava mais calma.
Durante o jantar, Alícia e Caio evitam conversar sobre aquele momento de despedida. Começam vários assuntos, mas não dão continuidade a nenhum deles. Alícia mostra os ingressos da peça e quase toma coragem de propor a Caio que fique, porém recua no último momento, dizendo a ele que combinou com Cláudia de ir naquela peça com ela. Caio lamenta não ter achado ingressos para a mesma peça na semana anterior, pois queria muito ter assistido aquela encenação. Alícia e Caio não conseguem manter a conversa e forma-se um longo e triste silêncio. Para quebrar o gelo, Caio tenta contar sobre o novo cargo que ocupará na empresa. Ele mostra-se desanimado com a transferência, dizendo temer não conseguir adaptar-se à nova cidade. Acrescenta que não tem certeza se estão fazendo a escolha certa. Novamente, um longo silêncio. Fica claro que nenhum dos dois quer aquela separação, mas nenhum deles tem coragem de assumir isso para o outro. Caio pega suas malas, despede-se de Alícia com um beijo carinhoso, pega um táxi e vai embora.
Alícia, sozinha em casa, observa a mesa do jantar bagunçada e os dois ingressos que ficaram esquecidos sobre ela. Senta-se na mesa, muito triste.
Alícia observa a sala de jantar com as cadeiras vazias. Percorre a casa buscando vestígios deixados por Caio. Abre o armário de Caio, que está vazio. No escritório, uma parte da estante também está vazia. No banheiro, apenas uma escova de dentes. Alícia escova os dentes e entra no banho.
Mais tarde, Alícia, bem arrumada, liga para Cláudia para convidá-la para a peça. Cláudia mostra-se surpresa e resistente, alegando que está em cima da hora. Alícia insiste e Cláudia, preocupada com ela, aceita o convite e combina de se encontrarem na porta do teatro.
A entrada do teatro está lotada de gente. Alícia está sozinha em um canto, com olhar distante. Toca o primeiro, segundo e terceiro sinal. Todos já entraram e Alícia ainda está perto da porta de entrada, sozinha. Ela desiste de esperar por Cláudia e entra também. A platéia está lotada. Alícia procura o seu lugar e senta-se. A seu lado, uma cadeira vazia.
Começa o primeiro ato da peça “O Jardim das Cerejeiras”. Alícia não consegue prestar atenção direito. Ela está cansada, inquieta e triste.
Acendem-se as luzes para o intervalo entre o primeiro e segundo ato. Alícia levanta-se com intenção de ir embora. O teatro está lotado de gente e há muito empurra-empurra no corredor. Alícia pergunta ao segurança se há outra saída e ele lhe aponta uma porta na direção contrária, ao lado do palco.
Ao passar pela porta, Alícia entra em um corredor totalmente escuro e esbarra em uma arara com várias roupas penduradas, deixando cair algumas. Alguém fecha a porta com força. Alícia fica perdida no escuro total. Ouve-se apenas os barulhos de seu corpo esbarrando em objetos, enquanto tenta achar a saída.
Uma mão alcança o ombro de Alícia, que leva o um susto. Uma voz masculina pede que Alícia o acompanhe, porque não há muito tempo. Alícia é conduzida por um corredor pouco iluminado para outra porta, enquanto explica que está em busca da saída.
Quando a porta se abre, Alícia depara-se com uma sala cheia de espelhos e luzes. Neste camarim, várias pessoas a esperam. Um maquiador aproxima-se, querendo averiguar como está o rosto de Alícia. Ele a coloca sentada em uma cadeira, alegando que a maquiagem está muito sutil, quase imperceptível. O maquiador explica que, apesar da personagem dela ser uma donzela recatada, que o lápis no olho e o batom na boca devem ser reforçados para valorizar sua expressão, pois até o espectador que estiver na última fileira tem que enxergar bem os detalhes de seu rosto. Alícia levanta-se surpresa e assustada, alegando que está havendo algum engano, que ela está sendo confundida com outra pessoa.
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