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O BRINQUEDO TORTO

Por:   •  10/12/2017  •  Resenha  •  2.592 Palavras (11 Páginas)  •  314 Visualizações

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TORTO

GRUPO BRINQUEDO TORTO

N10

Kananda: Eu tenho um pato. Mas o pato não sabe que ele é meu. Eu o encontrei quando ele ainda estava dentro do ovo. Eu vi aquele ovo de pato sozinho, e me deu uma tristeza. Porque aquele pato agora era como eu. A mãe dele devia ter morrido. Como a minha mãe também morreu. Eu não queria que aquele patinho sofresse como eu sofria, entende?

Laranja: Então eu arranjei uma mãe para ele. Tinha uma pata perto de casa, que tinha uns ovinhos já e que estava esperando chocar, eu coloquei ele junto com os outros ovos, e fiquei torcendo que ele gostasse dos seus novos irmãos. E que gostasse da sua nova mãe. E que ela gostasse dele. Eu queria que ele tivesse mais sorte do que eu; porque eu não gostava da minha nova mãe.

Gabi: E foi assim, de repente: um dia o ovo chocou, saiu o patinho para sua nova vida, e encontrou aquela que chamaria de mãe agora. Todo mundo da família parecia igual, menos ele. Ele ficava assim, meio fora da ordem, a cor era diferente, ele andava diferente, todo tortinho. Eu amava aquele patinho, na sua fragilidade, na sua condição de órfão.

E foi assim, de repente: um dia eu saí da cama, e estava em uma nova vida; encontrei uma mulher que eu deveria chamar de mãe agora. Todo mundo na minha casa se parecia, menos ela. Todo mundo não parecia notar, menos eu. Eu estava fora da ordem. Ela andava diferente, e eu andava do meu jeito torto. Eu em minha fragilidade, em minha órfã condição, só queria que alguém sentisse amor por mim.

DERRUBA ÁGUA NO CHÃO

Laranja e Rafa: Você já se olhou no espelho? É a primeira coisa que os patos fazem. Não é bem um espelho, mas é a água. E a água reflete a gente, né? E a gente olha na água e não parece a gente muito bem, é tudo meio tortinho, fora de ordem, e a gente fica achando que não somos assim, meio tortinhos e fora de ordem, mas a verdade é que somos. A água fala isso. Não “falar”, de falar de verdade, mas é isso que mostra quando a gente olha. Quem será que está certo? A gente, que só olha para fora; ou a água que só mostra o que ela está olhando?

Era isso que eu pensava. Antes de descobrir que esse pensamento está errado.

Geovana: Foi meu pato que me ensinou que esse pensamento estava meio tortinho, e meio fora de ordem. Não é que ele me ensinou, assim, de verdade; eu aprendi foi olhando para ele. E foi olhando para aquele pato que percebi que tudo o que a gente olha, também olha para a gente.

Carol e Julia: Tudo o que a gente olha, mostra pra gente o que a gente é. Tudo é reflexo. Tudo é espelho. Tudo é meio água. Mas não é só tudo que a gente olha, é o que olha, ouve, sente. Tudo aquilo que a gente pode perceber é tudo a gente mesmo. Só a gente não é lá muito bom em perceber as coisas, né? Qualquer bicho pode fazer algo muito melhor do que a gente, até o pobre do pato, coitadinho. Porque olha só, o pato ele é assim, desengonçadinho, mas ele anda, nada e voa! Está certo que é tudo meio tortinho, meio fora de ordem; mas ó: quantas pessoas não conseguem andar? E quantas pessoas no mundo sabem nadar? E voar? Quem é que pode? Sozinho? Por si só? Mesmo não sendo muito charmoso fazendo isso, o patinho faz. E faz as três coisas. Nenhuma delas bem, mas isso não o impede.

Mas o pato é que nem nós, e nós somos que nem o pato. Ninguém é muito bom em perceber as coisas.

Kananda, Thalita, Carol e Laranja: O pato não percebe que quando ele vê um cisne e pensa “nossa, que bonito”, é porque ele tem beleza dentro dele mesmo. Porque a gente só reconhece aquilo que tem dentro da gente mesmo. Porque é tudo espelho, é tudo água, é tudo reflexo de nós mesmo.

Kananda e Thalita: Mas eu não tinha beleza dentro de mim, só rancor, mágoa e aquilo que só pode ser dito em português: Saudade!

Thalita: Como é que uma vida tão pequena como a minha, podia caber tanta coisa. Tomando chá eu entendi. (PEGA UMA XÍCARA, COLOCA ÁGUA DENTRO) olha quão tão pouco é. Quase nada. E o que cabe dentro, tão pouco... mas se derrama (ESPALHA DE FORMA BASTANTE ESPERSIVA) olha o estrago. É isso o que acontecia dentro do meu pequeno corpo e dentro da minha pequena alma: Um estrago. Foi isso que fiz com o vestido da minha nova mãe: Um estrago.

Rafa: Mas como todo esse conteúdo ficava escondido numa bela porcelana, maquiada e disfarçada pela minha cara de criança, pelos olhos inocentes que ninguém via, porque ninguém perdia tempo em olhar nos meus olhos, ninguém percebia o que acontecia comigo.

Laranja e Geovana: Quando aquela mulher deixou de se dirigir a mim, e a se manter afastada do outro lado da casa, também ninguém percebeu. Quando ela começou a ir ao mar todo dia, para tomar banho no frio ou no calor, e transparecer uma ansiedade, isso também ninguém via. Nossa casa ficava num lugar alto, ela precisava andar bastante para chegar na praia, mas isso não a incomodava, mas atravessar a casa, para comer com a gente parecia uma travessia terrível. Chegava tão enfastiada na mesa, que passou a comer na sua varanda, e de lá só saía para ir para o quarto. Eu quis comentar isso com as outras pessoas, com minha irmã mais velha, mas eu tive qualquer sentimento que pode ser traduzido como medo.

Kananda: Medo. Quando meu patinho tentava andar com seus irmãos, ele era bicado, enxotado, como algo que não deveria estar ali. Quando tentava nadar, era tratado pelos outros patos com violência e desprezo. Rafa: Foi com raiva dos outros patos que estraguei o vestido da nova mulher do meu pai. Foi por medo de que me machucassem que entrei dentro de mim, e não deixei escapar nem minhas impressões, nem minhas opiniões, nem meus sentimentos. Sorria, e respondia a todos.

Iuri: Às vezes os adultos dizem coisas, fazem brincadeiras, não respondem seriamente, não consideram profundos e verdadeiros os sentimentos das crianças. E não sabem o quanto machucam, ou quebram. (QUEBRA A XÍCARA)

Carol: Foi quando eu comecei a chorar. Quando uma palavra mal dada sobre como eu deveria ser, já que não era mais criança, ou algo assim. Primeiro foram pedidos de desculpas, depois um mau humor generalizado, e depois um tapa. Um tapa que calou meu choro, e me fez descobrir que meu lugar dentro daquela casa, dentro do coração de meu pai, estava sendo empurrado de fora para dentro, e eu não tinha idade para perceber que eu deveria fazer alguma coisa para perceberem que eu ainda existia.

Iuri: Eu não sei se meu pato gostava de flores. Mas ele sempre se escondia em um lugar que tinha muitas. Eu encontrei com ele lá várias vezes, porque várias vezes eu levava

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