Resenha - Itinerário Crítico
Por: Victor Gui • 26/11/2017 • Resenha • 1.886 Palavras (8 Páginas) • 234 Visualizações
De imediato, o texto de Otilia Beatriz Fiori já nos apresenta a dimensão da importância da trajetória de Mário Pedrosa para o amadurecimento da crítica de arte no Brasil: seu percurso como militante político das fileiras comunistas, sua contribuição para o enriquecimento do pensamento da arte nas diversas publicações em que participa e sua incrível habilidade em apresentar discursos inovadores na perspectiva artistica contemporânea a ele. Mesmo contribuindo para jornais e periódicos brasileiros e internacionais, Pedrosa se mantém como o militante político que sempre foi, somando esforços a elevação da arte latino-americana além de se envolver diretamente com a dirigência de museus, especialmente o MAM. Foi de grande relevância também os longos períodos em que passou na Europa e em outros países, tendo a oportunidade de conviver com artistas de renome, cujo contato gerou escritos e estudos. Passando pelas reflexões em direção ás problématicas da abstração, a construção de Brasília e Modernismo que se manifestava nas artes plásticas e na Arquitetura, Mario Pedrosa provou ser de estimado valor para a produção intelectual da crítica quando realizou uma conferência para a exposição de Kaethe Kollwitz em São Paulo, no ano de 1933. A sua estréia como crítico de arte é marcada por um profundo pendor à análise social e marxista da arte, provando ser exímio conhecedor da teoria marxista e hábil em tecer comentários críticos na tentativa de associar o campo social ao artístico. Não se restringindo a essa abordagem, posteriormente o crítico brasileiro se volta para aspectos da estética, principalmente quando se envolve em uma querela particularmente atribulada na sua defesa pela abstração nas artes plásticas. Pedrosa continua sendo ímpar na nossa epistemologia da arte, mesmo que ele tenha oscilado entre diferentes posições acerca da autonomia dela, se manteve coerente na sua linha política ao colocar questões do campo da arte face às problemáticas do capitalismo e ao buscar, incessantemente, uma emancipação da arte e do artista.
O alinhamento a uma perspectiva de defesa ao abstracionismo e demais incentivos de rompimento foi um marco para sua trajetória e rendeu ao crítico alguns desagrados da crítica local e inclusive afastamento do Tribuna da Imprensa,, onde atuava até então. Mesmo após um arrefecimento da recusa do gosto do público ás tendências internacionais que eram acolhidas de maneira controversa por Mario Pedrosa, sua defesa ao abstracionismo ainda permaneceu como palco de embates críticos, mas também um convite ao exercício do debate constante acerca do papel da arte nacional e seu lugar no mundo. Pensar as dualidades e pontos de tensão na questão da arte abstrata foi uma nítida contribuição do crítico, ao expor as vias pelas quais ela poderia ser compreendida: “de um lado, a mais intransigente autonomia, apartando a dimensão estética do ‘chão onde fazemos nossas andanças’, do outro, o propósito de vanguarda de extravasar no mundo vivido aquele conteúdo que precisou de liberdade para decantar-se segundo leis próprias.”(ARANTES, 1991, p. XIV).
Diante de todas os atributos que são colocados pela autora do texto, fica difícil apontar as abordagens de Mario Pedrosa como escolhas pessoais ou intempestivas, tomando nota dos desconfortos que suas decisões como crítico geraram. Ele foi, sobretudo, um intelectual capaz de se colocar diante das mudanças que ocorriam em simultaneidade a sua atuação como crítico e frisava a importância de reunir conhecimentos de diferentes áreas para entender o mundo em mudança e em uma expansão de sua dinâmica que refletiam também na maneira como o olhar atravessava a arte e como nossos mediadores tais como a “apreensão imediata” e a sensibilidade estético eram afetados. E isso são também consequencias de um processo de desintegração do caráter coletivo a arte, em oposição a uma complexidade que ia se tecendo em torno da sociedade e do público, pondo obstáculos ao pensamento e entendimento do artista e seu objeto, tão inseridos na lógica da figuração e distantes de uma arte que, a princípio, era vazio de qualquer janela de interpretação, pois o abstracionismo ainda era pouco compreendido e sequer aceito. É nessa necessidade de reinventar as abordagens e os recursos do discurso que reside a importância de Mario Pedrosa, decisiva para, segundo a autora, que a critica alcançasse um nível de totalidade em seu ponto de vista. Sempre atento a um projeto moderno e sendo o cidadão do mundo que era, sua contribuição é inestimável nas urgências das artes plásticas, arquitetura, da teoria e da crítica da segunda metade do século.
Após essa detalhada introdução ao crítico e seus objetos de estudo, a autora do texto nos leva a acompanhar os detalhes do que o consagra no meio da Crítica de Arte: a sua conferência à ocasião da exposição de Khaete Kollwitz em 1933 e sua proposta de “arte sintética” - bem como os desafios que ela suscita. O projeto da arte total no qual Mario Pedrosa acreditava era consequência, também, de uma preocupação dele em refletir as relações estéticas com a produção de massa, dinâmica de aceleração da experiência artítisca e os modelos de mercado que iam dando forma ás configurações contemporâneas da produção artítistica. Dito isso, e reconhecendo que o homem deveria estar atento e disposto às mudanças que aconteciam no mundo moderno, Mario Pedrosa não abandona sua convicção numa arte independente, aglutinadora e emancipadora, mesmo que para isso fosse preciso estar aberto a entender as possibilidades da arte burguesa. A partir desse horizonte, ele passa então, principalmente em meados da década de 60, a insistir no condição do artista enquanto sujeito da contemporaneidade e suas relações com a complexização do mundo. Essa condição ficou marcada por uma ambiguidade entre o artista, a arte e o sistema produtivo, cujas lógicas capitalistas promoviam dualidades a respeito do individualismo na arte. Pedrosa não resolve essas questões mas trás questionamentos que são janelas, ora pessimistas mas sempre dúvidas acerca de seu tempo. Suas principais inquietações se voltavam a permanência da arte em confronto com produções de massa e as interrogações rodeiam sua crítica, que notadamente oscila em diferentes direções abordagens no que diz respeito a independência da arte, mas sempre atenta ás mudanças históricas.
Voltando aos anos 30, as gravuras de Kaethe Koolwitz se inserem num contexto específico em solo nacional. Não somente sua obra vai de encontro com as predileções de discurso de Mario Pedrosa, nessa época muito atento aos aspectos sociais de suas leituras críticas, mas também é acompanhada de um forte clima de opinião e busca por identidade nacional. É nesse panorama que Mário faz data com conferência, produzindo o que pode ser conhecido como o primeiro estudo de interpretação marxista da arte de que se tem conhecimento. Muito embora alguns estudiosos atribuam o inicio do marxismo anteriormente à Mário Pedrosa, é importante ressaltar que sua contribuição se deve em contexto diferente, num marxismo que já não era o mesmo. Mesmo ciente do discruso de esquerda da superioridade da “arte proletária” e imbuida de didática política e social, Pedrosa ainda se firma dentro de sua perspectiva de expansão das liberdades artística e não se limita a reconhecer somente atributos sociais na arte em que se dispõe a analisar. A sua capacidade de agregar óticas diferentes, mesmo em períodos em que sua veia social ou estética sejam mais evidentes, é sem dúvidas evidente. O que atrai Pedrosa, para além da trajetória pessoal de Kollwitz, é a capacidade de suas formas se encaixarem numa categoria que ele chamou de “artes sociais”, na confusão das contradições burguesas marcadas pelo avanço técnico e da distância que se criava entre o homem e sua força produtiva.
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