Teatro do positivismo, direito natural, tiranos e democracias
Artigo: Teatro do positivismo, direito natural, tiranos e democracias. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: anaooliveira • 14/3/2014 • Artigo • 2.185 Palavras (9 Páginas) • 383 Visualizações
yyANTÍGONE E O DIREITO: O teatro do positivismo, jusnaturalismo, tirania e democracia
Enviado por Jurisciência, em 28/02/2012, às 05:17:15
Palavras-chave: Antígone, Democracia, Direito e Arte, Jusnaturalismo, Positivismo, Sófocles, Tirania, Tragédia
Antígone é uma personagem da mitologia grega cuja história foi narrada em diversos cantos, livros e outros trabalhos, mas popularizada principalmente na terceira peça homônima da trilogia tebana de Sófocles, sua primeira versão escrita e que servirá aqui como material para algumas reflexões sobre a tensão entre lei e justiça. O teatro de Sófocles é contemporâneo ao governo de Péricles, apogeu da cultura helênica, e sua peça, tendo como pano de fundo a tragédia de Antígone, coloca em xeque o dever de obediência à lei do Estado quando a mesma entra em conflito com leis morais.
Com a morte de Édipo e Jocasta, pais de Antígone, Etéocles, seu irmão mais velho, assume o reino de Tebas. Polinice, outro irmão de Antígone, é exilado em Argos por suas controvérsias com Etéocles e casa-se com a herdeira do trono dos argivos, unindo-se com estes para derrotar o seu irmão e destruir sua terra natal. Durante a batalha entre tebanos e argivos, os dois irmãos de Antígone encerram um duelo que leva ambos à morte.
Mortos os dois filhos homens de Édipo e Jocasta, Antígone e sua irmã Ismênia, por serem mulheres, não assumem o governo. Quem sucede o trono deixado por Etéocles é Creonte, irmão de Jocasta, e ele sela destinos distintos aos cadáveres dos dois herdeiros de Édipo por um decreto. A lei promulgada pelo governante concede todas as honras de sepultura à Etéocles que, “lutando em prol da cidade, morreu com inigualável bravura”, e proíbe sob pena de morte que se enterre ou que se lamente a perda de Polinice, “que só retornou do exílio com o propósito de destruir totalmente, pelo fogo, Tebas, o país natal”. O rei Creonte dizia que assim cumpriria o seu dever de governante, demonstrando como merecem ser tratados os inimigos e os amigos da cidade, independente de quem sejam. Todavia, talvez essa barbárie se justifique mais pelo receio que Creonte tinha acerca da reprovação popular de seu governo, manifesto em várias passagens da peça. A lei, assim, era uma tentativa de afirmar sua condição de bom governante e, ao mesmo tempo, deixar um exemplo a todos aqueles insatisfeitos que porventura atentassem contra o Estado.
De toda sorte, o corpo insepulto de Polinice, abandonado às aves e cães, era mais que um “objeto de horror”. À época, o divino ainda não estava plenamente desvinculado das manifestações profanas. O sucesso de Tebas frente aos ataques argivos, por exemplo, fora creditado principalmente à proteção de Júpiter, deus guardião da cidade. A ausência dos ritos fúnebres, além da função pedagógica pretendida por Creonte, correspondia principalmente uma infelicidade que perseguiria o condenado após a sua morte, uma pena pior que a mesma morte.
Entra então Antígone em cena, logo no primeiro trecho da peça, chamando sua irmã Ismênia para que com ela transporte o cadáver de Polinice e lhe faça os devidos ritos fúnebres. As irmãs conhecem o decreto e a pena de sua desobediência. Ismênia compartilha a mesma contrariedade para com o édito real, mas não aquiesce da transgressão pretendida e tenta persuadir sua irmã a não levar à cabo seu plano dizendo que “é forçoso obedecer a suas ordens [ordens de Creonte], por muito dolorosas que nos sejam”, para evitar a própria morte, lembrando-lhe, por fim, que mulheres não podem lutar contra homens. Esses argumentos não eram mero pretexto. De fato, o governo tebano era conduzido por uma sucessão de tiranos que, bem ou mal, colocavam a própria autoridade acima de qualquer justiça. A justiça, aliás, era a vontade do tirano que revestia-se com poderes ilimitados, uma instância juridico-política suprema. Do outro lado, as mulheres não participavam da vida política, não ocupavam o mesmo lugar de onde falavam os homens e não deliberavam com eles. Nem mesmo Antígone e Ismênia, filhas de Édipo, mereceriam algum privilégio. Descendentes do Rei, a natureza feminina era o único impedimento para que Antígone e Ismênia herdassem o trono. A mulher na Grécia antiga, resumiu Creonte, é algo tão substituível como um campo a ser cultivado pelo homem.
Mesmo antevendo seu destino funesto, que aliás parecia desejar mais que a própria vida desgraçada, nada abalava o desejo de Antígone em oferecer um ritual fúnebre ao irmão por quem era mais querida e amada. E assim sozinha o fez, depositando uma camada de terra sobre o defunto e realizando os ritos necessários sem ser percebida. Os guardas que vigiavam o insepulto só se deram conta depois da inumação, mas foram relatar tal fato ao Rei.
Creonte suspeitou que a cerimônia fora feita por súditos desobedientes e ordenou que o guarda capturasse o responsável pelo sepultamento. Voltando ao corpo já em decomposição de Polinice, os guardas retiraram a terra depositada sobre ele e montaram novamente vigia. Mais atentos, capturaram sem qualquer oposição Antígone, que, pela segunda vez, dirigiu-se ao cadáver do irmão e se prestava a realizar o funeral.
Chegando ao palácio, Creonte pergunta à Antígone se ela conhecia o decreto que proibia a inumação de Polinice. Nota-se claramente que, na figura do tirano, legislador e julgador se confundem. Antígone deu resposta afirmativa, pois a lei era coisa pública e que não se pode ignorá-la. Ela confessa o crime, argumentando que desobedeceu aquela determinação porque não fora Júpiter nem a deusa Justiça que estabeleceram aquela lei. Diz que o decreto de Creonte não tem força para derrogar as leis divinas, eternas e não escritas.
Aqui Antígone afirma a distinção entre dois conjuntos normativos: a) um direito posto, inferior, correspondendo aos éditos reais e dentre estes estava a norma que proibia a inumação de Polinice, e b) um direito pressuposto, superior, de ordem divina, correspondendo aos costumes já arraigados na cultura tebana e dentre os quais encontrava-se o direito de sepultar os mortos. Em outras palavras, diz Antígone que o decreto de Creonte que dava tratamento diferenciado entre aos cadáveres dos homens de bem e dos criminosos não constituía “preceito consagrado na mansão dos mortos”, pois Hades, deus do subterrâneo, “exige que a ambos se apliquem os mesmos ritos”.
Os argumentos de Antígone trazem à luz uma segunda questão: o direito de conferir as honras de sepultura à Polinice não era debatido apenas no plano entre lei e justiça, mas também e principalmente no plano
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