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A Ética e Esporte

Por:   •  5/8/2019  •  Ensaio  •  3.307 Palavras (14 Páginas)  •  138 Visualizações

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INTRODUÇÃO.

O melhoramento físico e intelectual do ser humano não se apresenta como problema à primeira vista: melhoramos nosso intelecto lendo livros, resolvendo problemas matemáticos, conversando, etc; e melhoramos nosso físico com uma boa alimentação e realizando exercícios físicos. No caso físico, usamos livremente da tecnologia para corrigir defeitos que de alguma forma dificultam nossa vida. Dificilmente um deficiente reclamaria da tecnologia criada para criar uma cadeira de rodas; só aqueles que sofrem de algum problema visual sabem como um bom óculos pode facilitar nossa vida; e um bom aparelho dental pode evitar uma série de problemas estéticos e fisiológicos. Todos estes aspectos estão presentes no nosso cotidiano e não vemos problemas com eles. Se usamos da tecnologia ou da técnica para melhorar nosso intelecto e nosso físico ou, se não para melhorar, apenas para corrigir defeitos, qual é o problema ético que o uso do doping nos esportes nos apresenta? Portanto, não é a técnica em si que nos incomoda, mas qual tipo de técnica específica. É por isso que nos deteremos no doping: ele é a forma mais paradigmática que a técnica adquire nos esportes.

Mais do que isso, o doping nos revela uma parte da técnica já notada por Jacques Ellul (Ellul, 1964, p. 83): o “auto aumento”, ou evolução própria da técnica, que é expressa de duas maneiras: na primeira, a técnica, devido ao ponto de sua evolução que alcançou, parece estar evoluindo sem a intervenção do homem. Assim, ela parece ter vida própria, mesmo que várias pessoas contribuam com seu desenvolvimento. Segundo, (idem, p. 87) há um crescimento automático de tudo aquilo que se relaciona com a técnica. Cientistas e técnicos crescem conforme a técnica cresce, e isso num movimento sempre crescente. Ou seja, a técnica se auto engendra, se auto produz. Assim, este efeito de “auto aumento”, com esses dois aspectos, acaba por produzir outra característica da técnica: sua autonomia (idem, p. 133), ou seja, ela acaba sendo vista como algo justificável por si só e independente do contexto em que ela é aplicada, seja esse contexto político, cultural e social, econômico, etc. A técnica é sua própria justificação. Como diz Ellul: “A técnica se tornou uma realidade em si mesma, autossuficiente, com suas leis especiais e determinações próprias” (idem, p. 134). Esses aspectos apontados por Ellul se aplicam no esporte da seguinte maneira: o uso de substâncias para melhor preparo do atleta acaba sendo algo autossuficiente, justificável por si próprio, independente da saúde e necessidades do atleta. Cria-se a necessidade de avanços e conquistas esportivas ininterruptas. O corpo humano tem um limite, mas a técnica permite a quebra desses limites, o que devemos nos perguntar é se essa própria quebra vai chegar a algum final em determinado momento.

No fundo, nesse trabalho queremos tocar em dois pontos: 01, o que é o doping; e 02, quais são seus problemas éticos. O primeiro ponto é o menos controverso, pois basta uma definição convencional para que apontemos o que é o doping, já o segundo ponto é o que nos oferece os problemas mais interessantes. Nesse trabalho abordaremos alguns dos problemas éticos do doping e traremos a complexidade do debate. Não temos pretensão a respostas, até porque muitas delas simplesmente ainda não existem.

        DESENVOLVIMENTO.

        Comecemos pelo primeiro ponto: o que é o doping? De acordo com o Albert Einstein Hospital Israelita (Albert Einstein Hospital Israelita, 2018), o doping “é caracterizado pelo uso de substâncias que podem alterar a resposta do corpo frente a um estímulo. Na maior parte dos casos, o doping é realizado por pessoas que pretendem potencializar seu rendimento, força, agilidade, ou até mesmo perda de peso”. De acordo com o Hospital, a maior parte das pessoas que se utilizam do doping são atletas de alto rendimento e praticantes de academia. Focaremos no primeiro tipo de pessoa nesse trabalho, pois é a natureza competitiva do esporte que nos interessa. É razoável acreditar que o praticante de academia está mais preocupado com sua estética do que com sua natureza competitiva, por isso não abordaremos este tipo de usuário.

        Ainda de acordo com o site, diz-se que o doping conforme a definição não é uma criação recente; pelo contrário, acredita-se que desde os anos 2700 a.C utiliza-se do doping. Na China, durante a dinastia Chen, “(...) os imperadores utilizavam plantas com alta dose de efedrina para dar ânimo e coragem a seus lutadores”. De acordo com André Cabette Fabio (Fabio, 2016), na primeira Olimpíada da era moderna, que ocorreu em 1896, em Atenas, o uso de medicamentos prescritos para o resto da população estava plenamente liberado. Anfetaminas e cocaínas, por exemplo, podiam ser amplamente utilizadas conforme a necessidade do atleta. Só em 1960 a percepção neutra acerca do uso de drogas no esporte mudou: neste ano, na abertura da Olimpíada de Roma, o ciclista dinamarquês Knud Enemark Jensen passou mal, caindo de sua bicicleta e fraturando o crânio, consequentemente morrendo aos 23 anos. Sua morte foi vista como relacionada ao uso de anfetaminas (apesar de não haver confirmações), e a partir daí começou-se a erigir uma série de proibições ao uso de drogas por parte do Comitê Olímpico Internacional.

        As preocupações restritivas com o doping são, portanto, recentes. Se foi em 1960 que o Comitê Olímpico Internacional começou a se atentar à questão, só nos anos 90 foi criada uma Agência Mundial Antidoping (Wada), “(...) entidade independente criada em 1999 para coordenar os esforços contra dopagem e redigir o código de substância proibidas” (Folha de São Paulo, 2016). Portanto, só no século XX começou-se a ver com cautela e com ares proibicionistas o uso de drogas no esporte. Mas a demora na mudança de percepção não é acidental. Ela está ligada ao fato de ocorrer mudanças e avanços cada vez mais profundos na tecnologia do preparo de drogas e na própria natureza do esporte, deixando de ser uma mera confraternização entre atletas com o objetivo de celebrar as aptidões humanas para se tornar algo extremamente competitivo e economicamente rentável, tornando-se uma profissão para grande parte dos atletas, não um mero hobby.

        Antes de partirmos para questões mais filosóficas, vale a pena termos noção de mais alguns fatos históricos. O sentimento de que o doping era desleal foi ampliado durante a Guerra Fria devido ao fato de “(...) Estados Unidos e União Soviética usarem os Jogos Olímpicos como palco de uma disputa simbólica entre mundo capitalista e comunista” (Fabio, 2016) e, mais tarde, na década de 70, durante a “guerra às drogas”, o uso do doping aliou-se à percepção extremamente negativa sobre o uso das drogas em geral, não se limitando ao esporte. Foi nessa década que esteroides anabolizantes foram proibidos após detectarem o uso dessa substância em mulheres atletas da Alemanha Oriental que receberam a substância como parte de um esquema de doping estatal (Folha de São Paulo, 2016). Nesses contextos, quais foram os argumentos utilizados contra o doping?

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