Ensaio crítico - concepções de poder
Por: Menendez • 31/5/2016 • Ensaio • 4.757 Palavras (20 Páginas) • 393 Visualizações
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Curso de 1º Ciclo- Licenciatura em Sociologia
2015/2016
Ensaio Crítico – Concepções de Poder
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular de Correntes Actuais da Sociologia I, leccionada pelo Prof. Doutor João Teixeira Lopes
Pedro Marques
Porto, 25 de janeiro de 2016
Introdução
Este ensaio crítico debruçar-se-á sobre a concepção do poder, segundo os autores que foram abordados ao longo do semestre na unidade curricular de Correntes Actuais da Sociologia I. No decorrer deste trabalho, procuraremos evidenciar os pontos de contacto e as divergências entre os vários autores. Para isso, analisaremos quatro perspectivas distintas. A primeira será a do interaccionismo simbólico, com especial enfoque na teoria do desvio formulada por Howard S. Bekcer na sua obra “Outsiders”, uma vez que este autor teoriza sobre os indivíduos que são marginalizados pela sociedade, e esta é uma temática que se relacionda directamente com o poder. Outra perspectiva a analisar será a da Escola Crítica de Frankfurt e dos seus principais autores, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse. As restantes perspectivas provêm da Sociologia Alemã contemporânea, sendo que as duas perspectivas a serem estudadas serão as de Jürgen Habermas e Niklas Luhmann.
Mecanismos de poder
Neste capítulo iremos evidenciar quais as explicações que os autores em análise fornecem para a existência de poder, ou seja, a forma como um grupo de homens consegue que a sua vontade seja realizada, mesmo quando existe oposição por parte de outros grupos. Tendencialmente, estes autores terão concepções de poder distintas, o que se deve ao facto de estes terem diferentes visões sobre a sociedade e o próprio papel da ciência. Antes de analisarmos as diversas teorias sobre a criação e manutenção do poder nas sociedades é conveniente possuírmos, em primeiro lugar, uma noção estabelecida do conceito de poder. Segundo Max Weber, o poder constitui “a oportunidade de um homem, ou de um conjunto de homens, concretizar a sua prórpia vontade numa acção dirigida, mesmo contra a resistência de outros participantes na açção”(Cit. por Giddens, 2013, p. 1128). Para os interaccionistas simbólicos o poder é criado nas relações que os indivíduos estabelecem entre si, possuindo por isso, um carácter relacional. “Uma preocupação chave da sociologia interaccionista tem que ver com a forma como o ser humano leva a cabo a construção de significados...”(Plummer, 2002, p. 226). Esta perspectiva resulta dos pressupostos nos quais esta corrente é baseada. Segundo Mead, um dos principais autores do interaccionismo simbólico, este traduz-se numa “abordagem terra-a-terra do estudo científico da vida dos agrupamentos humanos e das condutas respectivas. O seu universo empírico é o mundo natural da vida e da conduta dos grupos.” (Cit. por Plummer, 2002, p. 230). É com base nestes pressupostos que Howard S. Becker publica em 1963 a obra “Outsiders” em que o autor estuda grupos marginalizados de consumidores de marijuana e músicos de jazz, partindo da posição do desviante. Becker estabelece que o processo de rotulagem de um indivíduo se dá “quando uma regra é quebrada [e como consequência], a pessoa que supostamente a transgrediu poderá ser vista como um tipo especial de pessoa, uma que não pode ser confiada para viver sobre as regras de determinado grupo” (Becker, 1973, p. 1). Becker assume também que não existe apenas um tipo de desvio, estando este dependente do conhecimento e opinião que os outros desenvolvem sobre os comportamentos individuais, assim como da própria visão que os indivíduos têm da sua própria conduta. O facto central sobre o desvio é que este é criado na sociedade, produto da interacção e da partilha de símbolos. Com base na sua teoria, podemos constatar que o mecanismo pelo qual o poder é exercido é a rotulagem, enquanto processo, uma vez que esta confere uma vantagem inequívoca a um grupo dominante sobre os outros. Segundo Becker, numa sociedade existe uma tendência para que grupos particulares procurem levar a cabo uma universalização das normas e valores que defendem. Isto pode levar a que outros indivíduos sejam forçados a submeterem-se a estes valores. Caso não o façam, correm o risco de, aos olhos da sociedade dominante e até aos seus, dese tornarem desviantes, sendo por isso marginalizados, o que reforça, por sua vez, ainda mais, as normas e regras impostas pelo grupo dominante. A concepção de poder dos interaccionistas simbólicos tem como virtualidade principal o seu dinamismo, não existindo uma visão determinística. Por um lado, Blumer afirma que as formas de dominação da acção colectiva são varáveis, conforme os novos comportamentos colectivos (Blumer, 1969). Por outro lado, Becker considera que as regras impostas aos indvíduos vão mudando ao longo do tempo, em conformidade com as mudanças de posicionamento levadas a cabo pelos grupos dominantes. Ademais, este autor considera que várias regras, defendidas por diferentes grupos, podem existir de forma simultânea numa dada sociedade. (Becker, 1973). Apesar das virtualidades desta perspectiva, ela é alvo de algumas críticas. A primeira é a de que esta escola de pensamento sociológico tem um carácter demasiado determinístico, ao confererirem ao indivíduo uma autonomia, que não tem em consideração outros constrangimentos sociais. Becker, ao assumir um modelo sequencial do desvio, parte do pressuposto que são as opções do indivíduo que o levam a cumprir as diversas etapas, quando isso pode não ser inteiramente verdade. Outra das críticas apontadas é o facto do interaccionismo simbólico ignorar aspectos macro-sociais na sua análise, ao não considerar, por exemplo, a classe social dos indivíduos. Isto constitui uma lacuna pois, normalmente, “conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes, e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomas de posição semelhantes” (Bourdieu, 1989, p. 136). Já a Escola de Frankfurt é caracterizada pelo facto de ser uma corrente crítica, cujas raízes remontam ao legado marxista de oposição ao determinismo económico vivido nas sociedadas capitalistas. A crítica que desenvolve tem como alvo principal os “regimes predominantes, apesar de nunca ter contestado a legitimidade da sua soberania” (Turner, 2002, p. 51), embora também desenvolva critícas no que toca às concepções positivistas da ciência e à cultura moderna. Para Adorno e Horkheimer, co-fundadores desta escola de pensamento, o principal mecanismo de reprodução e manutenção do poder é a indústria cultural. Com o desenvolvimento tecnológico ocorrido nos últimos séculos, muitos autores consideravam que a humanidade caminhava para um maior esclarecimento, uma vez que o acesso generalizado à arte e à cultura teria como consequência a promoção do espírito crítico o que, por sua vez, conduziria, a um aumento da autonomia dos indivíduos. Contudo, os autores assumem uma perspectiva muito mais pessimista. Estes afirmam que na sociedade capitalista a arte é encarada como uma mercadoria, e devido às lógicas de mercado vigentes, está sujeita, tal como qualquer outro produto, às leis económicas. Por isso a arte incorpora formas de organização tipicamente industriais, caracterizadas pela racionalização e padronização. A arte perde a sua essência autónoma, tendo agora como finalidade principal o lucro, sendo que a qualidade artística é colocada em segundo plano. Adorno e Horkheimer defendem ainda que a indústria cultural não é uma cultura de massas, uma vez que os conteúdos são impostos ao público, sem que estes tenham uma palavra activa. Esta produção de bens culturais em série aliena os indivíduos, manipulando-os e desviando a sua atenção para o consumo, o que contribui em última instância, para a manutenção da sociedade nos termos actuais. Herbert Marcuse, autor da mesma escola, apresenta uma teoria em que estabelece duas tipologias de sociedade distintas. Para o autor, a distinção entre os dois tipos de sociedade reside no Ego, conceito de inspiração freudiana. O Ego corresponde ao “mediador entre o id e o mundo externo” (Marcuse, 1981, p. 47), ou seja à ligação que o Homem estabelece entre a sua consciência e o mundo exterior. Segundo o autor, é esta componente da estrutura mental responsável pelo sistema de valores vigente. Quanto mais fraco for o Ego, menor é o controlo sobre os instintos humanos (o id), o que leva àquilo que o autor denomina de “princípio do prazer”, que se caracteriza pela satisfação imediata e pela ausência de restrições. No entanto, esta situação não se verifica na sociedade, já que o autor considera que história da humanidade é a história da repressão. O superego, através de influências externas, incute repressões no Ego, o que o reforça e impede a existência de uma ligação directa entre a consciência humana e o mundo exterior, o que leva a que o princípio do prazer seja substituído pelo princípio da realidade. Este é caracterizado pela supressão do prazer imediato e pelo adiamento da satisfação. Para Marcuse, o reforço do Ego, que conduz ao princípio da realidade, é despoletado pela sociedade de consumo, que incute nos indivíduos a necessidade de posse bens materiais. De modo a satisfazer essas necessidades, os indivíduos são obrigados ao trabalho, de forma a obterem bens materiais, ficando assim o homem reduzido a uma única dimensão, o consumo. Segundo o autor, o trabalho não é fonte de realização profissional, ou seja, de prazer imediato, pelo que consitui meramente um meio para o consumo e para que os indivíduos se sintam úteis. Esta perspectiva em relação ao trabalho é fonte de algumas críticas, que consideram esta visão excessivamente restrita. Podemos concluir que para este autor, o mecanismo pelo qual o poder se exerce é através da interiorização de “falsas necessidades”, que forçam os indivíduos a abdicar do prazer imediato. Verificamos também que enquanto os interaccionistas explicam o poder com base nas relações entre grupos sociais ou indivíduos, a Escola Crítica de Frankfurt concepciona o poder como uma subordinação dos indivíduos face a um sistema que os controla e manipula de acordo com os seus interesses. Podemos também ver a existência de alguns pontos de contacto entre as duas perspectivas, já que ambas consideram que para que a dominação ocorra, é necessária uma interiorização de controlo social, mais ou menos consciente, por parte de quem é dominado. Apesar de Jürgen Habermas ter tmabém feito parte da Escola Crítica de Frankfurt, este automizou-se em 1962 com a publicação da obra “A mudança estrutural da esfera pública”, desenvolvendo uma teoria da acção comunicativa, baseada nos pressupostos da filosofia alemã. Um dos conceitos chave desta obra é o de esfera pública. Segundo Habermas, a esfera pública constitui uma “identidade fictícia das pessoas privadas reunidas num público em seus duplos papéis de proprietários e de meros seres humanos.” (Habermas, 1984, p. 74). Esta formou-se por volta do século XVIII, com o aumento da circulação de jornais, e com a disseminação de espaços de lazer como salões e cafés. “A própria esfera pública apresentava-se como uma esfera: o âmbito do que é setor público contrapõe-se ao privado.” (Habermas, 1984, p. 14). A esfera pública é uma esfera intermediária entre o Estado e a esfera privada e familiar. No entanto segundo o autor, apesar de ser uma esfera livre de contestação ao poder, esta é, à época, restringida a uma parte significativa da população, já que é constituída apenas por burgueses e intelectuais. Porém, segundo Habermas, actualmente a esfera pública encontra-se em decadência, fruto da sua massificação, entre outros factores. “Com a expansão das relações económicas de mercado, surge a esfera do “social”, que implode as limitações da dominação feudal e torna necessárias formas de autoridade administrativa” (Habermas, 1984, p. 169). Verifica-se uma aproximação entre as esferas do Estado e privadas, o que reduz o papel da esfera pública. A esfera privada é gradualmente reduzida: “ (...) a esfera profissional evolui para um sector quase-público frente a uma esfera privada reduzida à família ” (Habermas, 1984, p. 183). O autor aproxima-se da Escola Crítica de Frankfurt ao considerar que a industrialização da cultura, levada a cabo pelos mass-media, também contribuem negativamente para o progresso desta esfera, uma vez que fomentam a uniformização do pensamento, e não a discussão O autor atribui uma particular importância à esfera pública enquanto espaço de livre circulação de ideias, já que este defende que a comunicação é o mecanismo de dominação, sendo por isso o factor central na questão do poder. Habermas defende, no entanto, que a comunicação tem vindo a perder a sua importância, pois a linguagem é cada vez menos importante na definição de consciências. Isto ocorre devido ao processo que o autor denomina de “colonização do mundo da vida pelo mundo do sistema”. O mundo da vida corresponde às práticas de comunicação subjectivas levadas a cabo entre um emissor e recpetor, enquanto que o mundo do sistema remete para a análise e controlo do próprio sistema de forma racional. O autor defende que o mundo do sistema sujeita aos seus imperativos de racionalidade o mundo da vida, não tendo em consideração o seu carácter subjectivo, o que torna a comunicação menos poderosa em relação ao dinheiro e ao poder. Já Luhmann apresenta uma teoria dos sistemas baseada nos pressupostos estruturo-funcionalistas. A principal virtualidade da sua teoria está na relação que este autor estabelece entre sistema e meio, conceitos chave da sua teoria. Luhmann identifica quatro tipologias distintas de sistema: não vivos, vivos, psíquicos e sociais, sendo que a sua análise se foca nos últimos. Segundo este autor, os "sistemas sociais operam (...) fechados sobre sua própria base operativa, diferenciando-se de todo o resto e, portanto, criando seu próprio limite de operação" (Luhmann, 2012, p. 79). Simultaneamente, “o fechamento é a condição da abertura do sistema ao ambiente: o sistema só é capaz de estar atento e responder à causalidade externa por meio das operações que ele próprio desenvolveu" (Luhmann, 2012, p. 79). Existe assim uma racionalidade defensiva, que tem como objectivo a neutralização das ameaças do meio. Outra característica dos sistemas é que estes são autopoiéticos, ou seja, têm a capacidade de se criarem e manterem por si só. Os sistemas vão se alterando conforme a complexidade que do ambiente cria. No entanto, rejeita a ideia de que o meio possa influenciar o sistema. O poder é para Luhmann “um meio de comunicação simbolicamente generalizado, que aumenta a aceitação de uma comunicação dentro da política; o mesmo se aplica para o dinheiro na economia” (Mathis, ano VER, p.12). Luhmann considera que os meios de comunicação são mecanismos de regulação dos sistemas, aproximando-se assim da perspectiva de Habermas. No entanto, Luhmann não tem em consideração a comunicação subjectiva, que constitui um dos elementos chave da teoria de Habermas e também não tenta fazer uma proposta de solução dos problemas que apresenta. Vemos também que esta teoria apresenta grandes divergência em relação aos interaccionistas simbólicos, pois considera que a sociedade é uma estrutura pré-existente aos indivíduos.
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