O Desenvolvimento E Sujeitos: De Quem Estamos Falando Quando Falamos De Desenvolvimento?
Por: Arielle9238 • 19/7/2023 • Pesquisas Acadêmicas • 3.208 Palavras (13 Páginas) • 68 Visualizações
Desenvolvimento e sujeitos: de quem estamos falando quando falamos de desenvolvimento?
Arielle Fernandes Tsunoda[1]
1. Introdução
Quando se fala em desenvolvimento, em desenvolvimento alternativo ou até mesmo em alternativas para o desenvolvimento, como os pós-desenvolvimentistas (FREITAS et al, 2016, pág. 98), a quem se referem? A maioria das teorias propostas para se pensar a sociedade generalizam os grupos existentes nesta ou focam seus estudos em determinados grupos, excluindo outros. Alguns movimentos sociais já vem criticando essa conjectura de exclusão das realidades diversas de negros, mulheres e LGBTQI+, que diferem da realidade tomada como exemplo nas discussões sobre desenvolvimento. No entanto, alguns grupos, por diferentes motivos, ainda tem uma tímida participação. As pessoas com deficiência e seu cotidiano são, constantemente, um desses grupos ignorados na construção de uma sociedade alternativa a que vivemos.
O uso do termo “grupo” aqui não é com a intenção de tipificar as pessoas com deficiência, como se formassem um grupo homogêneo e como se não pudessem estar presente em outros. Esse uso se explica no sentido de identificar uma realidade comum das pessoas com deficiência, mesmo que tenham diferentes deficiências e se relacionem de formas diferentes com elas. Essa realidade é, segundo Débora Diniz, “a experiência da opressão” (DINIZ, 2007, pág. 22). Ao escrever O que é deficiência (2007), ela aborda a visão do modelo social de que a deficiência é não apenas a lesão, mas a interação do corpo com lesão em uma sociedade discriminatória (DINIZ, 2007, pág. 17).
Este ensaio tem como objetivo, pois, identificar os discursos sobre desenvolvimento e como eles abordam a questão da deficiência. Para tal, em um primeiro momento, será abordada a visão tradicional e conservadora de desenvolvimento, que enxerga a deficiência como um empecilho a tal. Em um segundo momento, será apresentado os enfoques de Amartya Sen sobre as capacidades substantivas. Por fim, veremos os respingos dessas discussões teóricas no planejamento das políticas públicas educacionais, que incluem as pessoas com deficiência, que, como pessoas com direitos, precisam ter suas necessidades consideradas.
2.1. A deficiência como empecilho ao desenvolvimento ou desenvolvimento excludente?
Por muito tempo, a deficiência foi vista como um campo a ser explorado apenas pelos saberes médicos, como uma doença a ser corrigida, como variação daquilo que deveria ser considerado normal, um corpo normal (DINIZ, 2007, pág. 8). Por essa visão, as pessoas com deficiência ficavam limitadas em espaços de reabilitação, negada a sua participação em outros setores da vida, como o trabalho, o lazer, entre outros. Não é difícil imaginar que eram desconsideradas no planejamento de políticas para o que consideravam desenvolvimento, ou seja, atingir o crescimento econômico nacional em moldes capitalistas.
Para os fundamentalistas de mercado, os principais a associarem desenvolvimento capitalista com o ideal de progresso, os processos de produção desse sistema são neutros e espontâneos, não interferindo nas diferentes realidades sociais existentes (SACHS, 2004, pág. 26). Assim, para eles, se esse desenvolvimento desconsidera as pessoas com deficiência ou ainda reforça sua experiência de opressão e/ou exclusão, não o faz de forma pensada. No entanto, Diniz apresenta a crítica da causalidade e escreve que para o modelo social de deficiência o sistema capitalista impõe “um tipo ideal de sujeito produtivo” que exclue o sujeito com deficiência, independente de qual seja a sua deficiência, por este não se adaptar ao ritmo e lógica de produção, e uma “divisão social do trabalho” que nomeia os lugares e papéis que cada sujeirto deve ocupar na sociedade, ficando para as pessoas com deficiência o espaço médico ou espaço do lar, sob cuidados (DINIZ, 2007, pág. 23). Assim:
A possibilidade de exploração da força de trabalho determina quem é ou não deficiente, incluído ou marginalizado pela sociedade, na medida em que as relações de produção definem a própria condição social de invalidez. No terreno do capital, obcecado pela exploração da força de trabalho, aqueles que são vistos como potencialmente menos exploráveis pelos detentores dos meios de produção, tais como as pessoas com deficiência, em razão de seu suposto desajuste em relação à normalidade instituída pela parafernália industrial, são alijados de tal estrutura. Sem os meios necessários para a manutenção de sua existência, a dependência e o assistencialismo brotam quase que como elementos naturais. Exclui-se uma coletividade para posteriormente incorporá-las às margens e justificar a suposta benevolência do sistema produtivo. Este é o grande dilema enfrentado pelas pessoas com deficiência no capitalismo, estar dentro e fora ao mesmo tempo, fazer parte e ser segregado simultaneamente (MENDES; PICCOLO, 2013, pág. 294).
Ademais dessa perspectiva de inaceitação da variedade de corpos pelo sistema produtivo capitalista, Paul Abberley (1987) argumenta que o desenvolvimento de uma deficiência pode ser consequência do contexto social em que se vive. Como um homem que contraiu a poliomielite em um período de epidemia da doença na Inglaterra, o autor expõe que, em um período anterior, poderia ter morrido por não existir tratamento e, se tivesse nascido em um período posterior, provavelmente não teria contraído a doença pela existência da vacina (ABBERLEY, 1987, pág. 5). No mesmo texto, Abberley relaciona o surgimento de outras doenças, como os diferentes tipos de artrite, com as formas de trabalho e ambiente em que é executado, criticando a visão de um desenvolvimento natural ou casual da deficiência (ABBERLEY, 1987, pág. 10).
O discurso de responsabilidade individual é outro ponto importante sobre o sistema capitalista em relação à deficiência. Sobre isso, Mike Oliver (1996, apud MENDES; PICCOLO, 2013) fala:
Anteriormente a esta época, a contribuição que o indivíduo fornecia a produção da riqueza social não era computada por cabeça e destacada do grupo. A família, a comunidade, o clã, enfim, o coletivo produzia e todos eram avaliados pelo conjunto da produção. Sucesso de todos, prejuízo, assim como possíveis sanções também. Já no capitalismo esta situação se inverte. Agora é o indivíduo que produz. Apenas ele responde por sua produção e as sanções são aplicadas sobre o corpo do mesmo. Não da família, da comunidade, mas no corpo do indivíduo, cujos insucessos são interpretados como sinônimo de sua falha (1996, p. 47-48 apud MENDES; PICCOLO, 2013, pág. 291).
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