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O QUE ESCORRE PELA PERNA

Por:   •  6/11/2019  •  Artigo  •  2.964 Palavras (12 Páginas)  •  151 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Ana Emília Carvalho

O QUE ESCORRE PELA PERNA

Trabalho apresentado ao curso de Ciências Sociais, da Universidade Federal de Juiz de Fora, para a disciplina de Antropologia do Corpo e da Saúde, ministrada pela professora Dr. Cristina Dias da Silva, do Departamento de Ciências Sociais da UFJF.

Juiz de Fora

2018[pic 1]

1 – INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo discorrer acerca dos discursos e posturas tomados em relação aos fluidos corporais, mais precisamente o sangue menstrual. Como as noções de nojo, sujo, higiene e cuidado se articulam em torno dos corpos menstruantes na construção de um tabu sobre os mesmos. Tabu esse que transforma esses corpos sujeitos em corpos sujeitados.

Como um trabalho final para a disciplina de Antropologia do Corpo e da Saúde o texto se apresenta enquanto reflexões iniciais sobre as proibições e controle exercidos pelas discursos e opiniões populares sobre os corpos que sangram.

A decisão de abordar tal tema se deu após uma das aulas da disciplina, sobre o Limpo e o Sujo, ao observar as reações de alguns colegas de turma e amigos quando se tentava comentar sobre a menstruação e suas sensações.

2 – A CONVERSA

As caras retorcidas e as mudanças de assunto são algo recorrente quando se fala de menstruação. Menstruar é, por hábito, algo que não se diz, salvo em determinados contextos. Se talvez comemorado quando na menarca, como rito de passagem do corpo infantil para o adulto, é seu único momento de glória, para depois ser transformado em inconveniente.

Em diferentes espaços e com diferentes pessoas, as reações comuns quando o tema é menstruação fazem notar o quanto o nojo ao corpo dos outros e ao próprio se constitui enquanto matéria social, que molda corpos e comportamentos. Menstruar é, além de algo que não se conversa, algo que não se pode deixar que os outros descubram que está acontecendo, é proibitivo e asqueroso.

Durante conversa entre eu e uma amiga, dias após a aula anteriormente citada me deparei com uma imagem em rede social que consistia basicamente em uma gota de sangue que descia pela perna da fotografada, ao considerar a foto uma expressão artística sensível, quis compartilha-la com a colega, imaginando que a reação que obteria dela seria semelhante a minha, porém o que se deu a partir disso é o que dá corpo ao trabalho. Minha colega, assim como eu e a fotografada, também um corpo menstruante e feminista, disse ter achado a foto “estranha, talvez nojenta” e que jamais teria coragem ou seria “suficientemente desconstruída” para fazer a mesma coisa. Vem desse momento meu primeiro “insight” sobre isso. O segundo veio quando em uma conversa com outra colega, em que o tema era coletor menstrual e o descarte do sangue, quando falávamos de uma colega que utilizava o sangue para adubar a horta de temperos que tinha em casa e essa colega afirma que ainda não se sentia “desconstruída” o suficiente para fazer tal coisa. Essas duas conversas me lembraram as reações de alguns colegas de turma quando falamos também da utilização do sangue menstrual nas hortas dentro de sala de aula. Por que a menstruação causa tanto incomodo?

O fato é que, menstruar não é apenas um ato fisiológico, mas quase ritualístico. José Carlos Rodrigues fala:

Estaremos lidando com processos simbólicos mais que com processos naturais, pois, como vimos, porque é elemento de complexo social, o corpo é um complexo de símbolos; um sistema simbólico que porta sua mensagem mesmo que seus receptores e emissores não estejam ou não sejam conscientes dela. Um sistema de símbolos que está sempre presente no comportamento social em relação ao corpo ou no corpo do corpo em relação à sociedade, mesmo que esta presença seja apenas uma associação simbólica, presença in absentia, porque qualquer mensagem supõe a totalidade do sistema que provem. (RODRIGUES,1979)

Cercado de cuidados e silêncios, quando se menstrua não se conta a ninguém, se esconde, desde o ato de se comprar absorventes, em que ele é colocado no fundo do carrinho ou que o farmacêutico oferece duas sacolas para que a transparência não deixe as pessoas na rua percebam – pasmem! – que você menstrua e compra absorventes, ou quando se é tomada de pânico com a possibilidade de que o fluxo escape e manche as roupas, o controle sobre as horas, dias e duração, fruto de um medo incutido e geralmente inconsciente de que as pessoas descubram que o seu corpo sangra.

Dentro do mundo construído por relações de oposição, em que o corpo é o símbolo da dialética do sagrado e profano, dividido entre dois polos, como afirma Maria Andréa Loyola, o superior – limpo e nobre – e o inferior – por onde sai a parte podre, a menstruação não é significada apenas enquanto aquilo que não presta e o corpo precisa expulsar, mas enquanto a própria antítese da vida, a afirmação da fertilidade que foi negada. Aquele corpo que menstrua é, por consequência, o corpo que se negou ou foi incapaz de gerar.

Portanto, se menstruar se constrói, na visão popular, a partir da impureza e da negação, fazendo parte do arco profano do corpo, a relação entre os corpos menstruantes e a menstruação se dará, majoritariamente, também dessa forma. E é a partir dessa relação e contexto que devemos compreender as reações ao sangue menstrual, nas palavras de Rodrigues:

Sobre as coisas consideradas nojentas é sempre necessário perguntar quando, como e porque elas são nojentas e quando, como e porque deixam de ser nojentas.(RODRIGUES, 1979)

3 – O MEDO DA MENSTRUAÇÃO

Se a ideia da menstruação como algo sujo se apresenta no contexto macrossocial a partir da criação de tabus sobre o assunto, no ambito individual e privado os tabus se mantem e se transformam em formas de se lidar com a menstruação. Quando Rodrigues afirma que:

 "As partes e os produtos do corpo que se consideram "nojentos" traduzem as relações concebidas pelo pensamento; as propriedades que a sociedade neles reconhece deixam entrever paralelismos com a própria estrutura social.(RODRIGUES, 1979)

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