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Os Conflitos Na Teoria De Weber

Por:   •  23/8/2023  •  Resenha  •  1.810 Palavras (8 Páginas)  •  88 Visualizações

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CONFLITOS NA TEORIA DE WEBER*

ALVIN W. GOULDNER

INEVITAVELMENTE, existem certos pontos obscuros no trabalho de Weber que, se esclarecidos, possibilitariam sua melhor utilização. Diversos deles podem ser notados na dis­cussão de Weber a respeito dos fatores que tornam "efetiva" uma burocracia. Escreve ele:

A efetividade da autoridade legal ("burocrá­tica" no presente contexto -- A. W. G.) repousa na aceitação da validez do seguinte ... 1) Que toda norma legal dada pode ser estabelecida, por acordo ou por imposição visando fins utilitários ou valores racionais, ou ambos, com pretensão de obe­diência pelo menos por parte dos membros da asso­ciação.

Aqui, um problema essencial deixa de ser considerado de maneira surpreendentemente inesperada, pois Weber não percebe a possibilidade de que a efetividade da burocracia — ou outra de suas características — possa variar segundo o modo pelo qual as normas são introduzidas: por imposição ou por acordo. Ele supôs tacitamente que o contexto cultural de uma burocracia específica seria neutro frente aos diversos métodos de introdução de normas burocráticas. Contudo, desde que nossa cultura não é neutra, mas prefere as normas introduzidas por acordo às impostas, não se pode confundi-las sem obs­curecer a dinâmica da organização burocrática…

Weber silenciou sobre diversas outras questões. Primeiro: a quem deveriam ser úteis as normas para que a burocracia fosse efetiva? Segundo: em termos dos objetivos de quem seriam as normas um recurso racional? Objetivos de quem deveriam elas realizar para que a burocracia operasse efetiva­mente? Weber admitia que as metas dos diferentes estratos burocráticos eram idênticas pelo menos, bastante similares — e por isso não as distinguiu. A razão disso parece ter sido a utilização da burocracia governamental, aparente­mente solidária, como modelo implícito. Tivesse ele focalizado a burocracia da fábrica, com suas tensões mais evidentes entre supervisores e supervisionados..., e teria ele considerado imediatamente que uma norma dada poderia ser racional ou vantajosa para a consecução dos fins de um estrato, digamos o gerencial, mas poderia não ser racional ou vantajosa para os trabalhadores.

Uma "burocracia" só tem "fins" num sentido metafórico. Contudo, a precisão exige que se especifiquem os objetivos de diferentes pessoas ou os objetivos típicos de diferentes estratos na organização. Tal postura sugere que esses fins podem variar, não são necessariamente idênticos ou importantes para todo o pessoal e podem mesmo ser contraditórios; uma conclusão que de modo algum surpreenderá os estudiosos da indústria, ainda que os da administração a tenham negligen­ciado sistematicamente.

A incipiente distinção de Weber entre normas impostas e normas estabelecidas por acordo indica dois aspectos mais amplos de um mesmo problema, entrelaçados em sua teoria.

Há, primeiro, sua ênfase na burocracia como administração por "especialistas" ou profissionais. Weber via nossa época como aquela em que o diletante estava desaparecendo rapidamente e assegurava que as formas modernas de adminis­tração se caracterizariam pela importância atribuída à especia­lização:

Na esfera da administração a escolha é apenas entre o diletantismo e a burocracia. 0 fundamento primeiro da administração burocrática reside no papel do conhecimento técnico ...  A questão é sempre a de quem controla a maquinaria exis­tente e tal controle é limitado para as pessoas que não são especialistas ... A administração burocrática significa fundamentalmente o exercício do controle baseado no conhecimento. Este é o aspecto que a torna especificamente racional ... A burocracia é superior em saber, tanto o técnico como o do fato concreto dentro de sua esfera de interesse.

Há, contudo, outro ingrediente na concepção weberiana de burocracia; trata-se do papel da disciplina, um elemento que acompanha sua ênfase na "imposição" como fonte das normas burocráticas. Segundo  Weber,  a burocracia é o "fruto mais racional" da disciplina.

O conteúdo da disciplina — escreveu Weber — é apenas a execução consistentemente raciona­lizada, metbdicamente exercitada e exata da ordem recebida, na qual tôda crítica pessoal é incondicio­nalmente suspensa e ao ator cabe única e exclusi­vamente executar a ordem.'

Talcott Parsons, um dos mais agudos comentaristas da teoria de Weber, acentuou que "sobretudo a burocracia implica disciplina  …        E a adequação das ações do indivíduo a um complicado padrão de maneira que o caráter de cada uma de suas relações com o resto pode ser rigorosamente controlado ... 9 Assim a burocracia implica uma ênfase na obediência; e por "obediência" Weber entende que o conteúdo de uma ordem se torna, "por si mesmo, a base da ação".

Weber, então, concebia a burocracia como uma organização bifacial. Por outro lado, seria uma organização baseada na especialização, por outro, uma organização baseada na disciplina. No primeiro caso, a obediência é invocada como um meio para a realização de um fim; um indivíduo obedece porque a norma ou ordem é percebida como o melhor método conhecido para a consecução de algum objetivo.

Na segunda concepção, Weber assegurava que a buro­cracia era uma forma de administração em que a obediência seria um fim em si mesma. O indivíduo obedece à ordem, afastando os julgamentos sobre sua racionalidade ou morali­dade, principalmente por causa da posição ocupada pela pessoa que ordena. O conteúdo da ordem não é discutível. Neste sentido, os guardas nazistas nos campos de concen­tração justificaram suas atrocidades inenarráveis porque, como disseram, "obedecíamos às ordens". No primeiro padrão, pois, o indivíduo obedece em parte devido aos seus sentimentos a respeito da norma ou ordem; no segundo, obedece indepen­dentemente de seus sentimentos.

Talcott Parsons observou esse caráter equivocado da teoria weberiana numa nota de pé de página, penetrante, mas muito breve. Ele sugere que Weber confundiu dois tipos diferentes de autoridade: a) a autoridade que repousa na "atribuição de um cargo legalmente definido" e b) a autoridade baseada na "competência técnica". Parsons utiliza a relação médico-paciente como o arquétipo da autoridade baseada na compe­tência técnica. Propõe que "a autoridade do médico reside fundamentalmente na crença do paciente em que o clínico empregará em seu benefício uma competência técnica ade­quada para ajudá-lo em seu mal".

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