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A Ciência, Poder e Responsabilidade: por uma agenda ética de desobediência epistêmica

Por:   •  31/10/2017  •  Artigo  •  2.999 Palavras (12 Páginas)  •  221 Visualizações

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Ciência, Poder e Responsabilidade: por uma agenda ética de desobediência epistêmica

Jorge Luiz Barbosa

Uma breve introdução

Ciência, Poder e Responsabilidade (acrescentaremos a Ética) conjugam uma temática que foi sempre pulsante em nossas instituições universitárias. Em alguns momentos com maior evidência, em outros com menor envergadura. Atualmente esse tema tão caro aos rumos de nossas universidades parece assumir a condição de um quase esquecimento.

Esse quase esquecimento tem sido cumplice da produtividade e da competição desmedidas nas quais mergulhamos com o afã sem precedentes por financiamentos, aprovação de projetos, currículos, títulos, índices, indicadores (...) que nos lançaram em um redemoinho sem fim, cujas finalidades são absolutamente discutíveis. De modo algum podemos culpar ou responsabilizar exclusivamente as instituições de fomento e as suas regulações pela situação na qual vivemos. Nós, os professores e pesquisadores, aceitamos sem muitos protestos e aderimos compulsivamente ao produtivismo científico e sua contabilidade técnica. Todavia, nem tudo está perdido. Afinal, o convite para o debate do tema neste I Congresso Interinstitucional de Ensino e Extensão é uma demonstração inequívoca que ainda é possível construir posicionamentos críticos sobre a relação Ciência, Poder e Responsabilidade.

Os termos do debate em seu conjunto

Ciência, Poder e Responsabilidade precisam ser entendidos como uma tríade necessária à reflexão crítica da produção do conhecimento no âmbito do ensino, da extensão e da pesquisa universitária. Não se trata evidentemente apenas de questões referentes aos princípios e às finalidades do que produzimos. Mas sim de como, com quem e por que produzimos conhecimentos?

O assunto é vasto e complexo, não resta menor dívida. Então, iniciemos trazendo o horizonte de sentido criado pela ciência moderna. Desde o nosso nascimento à nossa morte, a ciência estará sempre presente em nossas vidas. Do telégrafo ao celular, e destes aos satélites. Das geladeiras aos produtos agrícolas. Das linguagens aos computadores. Dos sistemas de vigilância dos prédios e supermercados à organização das cidades. De fato, podemos considerar que o nosso cotidiano − denominado como moderno − é uma acumulação de resultados da produção científica. Fenômeno social que levou ao geógrafo Milton Santos (2002) conceituar a experiência atual da humanidade como um período técnico-cientifico-informacional, devido o imperioso advento dos meios tecnológicos na produção de nossas contraditórias e conflitivas existências do contemporâneo.

É possível arriscar um ponto de partida neste enredo com a Revolução Copernicana . De modo mais abrangente, para além dos seus postulados conceituais e metodológicos, a Revolução em causa constitui um sentido e posição dos Homem no universo. Colocou o Humanitas no centro de gravidade das intenções e ações do mundo. O mapa dos seres e dos lugares ganhava orientação da ciência e, assim, ganhamos um sentido de existência com anseios universais, tendo com seu centro fálico a Razão Ocidental.

Como recorda F. Capra (1983), o horizonte da ciência na Europa Ocidental até o século XV, sob o domínio da Santa Madre Igreja Católica, não teria outra finalidade se não a Gloria de Deus e a Salvação da Alma. Todavia, nos séculos precedentes o domínio do paradigma teocêntrico cederia lugar a outro operador de verdades: a Razão Humana.

Os novos princípios ordenadores da vida não se impuseram como paradigma vitorioso sem enfrentar silenciamentos, inquisições e fogueiras que condenaram muitos pensadores e pensamentos não alinhados aos dogmas católicos. Assim como se fez hegemônica ao combater e reduzir saberes e fazeres outros à condição de crendice, folclore e fábula sem valor de verdade.

Para Foucault (1980), a racionalidade científica em afirmação subalternizava outros modos de representação da natureza e do próprio viver, em nome de uma centralidade discursiva que tudo poderia explicar e, com isso, predizer e controlar o vasto e múltiplo mundo de existências. Ciência e Poder emergem como uma mesma conjugação sob o primado da racionalidade cognitiva.

Para tanto, inventou-se um sujeito abstrato universal. O cogito cartesiano seria o marco fundante do eixo ocidental da Razão. A máxima de Descartes (1596-1650) – penso, logo existo – seria a senha da construção epistemológica que viria operar fraturas entre a matéria e o espírito, entre o pensamento e o corpo, entre o sujeito e objeto. Res Cogitans e Res Extensa. Mundo cindido onde as palavras (representações) se tornam dominantes das coisas (materialidades) .

É com essa matriz paradigmática que o cogitare (o pensar) se torna um poder de representação e, portanto, de dominação. É proclamada a autonomia (relativa, é verdade) diante dos Deuses, dos Mitos, da Natureza. Como sujeitos pensantes era possível assumirmos o posto de senhores e mestres da natureza (mera coisa extensa ao sujeito). Tornamo-nos capazes de fazer equações para desvendar a matéria. Descobrir e manipular células, moléculas, átomos. Construir portos e navios. Edificar prédios gigantescos. Viajar pelos céus e profundezas oceânicas. Criar máquinas para gerar e destruir vidas. Somos, enfim, criadores de sonhos e pesadelos da razão científica.

Não podemos deixar de esquecer que as chamadas conquistas científicas foram apropriadas e usadas para conquistas de povos e territórios. Basta lembrar que a construção do sistema moderno-colonial contou largamente com a ciência e pela técnica. Afinal, se a missão ibérica de conquista da América estava consagrada por um Deus Romano Católico, esta ganhou apoio na instrumentalização da melhor ciência matemática, cartográfica e náutica daquele período (Porto-Gonçalves, 2017), e acrescentaríamos as máquinas de guerra que provocaram tempestades de fogo destinadas à submissão de humanidades tratadas com selvagens res extensas.

Para crítica deste movimento unidirecional de sentido da humanidade, Aníbal Quijano (2000) aborda a imposição de parâmetros de percurso das sociedades a partir de valores, juízos e relações que passam a operar como um patamar de práticas sociais comuns para todo o mundo. Ou seja, uma esfera intersubjetiva que existe e atua como central na orientação valorativa de uma civilização: por isso as instituições hegemônicas de cada âmbito de existência social se tornaram universais para a população

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