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A Hipoteca Do Bem De Familia

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Por:   •  4/5/2014  •  8.859 Palavras (36 Páginas)  •  353 Visualizações

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A hipoteca e bem de família: a garantia sobrevive incólume aos novos princípios?

Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito de São Paulo (USP), é advogado em São Paulo, assessor do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), curador especial e professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP/SP).

No último artigo da Carta Forense de 2005, cuidamos da garantia hipotecária e seus destinos nos novos tempos jurídicos em que vivemos.

Como se sabe, a hipoteca consiste em um direito real pelo qual o devedor ou um terceiro disponibilizam bem imóvel (ou assemelhado por força de lei) para a garantia de uma dívida.

Ao lado do penhor e da anticrese, é o mais utilizado dos direitos reais sobre coisa alheia. Não mencionamos aqui a propriedade fiduciária (CC, art. 1361) por se tratar de propriedade resolúvel na qual o devedor é mero depositário do bem o e o credor seu proprietário.

De larga utilização, mormente nas operações de mútuo bancário, a hipoteca sobreviveu no tempo, gozando de amplo prestígio. Diziam alguns que, após 1997, com a expressa previsão de alienação fiduciária de bens imóveis (Lei 9514/97), a hipoteca tenderia ao desaparecimento nas operações referentes ao Sistema Financeiro Imobiliário.

Isso não aconteceu. Curiosamente, apesar de a alienação transferir ao banco credor a propriedade do bem imóvel, com todas a vantagens decorrentes, a hipoteca continuou e continua a ser utilizada, apesar de gerar mero direito real sobre coisa alheia.

A grande vantagem da alienação sobre a hipoteca é que, em ocorrendo falência do devedor, o bem fiduciariamente alienado não entra na massa falida, pois já pertence ao credor. Entretanto, o bem hipotecado fará parte da massa, ainda que a preferência do credor hipotecário exista.

Não podemos nos esquecer, entretanto que, com a nova lei de falências, (11.101/05), que entrou em vigor em junho de 2005, após vacatio de 120 dias, os credores hipotecários foram enormemente beneficiados, pois créditos com garantia real (hipoteca, penhor) encontram-se em segundo lugar na classificação prevista no artigo 83, perdendo apenas para os créditos trabalhistas até 150 salários mínimos e os decorrentes de acidente do trabalho (art. 83, I).

Assim, o crédito tributário não terá mais preferência sobre aquele com garantia real. Aparentemente, sucesso dos Bancos, grandes beneficiados com a mudança na classificação. Isso significou tranqüilidade aos credores hipotecários? Aparentemente sim, mas de fato....

Em breve digressão histórica, voltamos ao ano de 1990, em que ocorreu a promulgação da Lei 8.009/90. Surge a proteção infraconstitucional ao bem de família, como decorrência direta do princípio da dignidade humana (Constituição Federal de 1988, art. 1º, III). É a garantia de um teto para o devedor e sua família, não importando a espécie de dívida ou seu montante.

O próprio diploma traz em seu artigo 3º algumas exceções em que não se pode alegar bem de família. Interessa-nos o inciso V que dispõe:

“V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”.

Previa a lei que se o casal ou entidade familiar oferecesse o bem em hipoteca, voluntariamente, não poderia, posteriormente, alegar bem de família. Ocorreria renúncia ao benefício legal, e, portanto, o bem passaria a ser penhorável. A hipótese pode parecer lógica aos olhos de alguém que imagina uma situação de igualdade absoluta dos contratantes em que um contrato paritário é celebrado.

Também pode parecer lógica, se imaginarmos que se trata de direito sujeito a simples renúncia da parte beneficiada.

Ocorre que as duas premissas são absolutamente falsas. Igualdade na relação creditória é algo praticamente fictício, não passando de noção superada há mais de 100 anos. Em regra, o credor hipersuficiente (instituições bancárias, por excelência), não deixam o devedor em situação de igualdade, mas, pelo contrário, em situação de evidente dependência e necessidade.

A renúncia, por si só, fere princípios básicos garantidos na Constituição Federal. Dentre eles o tão festejado direito à moradia (art. 6º de acordo com a emenda 26) que passa a ser considerado direito fundamental a partir de fevereiro de 2000.

Assim, razão não há para se considerar INCÓLUME a hipoteca concedida “livremente” pela família ou entidade familiar. Necessária será a análise do caso concreto.

Professor JOSÉ MARIA TREPAT CASES, no início da década de 1990, preconizava a todos nós, jovens ingressos nos bancos da Faculdade de Direito, que a hipoteca estava com seus dias também contados. Não sairia incólume à questão do bem de família. E quando objetávamos o mestre dizendo que se tratava de exceção expressa, ele profetizava o tempo demonstrará que estou com a razão, pois em muitos casos, a hipoteca fere princípios éticos e jurídicos.

Suas palavras ainda ecoam em nossos ouvidos, tantos anos depois. Como verdadeira profecia que se realiza, nossos Tribunais iniciaram um processo de conhecimento do direito civil a luz dos princípios constitucionais, e a hipoteca bancária tem sofrido fortes e emblemáticas derrotas. Vejamos duas ementas sobre o tema:

“I. Ainda que dado em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel de sócio se ele constitui bem de família, porquanto a regra protetiva, de ordem pública, aliada à personalidade jurídica própria da empresa, não admite presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da pessoa física, situação diversa da hipoteca prevista na exceção consignada no inciso V, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90.” REsp 302186 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2001/0010240-9, Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, 11/12/2001, DJ 21.02.2005 p. 182)

“A exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, inciso V, da Lei n. 8.009/90, não se aplica à hipótese em que a hipoteca foi dada para garantia de empréstimo contraído pela empresa, da qual é sócio o titular do bem, onde reside sua família.

II. Inexistência, na espécie, de situação em que a garantia hipotecária foi constituída em benefício da família, e, por isso mesmo, suscetível de penhora, nos termos do referenciado inciso V”. (REsp 302.281/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 04.09.2001, DJ 22.03.2004, p. 310)

Em ambos os julgados, defendem os Ministros do Superior Tribunal de Justiça

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