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As Racionalidades Leigas

Por:   •  18/1/2024  •  Trabalho acadêmico  •  5.905 Palavras (24 Páginas)  •  51 Visualizações

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Em Portugal, a «história da loucura» é muito semelhante à do resto da Europa (apesar de existir pouca documentação sobre a situação anterior ao século XIX) (Alves, 2001). Aqui, o sistema de saúde mental em geral e da psiquiatria em particular, seguiu, com atraso, a evolução da psiquiatria europeia, quer ao nível dos conceitos, quer ao nível orga­ nizativo, quer ao nível dos métodos terapêuticos (Alves, 1998). Esta característica, típica das sociedades semiperiféricas, reforça o nosso afastamento dos países centrais onde a desinstitucionalização foi implementada. Apesar de, desde a década de sessenta do século XX, a legislação ter estado de acordo com as recomendações internacionais no que respeita à desinstitucionalização e à abertura à comunidade, na prática ela nunca se efectivou cabalmente apesar de sucessivamente legislada. Esta contradição, que assenta no papel da sociedade providência como compensação das deficiências da produção estatal, penalizou as famílias. A sociedade civil secundária (Santos, 1990) tem corporizado algumas respon­ sabilidades sociais no sentido da desinstitucionalização, nomeadamente pela organização de equipamentos, mas só de forma muito parcial e incipiente responde às necessidades identificadas como lacunas de política social. Na realidade, quando entre nós se fala de integração comunitária das pessoas com doença mental está-se quase exclusivamente a falar de integração nas famílias (Alves, 1998). Na prática manteve-se um sistema assente na institucionalização nos grandes hospitais paralelamente com cuidados ambulatórios descentralizados. A desinstitucionalização dos pacientes crónicos só parcialmente foi rea­ lizada num ritmo muito lento (Alve , 1998 .[pic 2][pic 3]

  1. O ASIU')

«A primeira notícia sobre o tratamento dos loucos em Portugal (... ) data de 1539 e consta de um documento que nos diz que os doentes mentais eram tratados no Hospital de Todos-os-Santos» (Melo et al., 1981: 359). Em 1601, com D. Filipe II de Portugal, a

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        A Doença Mental Nem Sempre é Doença. Racionalidades Leigas sobre Saúde e Doença Mental        

segregação social dos loucos aumenta, bem assim como o aumento de casas a eles desti­ nadas. A «assistência que lhes era prestada era imperfeita, rudimentar, mais cárcere que hospital ... Isolados da comunidade, amontoados nos ghettos... os dementes foram vege­ tando e definhando até à transferência para Rilhafoles em 1848/50» (Oliveira, 1983: 7).

No reinado de D. José (século XVIII) são decretadas as primeiras medidas oficiais de repressão e combate à indigência através do internamento compulsivo. Em 1760, Marquês de Pombal cria a Intendência Geral de Polícia da Corte do Reino que vai promulgar medi­ das repressivas da ociosidade e da mendicidade. Em 1780, Pina Manique, Chefe da Polícia, inaugura a primeira casa de internamento (Casa Pia de Lisboa), cujos objectivos não dife­ riam dos das casas de correcção que tinham surgido pela Europa um século antes (Fleming, 1976; Melo et ai., 1981). Victor Ribeiro destaca de um trecho de Latino Coelho

sobre Pina Manique o seguinte: «Buscou fundar um instituto, que fosse ao mesmo tempo casa de correcção e oficina de lavor para os que por sua vida e costumes pervertidos ofen­ diam a Segurança e a Moral. As causas que produziam a despovoação do reino, a decadên­ cia da agricultura, a frouxidão do trabalho nacional e a perigosa acumulação de gentes ociosas e suspeitas em Lisboa eram apontadas sagazmente pelo intendente da polícia, nos papéis que frequentemente dirigia ao governo da Rainha» (in Fleming: 1976: 18).

Não consta abertamente, nestas medidas, que os doentes mentais fossem alvo de inter­ namento, pelo menos de forma objectiva, o que não impede que entre a massa indigente estivessem os «loucos». Os «loucos» portugueses, à semelhança dos de outros países da Europa, também foram associados a outros «tipos sociais» e não considerados como uma categoria autónoma.[pic 6]

António Maria de Sena diz que ainda no século XIX os alienados continuariam «sem eira nem beira», vagabundeando pelas ruas ou a serem presos ou recolhidos nos Hospitais Gerais que não tinham condições para os receber e tratar. É somente no século XIX que (tendo por referência a lei francesa de 1838, que previa a criação de estabelecimentos pró­ prios para doentes mentais) se começam a abrir os primeiros asilos, institucionalizando a loucura em locais apropriados (Pichot & Barahona Fernandes, 1984; Melo et ai., 1981).

  1. DO ASILO À COMUNIDADE - A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO

Para analisarmos a Política de Saúde Mental e os seus impactos na prática, recorrere­ mos ao seu enquadramento a partir do final do século XIX, uma vez que é a partir deste período que se confere à loucura o estatuto de doença e à medicina a função de a tratar.

A evolução das políticas de saúde mental a partir deste período traduz duas grandes tendências que se mantêm até hoje. Aparentemente contraditórias, elas vão, sucessiva­ mente, colocar a tónica no hospital ou na comunidade. Identificámos quatro períodos que se traduzem em medidas de intervenção distintas que manifestam, com atraso, os avanços científicos e sociais que se foram fazendo sentir sobretudo a nível europeu.[pic 7]

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        A loucura em Portugal - As políticas de saúde mental        [pic 9]

  1. Os grandes hospitais psiquiátricos em Portugal

O primeiro período inicia-se no final do século XIX, com a criação dos grandes hospi­ tais psiquiátricos, e vai até à década de 1960, quando é criada a Lei de Saúde Mental (1963). A criação dos hospitais psiquiátricos traduz uma mudança no entendimento da loucura, quer em termos científicos, como doença mental, quer em termos sociais, como necessidade de locais apropriados para oseu tratamento. Os hospitais psiquiátricos substituíram pelo tra­ tamento médico da doença mental o controlo repressivo e moral característico dos asilos.

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