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Dano Social

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Por:   •  9/9/2014  •  5.083 Palavras (21 Páginas)  •  282 Visualizações

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DO DANO SOCIAL

Como visto, a possibilidade de reparação civil é elemento essencial para o equilíbrio em nossa sociedade, já que tem como objetivo recompor o patrimônio do lesado ou reparar as ofensas à sua dignidade, coibindo comportamentos danosos.

O Direito Civil contemporâneo é focado na pessoa e não mais necessariamente na relação jurídica, porque sua nova tábua axiológica são os preceitos constitucionais. É correto pensar, portanto, que a responsabilidade civil segue essa tendência, devendo o jurista ampliar sua visão em relação à responsabilidade, que não pode ser vista apenas sob seu aspecto patrimonial.

A responsabilidade passa a ter papel especial no contexto da manutenção da dignidade da pessoa humana, na proteção das liberdades existenciais, no estabelecimento da igualdade substancial e na viabilidade da solidariedade nas relações econômicas e sociais. Nesse sentido, MARIA CELINA BODIN DE MORAES ensina:

“O princípio da proteção da pessoa humana, determinado constitucionalmente, gerou no sistema particular da responsabilidade civil, a sistemática extensão da tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do responsável. Tal extensão, neste âmbito, desdobrou -se em dois efeitos principais: de um lado, no expressivo aumento das hipóteses de dano ressarcível; de outro, na perda de importância da função moralizadora, outrora tida como um dos aspectos nucleares no instituto.”

O princípio da solidariedade, aplicado à responsabilidade civil, transformou o instituto. A responsabilidade subjetiva, que anteriormente tinha o efeito moralizador como elemento marcante, agora perdeu espaço nas hipóteses de aplicação e mudou seu foco do comportamento do autor do dano para o prejuízo experimentado pela vítima.

É preciso reafirmar que a responsabilidade subjetiva ainda precisa da culpa impregnada no ato ilícito para se fazer caracterizar, contudo a forma de analisar a culpa já não é realizada com tanta severidade quanto outrora.

Assim, a solidariedade conduz a responsabilidade civil para a socialização dos danos, no qual a responsabilidade subjetiva, outrora a regra geral de responsabilidade, passa a dividir espaço com a responsabilidade objetiva.

De outro turno, a tendência atual é a ampliação dos danos indenizáveis para que não somente os danos materiais e morais já previstos na legislação sejam reparáveis.

Na sistemática atual, a responsabilidade civil por danos materiais, prevista nos artigos 402 a 404 do atual Código Civil que tratam das perdas e danos, preveem aqueles que são legitimados a pleitear a correspondente indenização. Os dispositivos englobam os danos emergentes ou danos positivos, o que a pessoa efetivamente perdeu e também os lucros cessantes ou danos negativos, o que a pessoa razoavelmente deixou de lucrar. Os legitimados a pleitear este tipo de indenização são aqueles que sofreram os danos diretos e imediatos do ato ilícito civil praticado por outrem. São os chamados danos materiais diretos, que atingem a própria pessoa, que, em consequência, pode pleitear a indenização cabível.

No entanto, desde a Constituição Federal de 1988, surgiu a reparabilidade do dano moral como modalidade de dano imaterial. Com a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 1992, reconheceu-se a possibilidade de duplo pedido de reparação, de danos materiais e morais, decorrentes do mesmo fato. O Código Civil de 2002, em seu art. 186, faz referência expressa à reparação do dano exclusivamente moral, que pode ser denominado dano moral puro, prejuízo imaterial que não guarda qualquer relação com a perda patrimonial. Assim, consagrado no ordenamento jurídico brasileiro o dano moral indenizável, sendo certo que o legitimado a perseguir sua reparação é a vítima, o próprio lesado.

Do mesmo modo, o próprio Superior Tribunal de Justiça ampliou essa reparabilidade, de dupla para tripla, consolidando o entendimento de que a reparação ao dano material e ao dano moral também é cumulável com o dano estético, o qual se apresenta como terceira modalidade de dano, constituindo uma lesão a mais à pessoa humana.

Ocorre que, a legislação civil pátria também prevê a reparação de danos materiais indiretos, ou seja, para pessoas que não sejam o próprio prejudicado, senão veja-se o disposto no art. 948 do Código Civil:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

O referido dispositivo reconhece a possibilidade de se pleitear indenização patrimonial diante de um homicídio de pessoa da família, o que não exclui outras reparações. O inciso I do artigo trata de danos emergentes indiretos: despesas com o tratamento da vítima (despesas médico-hospitalares), seu funeral e o luto da família. O inciso II, ao regulamentar os alimentos indenizatórios ou ressarcitórios, consagra lucros cessantes indiretos, pelo pagamento de uma pensão às pessoas que do morto dependiam.

Neste sentido, o dano acaba extrapolando os limites da pessoa lesada, fato que pode ser considerado o ponto de partida para a compreensão do dano social.

O dano social é fruto da tentativa de ampliação dos danos imateriais. ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO propõe essa nova modalidade, nos seguintes termos:

“os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida”.

O conceito mantém relação direta com a principiologia adotada pelo Código Civil de 2002, que escolheu entre um de seus regramentos básicos a socialidade: a valorização do público em detrimento do privado, a superação do caráter individualista e egoísta da codificação anterior. Justamente por isso, os grandes ícones privados têm importante função social: a propriedade, o contrato, a posse, a família, a empresa e também a responsabilidade civil.

A função social da responsabilidade civil deve ser encarada como uma análise do instituto de acordo com o meio que o cerca, com os objetivos que as indenizações assumem perante o meio social. Mais do que isso, a responsabilidade civil não pode ser desassociada da proteção da pessoa humana, e da sua dignidade como valor fundamental.

Assim, a ideia do dano social mantém relação com o importante papel assumido pela dignidade humana em sede de Direito Privado, e pela tendência de se reconhecer uma amplitude maior aos direitos da personalidade. É no âmbito desses direitos imateriais que surgirão as aplicações práticas dos danos à sociedade.

Como tentativa de dimensionamento prático, JUNQUEIRA DE AZEVEDO discorre sobre os comportamentos exemplares negativos. São suas palavras:

“Por outro lado, mesmo raciocínio deve ser feito quanto aos atos que levam à conclusão de que não devem ser repetidos, atos negativamente exemplares – no sentido de que sobre eles cabe dizer: ‘Imagine se todas as vezes fosse assim! Também esses atos causam um rebaixamento do nível coletivo de vida – mais especificamente na qualidade de vida. Tratam-se de condutas socialmente reprováveis.”

Os exemplos podem ser pitorescos: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, a loja do aeroporto que exagera no preço em dias de apagão aéreo, a pessoa que fuma próximo ao posto de combustíveis, a empresa que diminui a fórmula no medicamento, o pai que solta o balão com o seu filho. Mas os danos podem ser consideráveis: a metrópole que fica inundada em dias de chuva, o avião que tem problema de comunicação e que causa um acidente aéreo de grandes proporções, os passageiros já atormentados que não têm o que comer (já que a empresa aérea não paga o lanche), o posto de combustíveis que explode, os pacientes que vêm a falecer, a casa atingida pelo balão e pega fogo.

Diante dessas situações danosas que podem surgir, o dano social merece punição e acréscimo dissuasório, ou didático.

Neste mesmo sentido deve se entender os danos causados pelos fornecedores de produtos e serviços, tendo em vista que o prejuízo causado por uma má prestação de serviço pode se estender para além daquele que se sentiu efetivamente lesado.

Isso, porque, em relação ao fornecedor, o consumidor é vulnerável nos mais variados aspectos. Essa vulnerabilidade se manifesta não só no plano da autonomia vista no âmbito das liberdades econômicas, mas também no âmbito das liberdades existenciais.

Hodiernamente, não se pode desconsiderar a necessidade contínua de se consumir determinados bens, sem os quais não é possível viver. É o que se demonstrou na oportunidade em que se comentou o Recurso Especial nº. 617.588, quando o Ministro Luiz Fux chega a mencionar que, em determinados casos, o corte de energia ou de fornecimento por inadimplência, faz recair a responsabilidade por dívida na pessoa e não em seu patrimônio.

Pode ser verificado também abuso e desequilíbrio na relação de consumo no caso do Recurso Especial nº. 234.219, quando uma prestadora de seguro saúde, sem ter feito exame clínico prévio no segurado, se recusou a prestar assistência ao mesmo alegando doença preexistente. Na ocasião, foi afirmado que a obrigação do exame prévio era da seguradora, cabendo a ela arcar com os ônus de sua inoperância. Não se poderia presumir a má-fé do consumidor num campo onde o mesmo é flagrantemente vulnerável.

Há também o Recurso Especial nº. 343.698, onde o consumidor, tendo sofrido um assalto e levado um tiro no tórax, foi hospitalizado. Por conta da internação, não pode pagar pontualmente o plano de saúde, que imediatamente suspendeu os efeitos do contrato de seguro-saúde. Por conta de problemas parecidos com esse, cabe lembrar também que o STJ criou a súmula 302, que proíbe que os planos de saúde limitem os dias de internação em seus contratos.

Todos os casos acima citados servem para exemplificar algumas hipóteses em que o fornecedor, por meio de atos abusivos, atua em detrimento do consumidor.

Todos os casos acima ferem o princípio da boa -fé objetiva. Pois são exemplos de atitudes contrárias à conduta esperada nos padrões éticos. A consequência advinda das práticas acima citadas é sempre a mesma: lesão à dignidade humana e dano moral.

Contudo, é importante não ver esses exemplos como casos isolados. Pois é preciso lembrar que os fornecedores atuam no mercado com diretrizes padronizadas, sendo que, se um caso de cláusula abusiva lesa um consumidor, a probabilidade é que muitos outros estão e estarão em situação parecida. A prática de atos abusivos e suas consequências lesivas no direito consumerista têm por característica se alastrar na sociedade espalhando seus efeitos nefastos. É por essa razão que o CDC é norma de ordem pública.

Se uma empresa aérea vende mais passagens que vagas disponíveis no mesmo vôo, ela dificilmente o faz esporadicamente e em casos isolados. Da mesma forma, se o sistema de inscrição de nomes de devedores nos serviços de proteção ao crédito mantido pelas empresas não funciona bem e, por isso, mantém ou inclui o nome de quem não deve em seus quadros, esse evento não atinge uma ou outra pessoa isoladamente.

Na mesma linha, sabe-se que dificilmente apenas uma instituição financeira, num caso isolado, incluiria no contrato de adesão de um de seus clientes uma cláusula que permite à ela reter o valor correspondente ao salário do mesmo para fins de pagar um financiamento contratado entre os dois.

Ainda que seja um ou outro caso isolado que bata às portas do Poder Judiciário, o jurista não pode ignorar que a prática, por ser padronizada, tem efeitos muito maiores que os que se apresentam na demanda específica. É preciso desestimular as práticas abusivas.

Os motivos para a ocorrência dessa prática são puramente econômicos. Os fornecedores procuram o caminho da eficiência máxima dos recursos financeiros. Se for mais rentável permitir que o dano se ocasione, o ato abusivo se instalará. Caberá ao judiciário combater as razões econômicas do abuso do direito, ajustando a conduta do empresário à sua função social e aos princípios condicionadores de sua atividade, nos termos constitucionais.

Verifica-se na hipótese duas espécies de dano. Um experimentado pessoalmente pela vítima, e outro, de repercussão mais social. Cada caso particular que apresenta a prática de ato abusivo por parte do fornecedor em detrimento do consumidor traz em si um sinal de que outros tantos estão também sendo lesados. Conforme já mencionado, as ações dos fornecedores são padronizadas e não personalizadas. E quanto maior e mais abrangente for a atividade do fornecedor, maior ainda será a padronização de suas atividades.

Nesse ponto, cabe ao direito influenciar nos acontecimentos econômicos e sociais lançando mão das normas do ordenamento jurídico, com o escopo de proteger os direitos fundamentais nas relações de consumo. Para essa outra face do dano moral, cuja dimensão se dá em caráter mais social e solidário, adota-se a nomenclatura criada por ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO: o dano social. Esta categoria de dano, quando configurada, cria a necessidade de se atribuir à indenização uma parcela extra de valor monetário, cunhada no efeito punitivo e preventivo da indenização.

A ideia é que quando o juiz percebe condutas socialmente reprováveis, fixa a verba compensatória à vítima e aquela de caráter punitiva a título de dano social.

Enfim, é a aplicação da função social da responsabilidade civil. Estipulando-se também, além da verba de reparação dos danos materiais e morais causados ao consumidor efetivamente lesado, quantum indenizatório pelo prejuízo que a falha na prestação de serviço causa à sociedade como um todo.

Este entendimento, inclusive, tem sido adotado por alguns Tribunais pátrios, conforme se verifica na sentença prolatada pelo MM. Juiz da 2ª Vara da Comarca de Pedro Leopoldo-MG, no processo nº. 0058388-88.2012.8.13.0210:

Vistos etc.

CONFINS CONSULTORIA, CONSTRUÇÕES E LOCAÇÃO LTDA., por advogados constituídos, propôs AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO c/c INDENIZAÇÃO por dano moral contra TIM CELULAR S/A, partes qualificadas nos autos.

A autora relatou que, em 21/mar/2011, contratou com a ré os planos (a) linha de celular corporativo TIM (31) 9199.0720, vinculado ao plano Empresa Mundi 100, com aparelho Motorola Screen EX128; (b) linha de celular corporativo TIM (31) 9120-7663, vinculado ao plano Empresa Mundi 100, com aparelho Samsung Galaxy 5.

Esclareceu que o segundo plano previa a recuperação de linha que era do sócio da empresa Rodrigo Costa Andrade, mas isso não ocorreu.

Prosseguindo, disse que, como essa linha não funcionava, passou a fazer reclamações, todas protocolizadas, nos dias 27 e 29/04/2011; 11/08/2011 e 21/11/2011.

Posteriormente, tentou diversos contatos com a ré, mas sem êxito, o que a levou a protocolizar pedido de devolução do aparelho e cancelamento do plano vinculado àquela linha.

Afirmou que, não obstante isso, o aparelho jamais foi recolhido e, por má-fé, a ré emitiu fatura, no valor integral, o que gerou novos pedidos de cancelamento.

Após discorrer sobre as normas aplicáveis ao caso, requereu (a) antecipação da tutela para a exclusão do seu nome no cadastro da SERASA; (b) anulação da fatura nº 581422101, vencida em 10/08/2011, no valor de R$451,09, por ter sido emitida ilegalmente e (c) condenada a ré ao pagamento de compensação por dano moral.

Petição instruída com documentos (fls. 11/38).

Adequação do pedido ao rito sumário (fl. 39/42).

Audiência de conciliação, sem acordo, quando foi deferido o pedido de antecipação de tutela e suspenso o processo, a pedido das partes, na tentativa de chegarem a uma composição amigável (fl. 45).

Em sua contestação, a ré disse que a autora não cuidou de fazer prova dos fatos por ela alegados, não tendo havido qualquer tipo de negativação indevida do nome dela, isso porque todas as cobranças encaminhadas possuem respaldo no contrato ainda em vigor.

A propósito, afirmou que, ao contrário do alegado, verificou-se que não foi efetuado o pagamento integral do débito em nome da autora, havendo ainda saldo-devedor, referente a ligações efetuadas e corretamente discriminadas. Assim, estando a autora inadimplente, a inclusão do seu nome nos cadastros de proteção ao crédito é legítima, e constitui exercício regular de direito, por ter ela descumprido a cláusula 3 do contrato, que diz respeito à obrigação do cliente em efetuar o pagamento.

A ré impugnou o pedido de compensação por dano moral, por falto de ilicitude do ato e cuja culpa é exclusiva da autora. Ademais, alegou não ter havido demonstração de dano moral (fls. 52/63).

Petição instruída com documentos (fls. 64 e 65).

É o RELATÓRIO. DECIDO, observadas as normas contidas nos arts 131 e 458, II, do Código de Processo Civil, bem como no art. 93, IX, da Constituição Federal.

(...)

III - DO DANO MORAL E DO DANO SOCIAL.

A finalidade da pena é a reprovação pelo delito praticado e prevenção de outros, servindo esta como desestímulo ao agente causador do dano para que não volte a proceder da mesma forma (art. 59, caput, do Código Penal).

Essa prevenção, no Direito Penal, tem sido apenas ilusória porque as penas, ainda que severas, não têm desencorajado aqueles que caíram no desfiladeiro da criminalidade. São penas perdidas, na expressão de Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celisi. Sirva-se de exemplo a chamada lei dos crimes hediondos que não reduziu o índice de criminalidade, nem mesmo à época em que se admitia o regime integralmente fechado.

Se, no campo do Direito Penal, até mesmo os juristas se encontram na mesma nau sem norte, no Direito Civil ainda existe porto seguro; basta que a letargia seja substituída por decisões enérgicas e exemplares.

No caso de compensação por dano moral, está firmado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência que a sua finalidade é, a um só tempo, compensar a vítima pela dor, angústia, frustração, abalo psicológico, e também punir o agente pelo dano causado, além do efetivo desestímulo (prevenção) para que fatos da mesma natureza não voltem a suceder. Neste caso, o mesmo que se disse a respeito das penas no Direito Penal, aqui também se aplica.

A prevenção, em caso de compensação por dano moral, tem sido ineficaz em ações contra empresas poderosas. Para isso, basta citar os casos das ações contra instituições financeiras, empresas de telefonia, seguradoras, de plano de saúde que, reiteradamente, são punidas, mas, nem por isso, deixam de praticar os mesmos fatos porque o lucro obtido com a lesão ao consumidor é maior que a penalidade. É um risco calculado, tanto assim que é perda de tempo a designação de audiência de conciliação; na maioria das vezes, nem proposta o seu preposto apresenta.

Por causa de situações assim, uma nova teoria, adotada por Antônio Junqueira de Azevedo - a punição do dano social - vem encontrando adeptos de renome. Nesse caso, além da compensação à vítima imediata, aplica-se também uma multa em prol de uma instituição filantrópica do local onde ocorreu o fato.

Inicialmente, ilustre o doutrinador esclarece:

“A segunda questão é mais importante e representa o ponto central das presentes considerações: é que um ato, se doloso ou gravemente culposo, ou se negativamente exemplar, não é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas sim, atinge a toda a sociedade, um rebaixamento imediato do nível de vida da população. Causa dano social. Isto é particularmente evidente quando se trata de segurança, que traz diminuição da tranquilidade social, ou quebra da confiança, em situações contratuais ou para-contratuais [sic], que acarreta redução da qualidade coletiva de vida.”

Mais adiante, discorrendo sobre o artigo 944 do Código Civil, o eminente Professor entende que essa norma, ao limitar a indenização à extensão do dano, não impede que o juiz fixe, além das indenizações por dano material e pelo dano moral, também estabeleça uma indenização por dano social.

Além disso, entende que, por analogia, se pode aplicar o parágrafo único do art. 883 do Código Civil que permite a reversão de valores em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.

Em abordagem sobre os efeitos jurídicos decorrentes da ilicitude, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que, “se o fato ilícito é uma acontecimento contrário ao ordenamento jurídico, certamente, o próprio sistema jurídico poderá reconhecer diferentes consequências à prática desse comportamento desconforme a ordem jurídica”

Esclarecem os nomeados doutrinadores que um fato ilícito pode implicar em inúmeros e incontáveis efeitos, com destaque para a possibilidade dos sancionatórios. Desse modo, a incidência da ilicitude é mais ampla e mais aberta, de sorte que não contenta com soluções apriorísticas; caso contrário, haveria um menosprezo da sua própria conceituação.

Em síntese, asseveram os citados mestres:

“Enfim, o sistema jurídico apresenta infinitos efeitos para a ilicitude, impondo ao intérprete e aplicador da norma atentar para a riqueza conceitual e eficacial dos fatos ilícitos”

Não se pode aceitar, enfim, que o ordenamento jurídico se mantenha nos limites acanhados de tempos idos porque, modernamente, os fatos têm ocorrido de formas até então imprevistas. Assim, o direito, que é dinâmico, deve acompanhar os acontecimentos.

O renomado Flávio Tartuce também esposa a teoria do dano social, pontificando que, desde a entrada em vigor da Constituição Federal, há uma tendência ao alargamento da reparabilidade do dano moral, como modalidade de dano imaterial. Aduz ainda que a função social da responsabilidade civil deve ser encarada como uma análise do instituto de acordo com o meio que o cerca, com os objetivos que as indenizações assumem perante o meio social (idem).

Com fundamento nessa teoria do dano social, recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela condenação da AMIL, a título de dano social, no valor de R$1.000.000,00, destinado a uma instituição hospitalar, num caso em que essa empresa, operadora de plano de saúde negara internação a um segurado acometido de enfarto.

No entendimento do colegiado, o dano social ficou caracterizado em razão da necessidade de se coibir a prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro saúde. O desembargador Carlos Teixeira Leite Filho, relator do recurso, explica em seu voto que a seguradora já havia sido processada outras vezes pela mesma situação. “Evidente, pois, que essa mesma recusa por parte da operadora de plano de saúde não pode mais permanecer impune, ainda que, nessa forma, exercida sob o manto constitucional do exercício de um direito”, afirmou o magistrado.

O magistrado ressaltou, ainda, que a indenização com caráter expressamente punitivo no valor de R$1 milhão não se confunde com a destinada ao segurado. “A reparação punitiva é independente da ação do segurado, porque é emitida devido a uma somatória de atos que indicam ser a hora de agir para estabelecer respeitabilidade e equilíbrio nas relações.” (Apelação Cível nº 0027158-4.2010.8.26.0564 - Relator Des. Teixeira Leite).

Por fim, dizer que a aplicação do dano social seria uma arbitrariedade, por falta de previsão legal, é desconhecer que as normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e interesse social (art. 1º do CDC; arts. 5°, inciso XXXII, e 170, inciso V, da Constituição Federal).

Assim sendo, se verificada a abusividade e lesão ao direito do consumidor, e verificadas aquelas condições inicialmente destacadas - reiteração da prática de dano contra o consumidor - o juiz fixa o valor de compensação por dano moral, se for o caso, e outro por dano social.

Passo à verificação dos pedidos.

(...)

VI - DANO SOCIAL.

A esse respeito, todas as considerações já foram feitas.

Acrescento que a ré é uma das empresas que mais lesam os direitos dos consumidores, bastando, para isso, verificar as rotineiras ações contra ela; em consulta ao SISCOM, verifiquei que, só nesta Comarca, já foram propostas trezentas e setenta e três (373) ações. Logo, pode-se concluir o extraordinário número de ações contra essa empresa por todo o país.

Por isso, fixo o valor de R$300.000,00.

Ante o exposto, e por tudo mais que consta dos autos, JULGO PROCEDENTES os pedidos para (a) declarar nula a fatura nº 581422101, de 01/ago/2011, no valor de R$451,09; (b) condenar a ré ao pagamento de dano moral à autora, no valor de 10.000,00; (c)condená-la ainda ao pagamento de dano social, no valor de R$300.000,00 (trezentos mil reais), que será depositado no Banco do Brasil, à ordem deste Juízo, para posterior distribuição às instituições filantrópicas deste Município.

Esses valores serão atualizados, da publicação desta sentença, com juros, à taxa de 1% ao mês, e correção monetária pelos índices divulgados pela Egrégia Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais.

Condeno-a, por fim, ao pagamento das custas processuais e da verba honorária de advogado, fixada esta em 20% sobre o valor da compensação por dano moral atualizada.

Com o trânsito em julgado desta sentença, no prazo de quinze (15) dias, a ré deverá apresentar memória de cálculo dos valores descontados e efetuar o depósito, em dobro, do valor apurado, pena de, a critério da autora, incorrer na multa de 10% sobre o total da condenação (art. 475-J do Código de Proc. Civil).

P. R. I.

Pedro Leopoldo, 10 de janeiro de 2014.

Henrique Alves Pereira

Juiz de Direito

No caso em tela, o fato de a Autora ter aguardado por mais de 03 (três) horas para ser atendida, de pé na fila da agência bancária da Ré, não representa um caso isolado, que tenha ocorrido somente com ela. Muito pelo contrário, trata-se de um fato corriqueiro, que acomete a todos os usuários dos serviços bancários, ou seja, é um problema que atinge toda a coletividade.

Na verdade, trata-se de uma falha na prestação de serviço, que ocorre em quase todas as localidades do país, cuja solução é facilmente identificada, bastando que os Bancos efetuem a contratação de mais funcionários para seu efetivo e treine-os, para que o atendimento seja de acordo com a demanda.

Todavia, o custo efetivo desta “solução” implicaria em uma significativa redução nos lucros absurdos que todas essas empresas e instituições financeiras vem acumulando ano a ano, de modo que as instituições financeiras preferem correr o risco de serem demandadas em ações de responsabilidade civil por danos materiais e morais, do que investirem em um bom atendimento, até mesmo porque é uma parcela diminuta da população que opta por buscar a reparação, enquanto que a lesão ocorre todos os dias e com todos aqueles que utilizam os serviços bancários.

Para tanto, veja-se a grande quantidade de ações ajuizadas contra os Bancos, os quais, reiteradamente, são punidos, mas, nem por isso, deixam de praticar os mesmos fatos porque o lucro obtido com a lesão ao consumidor é maior que a penalidade. É um risco calculado, às vezes até mesmo incluído na previsão de orçamento para o exercício financeiro seguinte. Em todos esses casos, a opção pelo dano causado aos consumidores tem se mostrado mais lucrativa. Tudo isso tem apenas e somente uma razão: do ponto de vista econômico, vale a pena lesar o consumidor e pagar as indenizações, há investir para dar um tratamento digno aos seus clientes.

Em geral as situações acima demonstradas geram indenizações baixas perto do custo de se manter um serviço adequado e respeitoso à dignidade humana. Portanto, cabe ao Poder Judiciário não analisar cada caso apenas em seu universo particular, mas enxergá-lo como uma pequena amostra de um todo muito mais abrangente. É preciso considerar que a maioria dos consumidores sequer vai em busca de seus direitos, pelas mais diversas razões.

O Poder Judiciário não pode ignorar a existência do problema econômico-social. É preciso garantir a eficácia da proteção ao consumidor, ainda que muitos deles não busquem reparação dos danos sofrido. Na maioria dos casos, uma decisão já influencia o mercado.

É dever do Poder Judiciário, enquanto órgão estatal, promover também a defesa do consumidor, nos termos do artigo 5º, inc. XXXII, da CF. Como já se disse, e não custa lembrar, essa é uma questão de ordem pública. O mercado de consumo deve ser fundado na boa-fé objetiva e não no proveito econômico extraído de atos abusivos.

Deve-se, por meio da indenização punitiva conduzir o autor do dano social a adequar–se aos preceitos constitucionais do artigo 170, sob pena de, em última instância, ser retirado do mercado.

Há regras claras e objetivas para se exercer atividade empresarial no mercado de consumo. Regras de ordem constitucional e regras derivadas da constituição, presentes no CDC. Este, por sua vez, procura a manutenção de um mercado saudável, livre de práticas abusivas.

Não é possível ignorar que o empresário, enquanto agente econômico, leve em conta o custo do Direito em suas atividades. Por isso mesmo, este mesmo Direito é que deve influenciar a atividade empresarial, nem que seja demonstrando seu peso econômico. Em matéria de relação de consumo, não se pode fechar os olhos para o fato de que a sanção mais adequada neste sistema é a civil, já que pessoas jurídicas não têm muito que temer do Direito Penal.

Importante notar que a indenização nos casos de dano social não tem também outra razão de ser além seu efeito punitivo e desestimulador. Afinal, a dignidade não tem preço, razão pela qual é simplesmente impossível medir a extensão do dano causado à vítima. Menor ainda é a possibilidade de se medir em termos exatos a extensão do dano em sua repercussão social e econômica. O que se faz preciso é interromper a prática que dá origem às lesões. Caso contrário, o Direito estaria imputando preço aos direitos fundamentais.

Ademais, a indenização punitiva por dano social adequa -se perfeitamente ao sistema da responsabilidade objetiva, tomada como regra no Código do Consumidor. Todos os critérios são objetivos. O abuso do direito é constatado objetivamente pelo desvio de finalidade dos atos praticados, sendo que no caso da atividade empresarial, as finalidades dos atos negociais devem estar sintonizados com a função social da empresa. Qualquer prática que fuja da finalidade constitucional será abusiva. Ou seja, não interessa o animus do empresário, mas o resultado de suas ações. Também o critério utilizado para identificar o dano social é, por isso, objetivo.

O dano moral, gênero do dano social, ocorre sempre que há uma lesão à dignidade humana. Há então uma presunção de que a prática abusiva tem proporções muito maiores daquelas que se apresentam às Portas do Judiciário, e é dever dele também preocupar-se se a decisão proferida nestas situações tem o impacto necessário não só para reparar o consumidor demandante, mas também se a decisão será útil para coibir abusos contra os fundamentos da República e da ordem econômica.

Diante de tudo o que se apresenta, não se pode permitir que impere este sentimento de “impunidade”, de que “compensa” correr o risco de pagar uma pequena indenização àqueles que pleiteiam a reparação dos danos causados pela prestação de serviço defeituosa, do que efetuar a contratação de pessoal efetivo suficiente a prestar um serviço de qualidade.

Portanto, outro não pode ser o entendimento de V. Exa., a não ser condenar a Ré ao pagamento de verba indenizatória pelo dano causado à sociedade, pelo desvio de finalidade e pelo enriquecimento ilícito provocado pela prática indevida de prestar serviços de forma defeituosa.

O critério para estipular a penalidade é também dotado de razoabilidade e advém da cuidadosa observação do poderio econômico, social, informativo e político do fornecedor. O valor do desestímulo não deve ser fixado tendo em vista a má-fé do fornecedor, mas sim a abrangência do ato abusivo no mercado, contrastando-o com o poder econômico do ofensor. Este método não fere a isonomia constitucional, porque promove a proporcionalidade, atacando o problema em sua origem. Deve -se considerar que a motivação do fornecedor é econômica e somente uma contrapartida econômica terá o condão de corrigir o comportamento empresarial desviante.

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