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Desenvolvimento como meta e mistificação

Por:   •  9/12/2018  •  Ensaio  •  12.010 Palavras (49 Páginas)  •  286 Visualizações

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O desenvolvimento como meta e como mistificação

Nos anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, os conceitos originados na “ciência econômica” foram apropriados em ritmo de extensão sem precedentes. Os temas ou conceitos de subdesenvolvimento e desenvolvimento, especialmente após a contribuição da CEPAL a partir de 1948, rapidamente foram assimilados e entendidos como palavras-chave para quase todos os “problemas nacionais”, jargão que na década de 1950 frequentemente era ampliado para “problemas da nossa época”.

Porém, o lugar excessivamente amplo destinado ao tema desenvolvimento dificilmente é arrotado entre as grandes questões que, naquele contexto, pareciam estar direto ou indiretamente envolvidas com o tema do crescimento econômico.

A educação não passava incólume à força daquelas ideias. A partir da metade do século XX, a finalidade econômica da educação tornou-se um “mantra” repetido incansavelmente desde então.

Na década de 1950, no Brasil, alguns diagnósticos políticos chegavam a colocar em dúvida a possibilidade de o país industrializar-se com os níveis educacionais que apresentava.

Admitia-se, sem muita resistência, que o crescimento econômico e a elevação nas taxas de emprego “necessariamente” exigiriam ampliação da taxa de diplomação escolar e, principalmente, cobrariam qualificação junto aos sistemas públicos de ensino.

Realizava-se uma transposição excessivamente simples dos conceitos da economia para o campo da educação e a tônica “desenvolvi-

mentista” passava a abranger, inclusive, o reconhecimento da importância da escolarização de um povo, inúmeras vezes, descrito como arcaico, rústico e até primitivo.

O estudo minucioso elaborado por Salles demonstra, com fartura de dados que, pelo menos no Estado de São Paulo, lugar propositalmente escolhido pelo autor para empreender sua análise, a forte industrialização levada a efeito naquele momento não demandou aumentos expressivos na taxa de escolarização (Salles, 2001, p. 18). Os processos de sofisticação, crescimento e produção acelerada de riquezas não precisaram de mão de obra mais qualificada.

Estava em andamento um processo de expansão crescente do acesso à escolarização. A “razão desenvolvimentista”, porém, impregnava a maioria das análises em circulação e estas se esforçavam em demonstrar que sem outros números educacionais sequer capitalismo teríamos em lugar tão atrasado, ou, melhor, em lugar tão subdesenvolvido.

A tabela a seguir, que se refere exclusivamente aos números educacionais do Estado de São Paulo, compara duas situações, a do início em relação ao final da década de 1950.

Tabela 1. Alfabetizados a analfabetos em São Paulo

 

 

Nº de Alfabetizados

Nº de Analfabetos

1950 (população)

1960 (população)

7.796.857

10.987.015

4.627.329

7.663.544

3.196.528

3.323.463

1950 (urbano)

1960 (urbano)

4.219.446

7.016.312

3.266.462

5.546,442

992.984

1.469.870

1950 (rural)

1960 (rural)

3.577.411

3.970.703

1.400.867

2.117.105

2.176.544

1.853.598

Fonte: Censo Demográfico, Estado de São Paulo, 1950, p. 19./Censo Demográfico, Estado de São Paulo, 1960, pp. 16-17.

São números, expressivos, crescentes e que sugerem uma certa sincronia entre o momento de forte expansão na industrialização do Estado e o aumento da população com acesso à escola.

Contudo, os argumentos de Salles em relação a tais números não podem ser ignorados:

         

(...) tal resultado, de proporções aparentemente expressivas, se relativiza quando se observa a percentagem do crescimento das matrículas na população em geral. De um patamar de 28,9% de pessoas matriculadas na população geral, em 1950, passa-se para 36% em 1960. Equivale dizer que o acréscimo como resultado dos esforços despendidos, em 10 anos, atingiu apenas a modesta marca de 6,1% de novas matrículas. Índice insuficiente para que se constate uma mudança qualitativa significativa no quadro educacional geral da população paulista (Salles, 2001, p. 129).

De forma geral, o crescimento econômico era confundido como modernização. Entre 1940 e 1960, o crescimento populacional variou positivamente em 53,5%; o crescimento do sistema educacional variou positivamente em 118,1% e o crescimento industrial variou positivamente em 225,7% (ibidem, 9. 124).

Tais números e argumentos nos oferecem respaldo para concluir que narrar os muitos acontecimentos relacionados à educação brasileira no período que vai do após-Guerra em 1945 até o golpe de Estado em 1964, como um processo concatenado de “adaptação” da educação às exigências da indústria que “exigia” mão-de-obra barata e mais qualificada, é uma operação analítica no mínimo vulnerável.

Nem bem a década de 1960 começara e Fonseca já denunciava que da maioria das pessoas empregadas no processo de industrialização que estava em franca aceleração se exigia apenas formação “monotécnica”, sem cobrar maiores contrapartidas para o aparato escolar como um todo, sendo suficiente para o trabalho industrial o incremento de informação que o próprio processo de trabalho oferecia (Fonseca, 1961, p. 503).

A questão de fundo em relação a tais fatos diz respeito à herança que recebemos daqueles anos e que, de certa forma, permanece praticamente intacta. Essa herança tem um reducionismo próprio que se traduz na seguinte questão: se educação não se presta a desenvolver um país, ela se presta a quê?

A vinculação entre educação escolar, aspiração ocupacional e taxas de crescimento será uma constante desde então, ainda que os vínculos entre o que a produção quer e o que a escola oferece sejam débeis. Mas tal debilidade veio para ficar.

         

Se a produção industrial pouco precisou da escola para crescer e gerar enriquecimento individual, contraditoriamente, os números pobres da educação foram exaustivamente explicados tendo por base a premissa de que a nossa educação é inconsistente porque desconectada das demandas da produção!

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