Governança e conflitos ambientais: participação civil ou volta à cultura do coronelismo?
Por: Mariana Bastos • 25/6/2017 • Relatório de pesquisa • 3.360 Palavras (14 Páginas) • 263 Visualizações
Governança e conflitos ambientais: participação civil ou volta à cultura do coronelismo?
O exemplo da mineração.
Relatório da palestra proferida pelo Prof. Dr. Klemens Laschefski na UFSC, dia 04 de dezembro de 2014.
Mariana Perez Bastos
O Professor Klemens Laschefski iniciou a palestra comentando sobre a angústia que Minas Gerais vive nos últimos meses em relação aos processos de mineração, contexto da temática de suas pesquisas sobre o processo de licenciamento ambiental e do trabalho de mestrado do aluno que o convidou para participar da banca de defesa de sua dissertação, motivo que o trouxe a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Explicou ainda a atuação de seu núcleo de pesquisa na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais (GESTA), que combina, em suas atividades, pesquisa e ação (extensão) buscando ao mesmo tempo refletir sobre os processos de apropriação do território e os conflitos que daí se originam, e atuar na capacitação político-participativa de populações afetadas por lógicas excludentes de apropriação territorial e exploração da natureza vigentes na sociedade contemporânea.
Desde 2001, o GESTA vêm acompanhando o Movimento dos Atingidos por Barragens no processo de licenciamento ambiental, que é entendido como o locus onde determinadas representações de espaço e de território aparecem e se realizam. Por meio de suas pesquisas, o professor observa que existe nestes processos uma tendência de oligarquização do poder nos órgãos ambientais, já que a influência dos diferentes atores é exercida de maneira desigual. Neste sentido, ressalta que deveriam ser apoiados os atores mais fracos no jogo dos empreendimentos que fazem a produção do espaço, não só no sentido de produção do espaço capitalista, como aquele destacado por Lefrebvre, mas também envolvendo outras formas de poder que não são explicadas pelo capital. No caso da mineração, essas relações de poder vêm como herança desde a época colonial.
Citando uma frase de Bertold Brecht: “quem não conhece a verdade não passa de um tolo, mas quem a conhece e a chama de mentira é um criminoso”, Laschefski descreveu a sensação que têm do que acontece no licenciamento ambiental, em que verdades objetivas são negadas para permitir a reprodução de um poder hegemônico, que inclui a ação de multinacionais, como no caso brasileiro que foi alvo de seu estudo.
Em relação ao processo de mineração, mostrou um mapa com os minerodutos que estão sendo construídos para explorar a Serra do Espinhaço, contendo 700 km de fronteira de mineração, com inúmeros empreendimentos da Anglo American (empresa multinacional que está se territorializando no Brasil para exportar para a China, cujo mercado tem grande demanda de minério). Há uma mina de 12 km de extensão, vinculada ao Projeto Minas-Rio, mineroduto que levará minério de Minas Gerais para a costa do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Após essa contextualização, citou o fato dessas questões gerarem conflitos ambientais, o que se constitui como seu objeto de estudo. É preciso analisar criticamente o discurso e o imaginário hegemônico que vê somente o lado positivo da mineração, tida como o processo que mais gera riquezas e empregos, por ser a base do desenvolvimento na cadeia de produção, alimentando diversas indústrias-chave para a economia, tais como a automobilística e de construção.
Diante de um gráfico que divulgava a queda do preço do ferro em 40% no ano de 2014, pode-se perceber que a própria mídia traz elementos para mostrar que o projeto não é tão economicamente promissor quanto se apresenta. Mesmo assim, o Projeto Minas-Rio continua em expansão, com um violento processo de licenciamento, sendo que o empreendimento já custa mais do que o previsto inicialmente, valor que girava em torno de 4 bilhões de reais. Em relação ao seu desenvolvimento, vale questionar se trata-se de um projeto econômico ou também político, uma vez que possui grande apoio do governo em todos os níveis, desde o federal, até estaduais e municipais. Um grande projeto de infraestrutura como este muitas vezes esbarra nas proteções conquistadas com o licenciamento ambiental, desconsiderando direitos de grupos indígenas, quilombolas e povos tradicionais, que são considerados como um empecilho para o projeto de desenvolvimento econômico, apoiado pelo governo. Assim, surgem conflitos ambientais devido aos distintos interesses e práticas de apropriação técnica, social e cultural do mundo.
O professor apresentou algumas situações enfrentadas por atores locais da região de Minas Gerais onde o mineroduto está sendo construído, tais como a demolição da casa de um morador cujo irmão havia vendido as terras para a Anglo American, que acabou expulsando os outros irmãos do território. Estes, sem ter concordado e participado da venda, voltaram e construíram casas, sendo considerados invasores e gerando um discurso que criminalizava essas pessoas. Os juízes, por sua vez, se deparam com situações com as quais não sabem certo como lidar, e geralmente os adversários mais fortes acabam tendo um peso maior para vencer a disputa. Outro caso, divulgado nas redes sociais, foi um acidente no mineroduto que contaminou um córrego e levou à morte dos peixes e das pessoas que beberam água desse corpo d'água. Circularam rumores alegando que o acidente havia sido proposital, tendo sido jogada soda cáustica no rio por um caminhão da empresa. Isso não foi averiguado pelos órgãos ambientais, que negam a responsabilidade da empresa e o omitem o perigo para quem depende da água desse córrego. Questões desse tipo entram na discussão acerca da acumulação por expoliação nos conflitos por grandes empreendimentos. Em alguns casos, um problema ambiental é causado pelas empresas interessadas na instalação do empreendimento em áreas de comunidades que viviam com os recursos daquele ambiente. Uma vez prejudicado o ambiente (por exemplo, com as terras tendo tornado-se improdutivas pelo problema criado), essas populações acabam querendo, ou sendo forçados a vender suas terras. Os proprietários, geralmente não entendendo muito de economia, acabam aceitando um valor baixo e, ao se deslocarem e tentarem se estabelecer nas cidades, acabam ficando marginalizados e favelizados.
Laschefski apresentou uma classificação dos conflitos ambientais definindo três tipos diferentes: os conflitos ambientais distributivos, os conflitos ambientais espaciais e os conflitos ambientais e territoriais. Os conflitos ambientais distributivos ocorrem devido às desigualdades em torno do acesso e da utilização dos recursos naturais, como a guerra por petróleo, água, etc. Os conflitos ambientais espaciais decorrem de efeitos ou impactos ambientais que ultrapassam os limites entre territórios de diversos agentes ou grupos sociais, tais como emissões gasosas, poluição da água, chuva ácida, etc. Por fim, os conflitos ambientais territoriais envolvem situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos segmentos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial.
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