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Gênero, autonomia e cidadania cultural: desigualdades na experiência democrática e representação politica

Por:   •  3/9/2016  •  Artigo  •  5.937 Palavras (24 Páginas)  •  424 Visualizações

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Título: Gênero, autonomia e cidadania cultural: desigualdades na experiência democrática e representação politica.

Autores: João Domingues e Luiza Nasciutti

Resumo: O artigo se propõe a iniciar o debate sobre os limites da noção de cidadania cultural amplamente difundida nas práticas de gestão cultural no Brasil, tendo como ponto de tensão a perspectiva da crítica de gênero. Pretende-se expor que embora a noção guarde alta capacidade de apreensão como modelo de gestão estatal para a cultura, pode valer-se de certa restrição às representações políticas de grupos sociais ativos. Espera-se desdobrar-se a críticas do feminismo às desigualdades persistentes em relação à experiência política e cidadã em respeito às diferenças de gênero, em que às mulheres é imposto o estatuto de cidadãs de segunda classe, estando ausente de problematização na categoria nativa cidadania cultural.

Palavras-chave: cidadania cultural, pluralismo democrático, desigualdade de gênero.

1. Introdução

As experiências recentes de políticas culturais no Brasil produzidas no âmbito do Executivo Federal a partir de 2003 certamente modificaram com alguma radicalidade a trajetória até então orientada às relações entre certos arranjos produtivos de expressões culturais e os modelos de financiamento público construído após a prevalência das leis de renúncia fiscal, propondo-se a ampliar a canastra de representações de destinatários de políticas públicas. Como tal, pôs-se a sinalizar um sistema de preferências normativas que conduziram à construção de um quadro de valores operacionais de seu conjunto legislativo e programático. Este quadro valeu-se de um modelo tripartite de significações ao campo político-cultural, sistematizado em formulações assaz abstratas do termo cultura. A dimensão simbólica, a dimensão econômica, e a dimensão cidadã (GIL, 2003).

Este conjunto político-cultural produzido em razão de Estado sugere um certo mapa de interesses sintagmáticos que se extravasariam em ações articuladas, interpelantes de significados ora apresentados pelo Executivo Federal em suas diversas instâncias – este em posição privilegiada para a construção dos ciclos políticos propriamente ditos – ora aos interessados diretamente na participação na vida político-cultural.

Nesta razão, é decerto curioso notar a cuidadosa distinção entre as dimensões econômicas e cidadãs do universo cultural com o qual seriam trabalhadas as ações deste conjunto normativo. Em alguma medida, esta opção parece se construir sob uma certa lógica de devolução de importância dada à categoria cidadania, a se supor então escamoteada das operações pragmáticas instauradas no acesso privilegiado de agentes culturais aos meios de financiamento à produção cultural no Brasil, recurso majoritário de significação das economias das culturas conduzidas em razão de Estado.

Como já descrito no início deste texto, se este modelo normativo não conduziu a uma desconstrução radical dos parâmetros de produção desigual de acesso aos bens raros da cultura – em especial às formas de financiamento direto à produção e a socialização de meios de produção da cultura, fazendo acomodar inclusive o mesmo regime concentrador de recursos dos fundos públicos baseados em leis de renúncia fiscal –, ao menos manteve ativa a discussão sobre a ampliação de beneficiários de políticas públicas orientadas ao campo da cultura. E nesta razão de ampliação de beneficiários a noção de cidadania cultural parece operar como centralidade institucional.

Propõe-se aqui, portanto, avaliar o grau de ativação das relações entre cultura, cidadania e política, forma nuclear da dimensão ativa da noção de cidadania cultural. Nosso interesse é perceber se há grau de interpelação da relação entre igualdade e diferença presente no uso da categoria - compreendendo a valorização (ou reconhecimento) da diferença como um princípio formativo da igualdade - ou se esta noção se mostra mais um recurso protocolar de gestão de recursos, não mobilizador de energias institucionais e sociais que assumam posturas radicais de negação de subalternidades presentes na reprodução social no Brasil.

Como tal, importa saber se o uso da categoria problematiza o grau difuso e desigual de experiências de cidadania e as diferentes formas de adesão ao regime democrático e seus graus de institucionalidade, ou se a cidadania cultural como recurso mostrar-se-ia como uma palavra-chave que apaga contradições, apegando-se a capturas parciais de representações sociais e reforçando em seu interior a reprodução de estigmas e hierarquias sociais.

Nesse sentido, destacamos o debate relativo às desigualdades de gênero, forjadas, engendradas e reproduzidas nos diversos níveis das relações sociais, analisadas a partir da dimensão díspar na experiência política e democrática, que converte as mulheres em cidadãs de segunda classe. Cabe aqui o esforço de perceber na reprodução das politicas culturais construídas em razão estatal que incluem ou tomam como centralidade a categoria de cidadania cultural enquanto normativa de suas ações, a ausência ou insuficiência da problematização dessas hierarquias de gênero enquanto níveis estruturais sociais, culturais e políticos, e o fato de que não aparecem ainda definições mais profundas dessas relações no que toca ao campo político-cultural mais verticalmente definido.

Parte das críticas às políticas culturais serão representadas na ampliação das possibilidades de interlocução com as definições distintivas da esfera pública que avancem além de uma concepção minimalista da democracia. A opção por estas perspectivas epistemológicas se faz tendo como objetivo privilegiar a percepção de diversas cosmologias e práticas de inserção na vida política e cultural. A recusa a este acento poderia significar que as políticas culturais construídas em razão institucional seriam por demais suficientes para sinalizar a totalidade das relações entre cultura e política, fazendo construir-se mecanismo de invisibilidade aos grupos sociais que são, por evidência, os que representam as múltiplas formas de convivência e de possibilidade de renovação do regime democrático. Desta forma, propõe-se aqui que o não reconhecimento das muitas possibilidades de experiências sociais e a construção de formas de gestão que não beneficiem o tratamento das diferenças entre os agentes sociais ativos do campo cultural traduzem-se em elementos estruturantes de políticas com baixo rigor de seletividade democrática.

Em

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