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O Adolescente E As Mudanças Na Criminalidade Urbana

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Por:   •  27/8/2014  •  9.655 Palavras (39 Páginas)  •  362 Visualizações

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O adolescente e as mudanças na criminalidade urbana

Sérgio AdornoI; Eliana B. T. BordiniII; Renato Sérgio de LimaIII

IProfessor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, Coordenador Adjunto do Núcleo de Estudos da Violência da USP

IIEstatística, Assessora Técnica de Gabinete da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Analista da Fundação Seade

IIISociólogo, Analista da Fundação Seade

Neste artigo, serão apresentados alguns dos resultados de pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência — NEV/USP, que teve por objeto a criminalidade juvenil na cidade de São Paulo, no período de 1993 a 1996, comparando-os àqueles obtidos em pesquisa equivalente elaborada pela Fundação Seade de 1988 a 1991,1 em convênio com o NEV/USP. Neste texto, procurou-se responder à seguinte indagação: vem crescendo, nos últimos anos, a participação dos adolescentes no movimento da criminalidade urbana, em especial de suas modalidades violentas?

INQUIETAÇÕES PÚBLICAS E PREOCUPAÇÕES CIENTÍFICAS

No Brasil, desde o início da década de 70, ao menos nas grandes cidades brasileiras, a existência de crianças e de adolescentes vagando pelas ruas, mendigando, vigiando veículos estacionados nas ruas, vendendo balas e doces junto aos semáforos, via de regra em troca de pequenas somas de dinheiro, vem sendo percebida como problema social.2 Pouco a pouco, uma opinião pública inquieta, certamente influenciada pelo impacto que o rápido crescimento da criminalidade urbana violenta exerceu e vem exercendo sobre o comportamento coletivo, passa a suspeitar de um envolvimento crescente e inexorável desses jovens com o crime, principalmente daqueles procedentes dos setores mais pauperizados das classes trabalhadoras.

De fato, um rápido exame das sondagens de opinião pública indica que o crime constitui, na atualidade, uma das principais preocupações na agenda dos mais urgentes problemas sociais com que se defronta o cidadão brasileiro. Não são poucos aqueles que têm uma história a ser contada: já foram vítimas de alguma ofensa criminal, especialmente furtos e roubos. Nesses acontecimentos, não é raro apontar-se a presença de jovens. As imagens veiculadas pela imprensa e pela mídia eletrônica, cada vez mais freqüentes e cotidianas, pintam cenários dramáticos com cores muito fortes: a de jovens, alguns até no limiar entre a infância e a adolescência, audaciosos, violentos, dispostos a tudo e prontos para qualquer tipo de ação, inclusive matar gratuitamente.

A introdução de recentes mudanças na legislação de proteção às crianças e adolescentes tem contribuído para acirrar o debate público e mesmo polarizar as opiniões a propósito das soluções possíveis para conter a delinqüência juvenil. A partir da Constituição de 1988, desenhou-se uma nova política de proteção e de atendimento à infância e à adolescência, que, ao contrário da anterior, considera crianças e adolescentes titulares de direitos: direito à existência digna, à saúde, à educação, ao lazer, ao trabalho e sobretudo ao amparo jurídico. Dois anos mais tarde, os preceitos constitucionais foram regulamentados através da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, a qual revogou o Código de Menores (1979) e instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA.

Desde sua edição, o ECA vem sendo objeto de ampla polêmica. Para alguns, é visto como instrumento eficaz de proteção e de controle social. Em posição diametralmente oposta, encontram-se aqueles que suspeitam ser o ECA instrumento legal inaplicável à sociedade brasileira, pois, segundo seus argumentos, a criminalidade juvenil vem crescendo porque os jovens delinqüentes não são punidos ou, quando o são, as medidas socioeducativas são brandas comparativamente à gravidade das ocorrências policiais, entre as quais roubos, homicídios, estupros, tráfico de drogas, porte de armas.

Uma avaliação da eficácia deste instrumento legal exige conhecimento prévio a respeito da magnitude e evolução da delinqüência juvenil. Não obstante o recente acúmulo de estudos e pesquisas brasileiros sobre o envolvimento de jovens com o mundo da rua e da delinqüência (Fundação Seade e NEV/USP, 1995; Adorno, R. 1997; Cardia, 1997; Gregori, 1997; Soares et alii, 1996; Peralva, 1992 e 1996; Zaluar, 1994), pouco ainda se sabe sobre a evolução dessa delinqüência no tempo, seu impacto no sistema de justiça da infância e da adolescência e, em especial, quanto ao efetivo alcance das medidas adotadas pelo poder público em suas atribuições de conter o crime juvenil no contexto do Estado de Direito.

A pesquisa realizada, que pretendeu justamente cobrir essas lacunas, constitui prosseguimento de projeto anterior, cujos resultados preliminares já foram divulgados (Adorno et alii, 1998). Esses resultados indicaram que, no período considerado (1988-1991) e no município enfocado (São Paulo), o envolvimento de jovens com o crime violento obedece ao mesmo padrão observado para a população em geral. Em outras palavras, os jovens não são nem mais nem menos violentos do que o comportamento agressivo da população em geral.

No entanto, há fortes suspeitas de que, em virtude de recentes mudanças no consumo e tráfico de drogas, esse comportamento tenha se alterado muito rapidamente, evoluindo na direção de um crescimento acentuado do crime juvenil violento. O propósito de atualizar os dados da pesquisa visou justamente responder a esta inquietação social.

Para tanto, a pesquisa identificou três grandes objetivos. Em primeiro lugar, procurou-se comparar quantitativamente entre os dois períodos estudados (1988-91 e 1993-96), as ocorrências policiais praticadas por adolescentes, segundo a natureza da infração penal, na cidade de São Paulo. Em decorrência, comparou-se a magnitude das ocorrências de natureza violenta que envolviam adolescentes com a das ocorrências policiais deste tipo, na população em geral, registradas neste município, em ambos períodos considerados. Um segundo objetivo buscou identificar o perfil social do adolescente autor de infração penal, selecionando-se, para tanto, as seguintes variáveis: sexo, cor, idade, naturalidade, escolaridade e ocupação nos dois períodos observados. Por fim, um terceiro objetivo consistiu em examinar as medidas judiciais aplicadas aos processos selecionados. É justamente o cumprimento desse objetivo que constitui,

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